China e Rússia

RAND Corporation e a geopolítica marítima chinesa

Crédito: Design: Katherine Wu/Bandeira com iuane: Dmytro, Adobe Stock/ Exército chinês: Mike, Adobe Stock/RAND Corporation
Por Gabriel Antônio Barboza Ferreira* [Informe OPEU]

Para além de seu surpreendente crescimento econômico, a China se destaca por sua rápida modernização militar, consequência dos progressivos investimentos públicos vistos ao longo deste século. Para muitos analistas e comentaristas internacionais, já era esperado que o gigante asiático disputasse a posição de maior economia do globo com os Estados Unidos durante as primeiras décadas do século XXI. A novidade reside, entretanto, no fato de, pela primeira vez desde a Guerra Fria, a histórica supremacia militar dos Estado Unidos parecer ter a chance de ser abalada, graças à capacidade de planejamento e execução do Estado chinês.

É certo que essa disputa em termos militares não está sendo ignorada pelos centros de pesquisa aplicada estadunidenses, ou think tanks. Dessa maneira, o objetivo deste texto é indicar de que maneira um dos principais think tanks do mundo acompanha e narra o envolvimento militar chinês nos conflitos dos mares asiáticos e oceânicos, em enfrentamento à presença dos Estados Unidos e aliados.

Em março de 2023, a RAND Corporation publicou uma análise na seção de Defesa de seu site, na qual detalha em números o crescimento militar chinês e identifica três principais motivos que explicam a importância das Forças Armadas para o Partido Comunista. Segundo o texto “Why is China Strengthening its Military? It’s not all about War”, de Timothy R. Heath, os investimentos chineses cresceram com uma média constante de 10% por ano de 2000 a 2016, fazendo o país alcançar a marca de US$ 230 bilhões em 2022, sendo o segundo maior orçamento militar, atrás apenas dos Estados Unidos.

Timothy Heath discusses his book "China's New Governing Party Paradigm" |  US-China Institute

(Arquivo) Timothy Heath e seu livro publicado em 2015 (Crédito: USC US-China Institute)

Heath entende que a relevância do campo militar e de defesa para o Partido Comunista Chinês (PCC) é fundamentada por um tripé histórico, geoestratégico e político. No primeiro eixo, o governo, ciente do século de humilhação experienciado pela China desde o início da Primeira Guerra do Ópio (1839) até a Revolução Nacional-Socialista (1949), compreende o Exército nacional como um instrumento histórico central na defesa da autonomia e da soberania do país contra ameaças externas. No segundo, o componente geoestratégico aponta para o aumento das missões de defesa realizadas pelo governo chinês, em razão de sua “difícil geografia” e dos conflitos resultantes, como a questão de Taiwan e outros casos no mar do Sul da China. Por fim, um Exército nacional fortalecido é um símbolo de prestígio e de status para os políticos e líderes chineses, sendo um meio de reforçar o patriotismo característico do Partido Comunista.

Sobre os Estados Unidos, a RAND observou que, mesmo com os progressivos incentivos e investimentos chineses no setor militar, a disputa entre os dois países se mantém acirrada nas regiões da Oceania e Ásia.

No texto “America is Winning against China in Oceania”, de Derek Grossman, publicado em junho de 2023, o think tank expõe como o governo de Joe Biden obteve sucesso em assinar acordos de mútua defesa e assistência econômica com múltiplos Estados da Oceania, de modo a garantir a presença e a influência dos Estados Unidos na região. Entre esses acordos, podem ser citados: o Tratado de Livre-Associação (Compacts of Free Association) assinados com os Estados da Micronésia, a República das Ilhas Marshall e a República de Palau, garantindo assistência econômica dos EUA aos Estados signatários desde 1986; e o Acordo de Cooperação em Defesa, assinado com Papua-Nova Guiné em maio de 2023.

(Arquivo) Grossman, em entrevista sobre a China para a CNBC International, em 16 set. 2021

Por um lado, os esforços parecem estar tendo efeito, visto que países como as Ilhas Marshall, Palau, Nauru e Tuvalu reconhecem Taiwan enquanto país independente da China continental, o que não favorece as boas relações com o gigante asiático. Por outro, a China ainda detém a região asiática sob seu controle, como os próprios Estados Unidos puderam testemunhar com as intervenções da Marinha chinesa sobre atividades estrangeiras, especificamente embarcações das Filipinas, no Mar do Sul da China no final de outubro de 2023.

O episódio mencionado levou o Departamento de Estado dos EUA (DoS, na sigla em inglês) a publicar uma nota, na qual denunciou o comportamento chinês. E, evocando o quarto artigo do Tratado de Mútua Defesa EUA-Filipinas de 1951, o DoS reafirmou o compromisso de defesa das embarcações em questão por parte do governo estadunidense. As ameaças parecem ter surtido mínimo efeito, tendo em vista a insistência por parte da China em reafirmar sua presença naval-militar no Mar do Sul, uma região estratégica para o país com relação à questão de Taiwan.

As placas tectônicas da política internacional parecem se movimentar conforme Estados Unidos e China disputam a superioridade militar. Nesse contexto, avaliações e diagnósticos de think tanks como a RAND Corporation podem ser lidos como pontos de condensação dos interesses geopolíticos e estratégicos estadunidenses frente aos avanços chineses. É dessa maneira que o estudo dos think tanks contribui para um melhor entendimento das formulações e das projeções da política externa dos Estados Unidos, e os esforços nessa avaliação não se mostrarão em vão aos analistas e estudiosos das Relações Internacionais.

 

* Gabriel Antônio Barboza Ferreira é graduando em Relações Internacionais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e bolsista de IC do INCT-INEU, orientado pelo prof. Williams Gonçalves (Uerj/INCT-INEU). Contato: gbuerjri@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 13 nov. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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