Distensão revisitada em Helsinque

Helsinque marcará a primeira distensão na Guerra Híbrida de quatro anos entre a Rússia e os Estados Unidos. Mas não haverá grandes avanços. O presidente Putin considera a reunião com o presidente dos Estados Unidos não como uma recompensa, mas como uma retomada dos negócios normais.

 

Por Dmitri Trenin

Traduzido do Carnegie Moscow Center*

 

Antes da cúpula de Trump-Putin em Helsinque, em 16 de julho, muitos nos Estados Unidos expressaram profundas suspeitas sobre a natureza e o resultado do encontro. Na Europa, há uma quase-paranoia de que a OTAN possa estar prestes a ser desmantelada e as forças dos Estados Unidos sejam retiradas da Alemanha. A Ucrânia, em particular, teme que Trump reconheça a Crimeia como parte da Rússia. Em contrapartida, em alguns círculos empresariais da União Europeia, existe a esperança de que as sanções ocidentais à Rússia sejam suavizadas ou mesmo suspensas.

Pequim, por outro lado, tem uma visão sóbria, acreditando que as contradições entre os Estados Unidos e a Rússia continuarão. Os chineses estão basicamente certos: os comentaristas políticos europeus estão sendo extremistas, enquanto alguns empresários preferem se apegar a ilusões. A cúpula não vai acabar com as bases do conflito Estados Unidos-Rússia. No entanto, a reunião provavelmente será muito mais do que uma foto.

Para Trump, o encontro com Putin é outra chance de demonstrar que ele pode lidar com estrangeiros difíceis muito melhor do que Barack Obama. O sucesso da cúpula de Cingapura com Kim Jong-un levou Trump a não esperar até as eleições de novembro e a se encontrar com Putin já durante sua tão planejada viagem para a Europa.

Para Putin, uma reunião com o presidente dos Estados Unidos não é uma recompensa, mas uma retomada dos negócios normais. Ele pode desfrutar do fato de que a tentativa de Obama de isolar a Rússia está terminando, com seu sucessor chegando às portas da sua cidade natal para uma reunião com ele. No entanto, Putin está menos interessado na narrativa do que na simbologia que a reunião passará.

Helsinque marcará a primeira distensão na Guerra Híbrida de quatro anos entre a Rússia e os Estados Unidos. A política de resolução de conflitos, já praticada entre as Forças Armadas dos Estados Unidos e da Rússia e que impediu uma colisão frontal na Síria na primavera passada, talvez seja acompanhada por uma desescalada limitada até o começo de um diálogo político, que somente pode ser iniciado em uma esfera superior.

Para Putin, que está cada vez mais concentrado em sua agenda doméstica, essencialmente socioeconômica, uma redução das tensões com os Estados Unidos será muito útil. As sanções permaneceriam em vigor, mas significando apenas o que está escrito nos documentos relevantes, o que daria ao presidente dos Estados Unidos uma enorme flexibilidade para não sancionar vários itens. Fazer negócios com a Rússia ainda estaria sujeito a restrições, mas a própria Rússia não seria mais nociva. Alguns contatos de negócios poderiam realmente se desenvolver além das áreas sancionadas, o que por si só já seria uma grande vitória potencial para Vladimir Putin.

Da perspectiva do público dos Estados Unidos, a grande nuvem lançando sombras sobre o encontro de Helsinque é a questão da interferência nas eleições dos Estados Unidos em 2016. Este é um ponto que Trump será obrigado a abordar, dado o humor do público nos Estados Unidos. Além disso, para que a cúpula seja bem-sucedida como ele deseja, ele precisará se certificar de que não haverá mais interferências futuras. As promessas são essencialmente sem sentido, mas as pessoas estarão prestando atenção em novembro. Putin, logicamente, rejeita qualquer papel do Estado russo nessa interferência e não é esperado mesmo que ele admita, menos ainda que se desculpe. No entanto, uma vez que ele não tem interesse no fracasso da reunião e na suspensão do diálogo, até porque não faz sentido que Moscou se intrometa agora, o resultado pode ser que não haja interferência eleitoral neste outono. Trump, logicamente, poderá reivindicar isso como uma grande conquista.

Os principais pontos da agenda russa dos Estados Unidos são óbvios para a maioria dos observadores: segurança, conflitos regionais e relações bilaterais. Quanto à segurança, tanto os Estados Unidos como a Rússia precisam esclarecer o futuro dos dois acordos de controle de armas: o Tratado INF de 1987, que proíbe mísseis de alcance intermediário (500 a 5.500 km), e o Tratado New START de 2010, que reduziu os sistemas de maior alcance norte-americanos e russos. Ambos os acordos atravessam um momento conturbado. Em relação ao INF, os Estados Unidos e a Rússia se acusam mutuamente de violações; quanto ao New START, o tratado expira em 2021, a menos que as partes decidam prorrogá-lo por mais cinco anos. Seria melhor para Putin e Trump concordar em iniciar discussões aprofundadas – consultas ao invés de negociações – sobre os problemas pertinentes ao INF, com o objetivo de resolvê-los e manter o acordo. A ideia não é reviver o controle tradicional de armas, característica de uma era já ultrapassada há muito tempo, mas criar um bom ambiente para discutir a estabilidade estratégica do século XXI, incluindo sistemas nucleares e de defesa convencionais avançados, bem como armas cibernéticas.

Em relação às questões regionais, a Síria se destaca como uma oportunidade. Moscou e Washington poderiam construir seu legado de zonas de desanuviamento para alcançar o entendimento sobre as novas linhas de delimitação no país devastado pela guerra. Ainda mais importante, também pode haver algum acordo tácito sobre os parâmetros da presença militar do Irã na Síria. A Rússia e Israel têm lidado com a questão nos últimos meses, e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu visitou a Rússia três vezes este ano para discutir o assunto. Para Washington, Moscou pode se tornar o principal intermediário e facilitador para lidar com Teerã, ainda que a Rússia, é claro, não venha a atraiçoar o Irã.

Sobre a questão nuclear iraniana, nenhum progresso pode ser esperado após a retirada norte-americana do acordo do JCPAA, mas seria muito importante para Putin entender a estratégia de Trump sobre o Irã e evitar, assim, surpresas desagradáveis. Sobre a Coreia do Norte, a Rússia apoiará publicamente o diálogo entre os dois países. Moscou ainda pode fazer sua própria contribuição para o desanuviamento regional, organizando uma reunião entre Kim Jong-un e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, próximo ao Fórum Econômico Oriental, em setembro. Então, uma vez mais, será crucial para Putin entender quais são os planos de Trump para a Coreia do Norte ao perceber que Pyongyang está disposto a ceder bastante no seu processo de desnuclearização, mas não na sua capacidade final de dissuasão perante os Estados Unidos.

O resultado mais importante da reunião de Helsinque, porém, pode ser seu desdobramento. Se os presidentes concordarem em realizar novas cúpulas plenas em suas próprias capitais futuramente (Donald Trump já falou publicamente sobre sua intenção de convidar Vladimir Putin para a Casa Branca), isso colocaria as duas burocracias em movimento.

Os dois lados precisariam apresentar resultados potenciais e, no processo, reconectarem-se após um intervalo de vários anos. Mas não se engane: o resultado não será a transformação milagrosa das relações entre os Estados Unidos e a Rússia. A Guerra Híbrida continuará. Mas algumas regras poderão ser estabelecidas e uma medida de diálogo poderá ocorrer. A Europa, pelo menos, ficará aliviada de que um eventual confronto não a transforme novamente em um campo de batalha enquanto os chineses ficarão contentes ao constatar um pouco menos de caos sob o céu.

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 12/07/2018, em https://carnegie.ru/commentary/76815

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