Política Doméstica

Governo Biden volta a sediar Conferência sobre Fome, Nutrição e Saúde 50 anos depois

Governo Biden quer estimular americanos a comerem de forma mais saudável (Crédito: Freepik.com)

Por Ellen Maria Oliveira Chaves*

Os Estados Unidos realizaram, em setembro de 2022, a Conferência da Casa Branca sobre Fome, Nutrição e Saúde. O último evento do tipo havia ocorrido no governo de Richard Nixon, em 1969. Por quê, depois de todo esse tempo, este evento toma espaço dentro da agenda do governo Biden-Harris?

Segundo a Casa Branca, a conferência ocorreu com o objetivo de coordenar estratégias para acabar com a fome e reduzir as doenças relacionadas à má alimentação até 2030. Para alcançar esse feito, o governo destacou que será preciso mobilizar mais do que os recursos do governo, lançando, assim, um pedido à sociedade americana para financiar, compartilhar suas ideias e se comprometer com os objetivos da conferência. O plano conseguiu em torno de US$ 8 bilhões em compromissos dos setores público e privado, de empresas farmacêuticas, lobbies da indústria de alimentos, associações médicas e até mesmo de grupos sem fins lucrativos e universidades.

As propostas se baseiam em cinco pilares principais: Melhorar o acesso e a acessibilidade dos alimentos; Integrar Nutrição e Saúde; Capacitar os consumidores a fazerem e terem acesso a escolhas saudáveis; Apoiar a atividade física para todos; e Aprimorar a Pesquisa em Nutrição e em Segurança Alimentar.

O governo dos Estados Unidos informou que, desse pacote, cerca de US$ 2,5 bilhões vão ser investidos em empresas que buscam soluções inovadoras para diminuir a insegurança alimentar; e US$ 4 bilhões, destinados a grupos filantrópicos que buscam melhorar o acesso a comidas mais saudáveis, promovendo melhores escolhas alimentares e incentivo à atividade física.

Outra questão importante é a doação e o apoio aos bancos de alimentos, que, durante a pandemia da covid-19, foram essenciais para minimizar o impacto da fome no país. A Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês) também fará pesquisas para propor uma nova rotulagem dos alimentos, de modo que as pessoas possam entender sua composição mais facilmente e fazer escolhas mais saudáveis.

Insegurança alimentar nos EUA

O panorama da segurança alimentar e nutricional do país não se mostra promissor.

A maior potência econômica do mundo está vivendo com a fome em seu território. Em 2021, uma em cada dez famílias nos Estados Unidos estava enfrentando insegurança alimentar, o que corresponde a 13,5 milhões de famílias. A situação é levemente melhor do que em 2020, na esteira do choque do início da pandemia, com a paralisação das atividades que perturbaram as cadeias globais de abastecimento e aumentaram o desemprego. Apesar da vacinação e do retorno das atividades, até mesmo as pequenas melhorias podem desaparecer, pois há projeções para o aumento da insegurança alimentar, em 2022, devido à alta da inflação da habitação, do gás e dos alimentos.

Em junho de 2022, o relatório de Índice de Preços ao Consumidor apresentou um aumento de 10,4% no custo dos alimentos em relação a junho de 2021 – o maior aumento anual desde 1981. Além disso, os valores dos aluguéis cresceram em um ritmo mais acelerado desde 1986. O apoio financeiro garantido pelo governo como alívio pela situação de pandemia começou a cessar, por exemplo, refeições escolares gratuitas para todas as crianças e as garantias expandidas dos vale-refeições (os chamados food stamps).

Enquanto o governo Biden luta contra uma recessão em casa, a Guerra na Ucrânia vai de encontro ao desejo de melhora para os Estados Unidos. O conflito pressiona não apenas para uma alta nos preços das commodities alimentares como também dos combustíveis. Além disso, em 8 de novembro, ocorrerá a eleição de meio mandato (midterms) nos Estados Unidos. Biden e os democratas se encontram em uma situação complicada, já que em dois anos de governo não conseguiram levar promessas de campanha à frente, entre outros motivos, porque tiveram de lidar com a complicada retirada das tropas americanas do Afeganistão, com o aumento da inflação e com a Guerra na Ucrânia. Este contexto aumenta o desafio para a eleição de democratas para o Congresso dos Estados Unidos.

Mais do mesmo

A Conferência da Casa Branca sobre Fome, Nutrição e Saúde surge, assim, como uma tentativa de mitigar alguns destes problemas enfrentados pelos cidadãos dos Estados Unidos. O canal aberto pelo governo é fundamental, mas poupa o ator mais importante na desigualdade alimentar: a indústria de alimentos. As propostas são apresentadas como ousadas e que podem mudar paradigmas, mas, na prática, podem ser mais do mesmo. Segundo Raj Patel, professor da Lyndon B Johnson School of Public Affairs da Universidade do Texas, Austin, esse é um momento essencial para expandir as redes de segurança social e diminuir a fome, mas a conferência não foi a fundo no motivo principal do porquê as pessoas estão vivendo em condição de pobreza em primeiro lugar.

Uma das propostas apresentadas é a ajuda da Associação Nacional de Restaurantes dos Estados Unidos em 45 mil restaurantes, incluindo algumas redes de fast-food, como Subway e Burger King, com o objetivo de criar refeições mais saudáveis para o público infantil. Essa mesma associação pressiona, no entanto, contra o aumento do salário mínimo. No mesmo sentido, a Tyson Foods vai investir US$ 255 milhões em alimentos nutritivos para bancos de alimentos, além de buscar reduzir o sal em seus alimentos processados. Essa mesma empresa já foi multada em pelo menos US$ 158 milhões nas últimas duas décadas por violações trabalhistas e ambientais.

Nos Estados Unidos, sete dos dez empregos que menos pagam estão na indústria alimentícia, e alimentos ultraprocessados se encontram na causa central dos grandes números de obesidade no país.

A fome e a miséria vão-se manifestar nesse contexto econômico atual, em que existe maior concentração de mercados e grande poder das empresas. Assim, todo esse cenário contribui para o mau desempenho do governo Biden e os baixos índices de aprovação, em torno de 44%. As eleições de meio mandato fazem constante pressão para que os democratas busquem alternativas de todos os lados para melhorar tanto a economia como a imagem do governo, e a volta da Conferência sobre Fome, Nutrição e Saúde, depois de mais de 50 anos, é um exemplo disso.

 

* Ellen Maria Oliveira Chaves é graduanda de Relações Internacionais na Universidade Federal da Paraíba (CRI/UFPB), membro do grupo de pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB e bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU. Contato: ellen.oliveira.chaves@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 13 out. 2022. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas Newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.

 

Siga o OPEU no InstagramTwitterFlipboardLinkedin e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.

Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.

Somos um observatório de pesquisa sobre os EUA, com conteúdo semanal e gratuito, sem fins lucrativos.

Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais