Energia e Meio Ambiente

Suprema Corte dos EUA restringe políticas de combate à mudança climática

O líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, recebe a juíza Amy Coney Barrett, então nomeada pelo presidente Donald Trump para uma vaga vitalícia na Suprema Corte do país (Crédito: Assessoria de imprensa do gabinete do senador McConnell)

Por Lucas Amorim*

Em 2018, Mitch McConnell classificou como seu objetivo principal, enquanto líder da maioria republicana no Senado, garantir que as nomeações para o Judiciário federal fossem favoráveis às posições do seu partido. O senador arquitetou uma estratégia de não confirmar nomeações judiciais do presidente Barack Obama, apostando na vitória de um republicano em 2020. Quando Donald Trump e uma maioria republicana foram eleitos naquele ano, diversas cadeiras estavam vagas nos tribunais federais aguardando para serem preenchidas pelo novo presidente. Para acelerar o preenchimento das vagas por juízes conservadores, McConnell não hesitou em quebrar tradições da política americana, ao fazer uso da chamada “opção nuclear”, isto é, confirmar juízes por maioria simples em vez da maioria qualificada de 2⁄3 que era utilizada por costume, mas não por força da lei.

A maioria de seis juízes conservadores na Suprema Corte dos Estados Unidos foi, portanto, resultado de uma estratégia de longo prazo do Partido Republicano. Essa estratégia parece estar rendendo seus primeiros frutos. No mês passado, a Corte derrubou o precedente em vigor há 50 anos que garantia proteção federal ao acesso das mulheres ao aborto, decisão esta que foi elogiada por McConnell. As decisões recentes da Corte não se ativeram aos direitos das mulheres. No caso Kennedy v. Bremerton Scholar District, por exemplo, o tribunal julgou que o treinador de futebol americano do sistema escolar público da cidade de Bremerton, no estado de Washington, não violou a Primeira Emenda da Constituição americana, que estabelece a separação entre Igreja e Estado, ao conduzir orações após cada jogo do time. Em NYSRPA v. Bruen II, foi derrubada uma lei de 1911 que exigia justificativa legal para porte de armas no estado de Nova York. Todas as decisões foram tomadas com voto afirmativo dos seis juízes conservadores ante a oposição dos três progressistas.

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Em 30 de junho de 2022, foi publicada decisão, relatada pelo presidente do tribunal, John Roberts, em relação ao caso West Virginia v. EPA. O processo opôs o estado americano da Virgínia Ocidental, que depende economicamente da indústria do carvão, e a Agência de Proteção Ambiental, órgão federal regulador em matéria de meio ambiente. O objeto da ação é o Plano de Energia Limpa, uma política adotada durante o governo de Barack Obama para reduzir as emissões de gás carbônico e de outros poluentes nocivos à saúde humana.

Curiosamente, a política que motivou o processo sequer continuava em vigor. Já em 2019 o então administrador da EPA, Scott Pruitt, assinou uma nova regra denominada Energia Limpa Acessível, que revogou o Plano de Energia Limpa e reconsidera o cálculo dos riscos que a poluição atmosférica oferece à saúde, de forma a tornar as metas de redução de poluição mais fáceis de serem alcançadas. Ao considerar uma ação que não tem efeitos práticos atuais, a Suprema Corte desconsidera sua própria jurisprudência, em especial a decisão Lujan v. Defenders of Wildlife, em que se determinou que é necessário que haja ameaças concretas e discerníveis a direitos para que o Judiciário federal possa apreciar uma questão.

O argumento do estado da Virgínia Ocidental era que a agência reguladora havia extrapolado o mandato concedido pela Lei do Ar Limpo de 1963. A lei é uma das peças legislativas federais mais influentes no âmbito ambiental e concede à EPA a autoridade para implementar programas de redução da poluição atmosférica, como os Padrões Nacional de Qualidade do Ar Ambiente e de Emissão de Poluentes Atmosféricos Perigosos. Desde sua promulgação, a lei foi objeto de diversas ações que chegaram à Suprema Corte, como Massachusetts v. EPA, onde os juízes reafirmaram a autoridade da agência para regular a emissão de CO2 por veículos automotores, e Whitman v. American Trucking Associations, Inc., em que o tribunal atestou a constitucionalidade de outro programa da EPA para criar padrões de emissão de gases por caminhões.

A doutrina jurídica utilizada na opinião da maioria conservadora da Suprema Corte é que a implementação de um programa tão ambicioso por uma agência do Executivo deve ser explícita e previamente autorizada pelo Congresso por meio do processo legislativo. Ao implementar regras não explicitamente previstas na Lei do Ar Limpo, a EPA estaria, portanto, usurpando a autoridade legislativa. Sob essa perspectiva, a delegação de autoridade normativa a agências executivas é possível, mas, sempre que ela tocar questões de grande importância econômica, ou política, a decisão final deverá estar com o Congresso.

Os juízes liberais, liderados pela juíza Elena Kagan, contrariam essa visão, afirmando em voto em separado que a autoridade para execução do plano havia sido delegada pela lei e confirmada por ampla jurisprudência da Corte. Kagan afirma que “o Tribunal impede a ação de agências autorizadas pelo Congresso para reduzir as emissões de dióxido de carbono das usinas de energia. O Tribunal nomeia a si mesmo – em vez do Congresso, ou da agência especializada – o tomador de decisões sobre a política climática. Não consigo pensar em muitas coisas mais assustadoras”.

Juristas expressam preocupação com a repercussão do caso. O professor de Direito da Universidade de Michigan Daniel Deacon teme que qualquer tema que seja controverso nos círculos políticos possa passar a ser interpretado como questões de grande importância pelos tribunais, o que deixaria muito pouco espaço para a implementação de políticas públicas por parte das agências do Executivo em relação ao meio ambiente, mas também a outros temas. Na ausência de qualquer critério claro, afirma Scott Nelson, advogado do think tank Public Citizen, o que constitui uma questão de grande importância depende da interpretação do presidente da Corte, John Roberts, e do juiz Brett Kavanaugh, os mais moderados dentre os juízes conservadores. Até então, a jurisprudência anterior, como Chevron v. Natural Resources Defense Council, garantia que a Corte apresentasse alto grau de deferência à interpretação dada pelas agências regulatórias aos estatutos que as criaram.

Além da combalida agenda ambiental do governo de Joe Biden, relevantes iniciativas de outras agências reguladoras, como a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês) e Comissão Federal de Comércio (FTC, sigla em inglês), também podem sofrer com a decisão. Ambas estão empreendendo um esforço regulador inédito que inclui a obrigatoriedade de publicação de dados sobre o impacto climático das empresas com ações negociadas na bolsa e novas regras para combater fusões corporativas ilegais.

 

* Lucas Silva Amorim é pesquisador do OPEU e doutorando pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Contato: amorimlucas@usp.br.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 1º ago. 2022. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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