China e Rússia diante do conflito EUA-Irã

Os presidentes Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China) e Hassan Rohani (Irã)

* Por Alexandre Cesar Cunha Leite

Em uma ação militar realizada pelos EUA em 3 de janeiro de 2020, foi assassinado o então comandante das forças de elite Al-Quds, da Guarda Revolucionária iraniana, Qassem Soleimani. As informações disponíveis indicam que, em 27 de dezembro, um grupo de aliados do governo iraniano havia lançado um foguete contra uma base militar no norte do Iraque, matando um americano. No dia seguinte, tiveram início discussões sobre as possíveis estratégias de retaliação dos EUA. Tomada a decisão em 2 de janeiro, o presidente americano, Donald Trump, autoriza a opção tida como a mais extrema: um ataque planejado, realizado por um drone MQ-9 Reaper, ao aeroporto de Bagdá.

Os mísseis disparados pelo drone atingiram o comboio onde estava o general Qassem Soleimani, considerado o principal estrategista militar iraniano e o segundo homem mais poderoso do Irã. Começa, naquele momento, mais um capítulo na longa história de participação norte-americana em conflitos no Oriente Médio.

Na sequência dos eventos, observou-se uma imediata e visceral resposta por parte do aiatolá Ali Khamenei e do presidente persa, Hassan Rohani. Além de condenarem o ataque – que possui um componente importante, pois foi realizado em território iraquiano –, os líderes iranianos prometeram vingança. Protestos tomaram as ruas de Teerã, seguidos de um funeral de proporção impressionante. Ainda na esteira das reações, observou-se aliados europeus apoiando a posição norte-americana (não necessariamente a forma), outros em posição de neutralidade (mas alertando sobre os perigos da escalada militar), enquanto duas outras nações de destaque no cenário global, China e Rússia, declararam-se contrárias à ação dos EUA, condenando o ataque lançado. A postura adotada por estes dois países já era esperada.

Retorno a estes dois países no próximo parágrafo, pois quero ressaltar dois pontos relevantes para reflexão: a reação do mercado financeiro, especialmente no que concerne ao preço do petróleo e às ações de empresas do setor em todo globo; e a discussão sobre a posição de Trump (e de sua política externa), no que diz respeito aos problemas no Oriente Médio, mesmo em meio a uma “guerra” comercial com a China.

O primeiro ponto impacta, mesmo que momentaneamente, a economia de vários países, com destaque para os envolvidos diretamente, e outros cujas empresas têm atuado fortemente no cenário energético global: China e Rússia. O segundo ponto reflete uma tentativa do presidente Trump de mostrar que não está “inoperante” em uma agenda de política externa que se esperava mais agressiva. Há que se considerar também variáveis como a corrida eleitoral, o processo de impeachment (que não deve chegar a cabo), a não resolvida questão com a Coreia do Norte, o desgaste da “guerra” comercial com a China, além do imbróglio – desconfortável e mal explicado – da influência russa na eleição norte-americana, entre outros itens da agenda de governo de Trump que patinam.

O contraponto sino-russo

Quanto à posição de China e Rússia frente ao ocorrido, a primeira observação é que há, em ambos os países, um conjunto de interesses envolvidos. Estes passam de questões de segurança internacional (agenda geopolítica inclusive), cooperação militar e econômicas que ligam China, Rússia e Irã. Dias antes do ataque que matou Soleimani, os três países programaram e realizaram um exercício naval conjunto. Longe de ser trivial, um exercício naval com a presença de China e Rússia é um evento que insere tensão no ambiente internacional. Em declaração à imprensa internacional, o porta-voz do Ministério chinês da Defesa, Wu Qian, afirmou que o exercício tinha como objetivo aprofundar o intercâmbio e a cooperação entre as Marinhas dos três países. Não é de se imaginar que os EUA assistam à construção de uma relação cooperativa militar entre China, Rússia e Irã sem esboçar um sentimento de incômodo.

Fato é que tanto Rússia como China têm interesses políticos, econômicos e militares no Oriente Médio. Em alguns casos, como ocorre com o Irã, estes interesses são entrelaçados. Exemplifico: a imposição de sanções econômicas por parte dos EUA tende a influenciar o fornecimento de recursos energéticos (petróleo, por exemplo, que no dia posterior ao ataque teve elevação média de 4% no preço praticado no mercado internacional), sendo estes relevantes tanto para Pequim quanto para Moscou. Sanções econômicas não agradam aos governos chinês e russo, especialmente quando afetam suas economias e colocam em risco suas políticas de abastecimento, acesso e preço de produtos básicos para suas populações. Logo, a proteção destas rotas de fornecimento – seja a parte logística, seja a política que fundamenta estas relações – é importante para China e Rússia.

Ainda no que concerne à China (de forma mais direta) e à Rússia (em menor extensão), deve-se levar em consideração que Pequim tem adotado um discurso assertivo a favor do multilateralismo. Nestes discursos, presente nas falas do então presidente Hu Jintao e, de forma mais incisiva, de seu sucessor, Xi Jinping, a China defende as instituições internacionais. Muitos apontam que se trata de mero recurso de retórica, mas ainda assim, estão registrados os discursos em organismos regionais e globais, nos quais ela defende sua posição. No atual sistema econômico, a China encontrou sua posição construída ao longo dos últimos 30 anos. Atuante em praticamente todos os mercados regionais, entende-se que cenários de conflitos, sobretudo aqueles que afetam suas relações comerciais e seus parceiros estratégicos regionais, não interessam a China.

No caso de Moscou, entende-se que, para além de uma disputa de força, o componente de posição geopolítica estratégica regional impacta as bases de força russa. Uma ilustração desta relação de força pode ser vislumbrada com a presença de Vladimir Putin em um exercício naval realizado pela Rússia em 9 de janeiro. A preocupação com o armamento envolvido e a necessidade de apresentar uma resposta imediata levaram Trump a anunciar investimentos em armas que fizessem frente aos mísseis Kinjal e ao planador Avangard russos. O tipo de relação estabelecida entre Irã, China e Rússia está em um espaço que não tem ligação imediata com os Estados Unidos.

EUA como fator de instabilidade

A presença norte-americana, especialmente da forma agressiva como foi sua intervenção (vale ressaltar que, com o assassinato de Soleimani no Iraque, os EUA violaram leis internacionais), insere um componente de insegurança na região, portanto, afetando os países que possuem relações com estes Estados. Não identifico que haja uma relação de obediência (ou subordinação) iraniana frente à Rússia, em primeiro plano, e à China, em segundo plano. E sim que esta seja mais uma relação de interesse que encerra interdependência e que influencia grandes players das relações internacionais.

Fato é que, mais uma vez, os EUA atuam de forma unilateral e discricionária no Oriente Médio, criando incerteza e insegurança no sistema internacional. Do mesmo modo, tomando-se seus interesses e suas posições recentes no que se refere ao ordenamento internacional e às suas estratégias de política externa para a região do Oriente Médio, é esperado que China e Rússia se apresentem como contrárias às ações norte-americanas, em especial aquelas não consensuais, ou dialogadas em fóruns e espaços internacionais pertinentes. O evento recente é parte de uma história que tem capítulos escritos diariamente, o que impõe a necessidade de acompanhamento e atualização constante das análises conjunturais.

 

* Alexandre Cesar Cunha Leite é professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

** Informe recebido em 16 jan. 2020.

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