Sem motivo claro, Trump ordena assassinato de general do Irã

Iranianos acompanham cortejo fúnebre do general Qassem Soleimani em Teerã (Crédito: Xinhua)

Por Williams Gonçalves*

Donald Trump causou grande baixa na liderança militar iraniana. O general Qassem Soleimani, líder da Força Revolucionária Islâmica do Irã, era um general militarmente competente e politicamente importante. A prova desses atributos são as manifestações de pesar dos iranianos e de seus governantes, que, momentaneamente pelo menos, esqueceram-se dos problemas econômicos e políticos que têm enfrentado e saíram às ruas para lamentar a morte do general e manifestar seu repúdio às autoridades dos Estados Unidos que ordenaram o assassinato.

O ataque realizado por meio de drones, no aeroporto de Bagdá, ao líder militar, que se encontrava no Iraque em situação diplomática regular, constitui indiscutível violação do Direito Internacional. A alegação de Trump de que se tratou de uma ação preventiva, uma vez que, supostamente, o general tramava ataques terroristas contra os Estados Unidos e países aliados, não o exime desse desrespeito às normas que regem as relações entre os Estados.

Essa alegação não pode ser provada, tampouco a infração pode ser punida. Afinal, o general está morto, e as autoridades iranianas jamais admitiriam as acusações de Trump. Do mesmo modo, nenhuma penalidade será aplicada aos Estados Unidos, nem mesmo qualquer resolução do Conselho de Segurança da ONU, dado que os norte-americanos possuem poder de veto neste órgão. Por isso, a questão que resta é sobre os cálculos e os efeitos políticos do atentado praticado pelos norte-americanos.

Motivo incerto, reação imprevisível

O aiatolá Ali Khamenei imediatamente prometeu uma resposta à altura a Trump, o que causou preocupação geral, tanto pelas consequências imprevisíveis de uma guerra opondo os dois países, quanto pelos transtornos econômicos causados por inevitável elevação do preço do petróleo. Por enquanto, porém, o governo iraniano se limitou a anunciar a retomada do programa nuclear, ao mesmo tempo em que afirma sua disposição de respeitar o acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Já Trump prometeu realizar ataques militares contra alvos já identificados, caso os iranianos se atrevam a dar alguma resposta militar ao ataque que vitimou Soleimani.

Não há como dizer qual foi o motivo específico que levou Trump a ordenar o atentado contra a vida de Soleimani. Aparentemente, o atentado agrada à base política formada por religiosos pró-Israel nos Estados Unidos e ao próprio Estado de Israel. Os primeiros, devido a seu anti-islamismo militante. E agrada a Israel porque toda e qualquer ação que elimine importantes dirigentes iranianos é sempre bem-vista, pois isso enfraquece o aparato estatal iraniano. Para o governo israelense, que aspira à segurança absoluta na região ao seu redor, o ideal mesmo seria uma ação militar que suprimisse as instalações nucleares e militares do Irã.

No entendimento dos israelenses, enquanto os iranianos persistirem no programa nuclear Israel estará com sua segurança ameaçada. Além disso, os israelenses consideram que uma ação militar dessa natureza enfraqueceria, ou mesmo extinguiria, os grupos políticos que, com apoio iraniano, atuam na Palestina e no Líbano contra Israel – Hamas e Hezbollah. Além de Israel, a Arábia Saudita também se sente beneficiada, em razão de sua inimizade com o Irã decorrente das incompatibilidades religiosas.

Também não há como dizer se o ataque foi determinado por necessidade política interna de Trump, às voltas com o processo de impeachment, ou pela lógica da política externa, exclusivamente. Vale sublinhar que essas duas esferas de atuação andam sempre juntas, sendo muito difícil afirmar a exclusividade de alguma delas.

Caso o atentado tenha como alvo prioritário o público interno, com vistas a fortalecer sua base de apoio, tanto para seguir respondendo ao processo de impeachment, como para ganhar musculatura eleitoral para a campanha da reeleição, somente as pesquisas de opinião poderão responder se essa foi uma ação politicamente proveitosa.

Unilateralismo

No âmbito internacional, as reações são mais palpáveis imediatamente. A primeira coisa que chama a atenção é o fato de, mais uma vez, os Estados Unidos terem agido ao arrepio do Direito Internacional e igualmente ignorado os organismos multilaterais, especialmente a ONU. Essa atitude é consistente com as concepções que Trump alimenta a respeito das relações internacionais. Para ele, as instituições multilaterais protegem os inimigos dos Estados Unidos. Não faria nenhum sentido respeitá-las, portanto, com os interesses vitais do país em jogo.

É evidente que não é o caso de se esperar sanções promovidas pela ONU. Os Estados Unidos podem se considerar a salvo desses percalços, destinados apenas aos Estados fracos e sem apoio dos demais. Apesar disso, é flagrante o isolamento em que se acha colocado. Esta é uma situação muito diferente daquela desfrutada no passado, quando podia sempre contar com um sempre presente coral internacional a justificar suas ações mundo afora. Ademais, as duas outras principais potências mundiais – China e Rússia – não hesitaram em externar seu desagrado, considerando o assassinato de Soleimani uma grave violação do Direito Internacional, que gera inquietação e compromete os esforços para garantir a paz mundial.

Não há como prever o que virá. Pode ser que os dirigentes iranianos assimilem essa derrota tática, compensando-a com uma vantagem estratégica. Isto é, perdeu seu general, porém ganhou fôlego para negociar em melhores condições seus problemas econômicos e também seu programa nuclear. Mas pode ser também que, por ação direta ou indireta, seus aliados na região passem a fustigar os norte-americanos e seus aliados mediante ações de baixa intensidade.

Caso isso venha a ocorrer, Trump se verá em situação muito difícil. Ele terá de cumprir sua palavra. Será que valerá a pena empreender uma guerra como essa, por limitada e breve que seja? Isso vai mesmo beneficiá-lo no processo de impeachment, ou na campanha de reeleição? Para concluir, vamos repetir o clichê: todos sabem como as guerras começam, mas nunca sabem como elas terminam.

 

* Williams Gonçalves é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) e professor de Relações Internacionais da UERJ e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM-EGN).

** Texto recebido em 7 jan. 2020.

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