Bolsonaro e Trump: relações bilaterais e democracia

por Livia Milani

Um dia após o segundo turno das eleições brasileiras, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, divulgou em seu Twitter que havia conversado por telefone com o presidente-eleito, Jair Bolsonaro. Trump comentou que os EUA trabalharão com o novo governo brasileiro com proximidade em “comércio, assuntos militares e tudo mais”. Apesar do tom de novidade, a aproximação entre Brasil e Estados Unidos é um processo que se desenha há algum tempo, ao qual o novo governo pode trazer um aprofundamento.

As raízes do rapprochement podem ser encontradas na assinatura do Acordo de Cooperação em Defesa (DCA, na sigla em inglês) e do Acordo Geral sobre Informação Militar (GSOMIA), ambos firmados em 2010 e ratificados em 2015, ainda durante governos do Partido dos Trabalhadores. Esses tratados abriram as portas para a assinatura de um conjunto de outros acordos, cujo objetivo principal é aumentar as trocas de informações sensíveis. Além disso, em 2016, os países iniciaram os Diálogos da Indústrias de Defesa, com o objetivo de fortalecer a aproximação entre empresas privadas que lidam com produção de armamento.

No âmbito financeiro, foram ratificados acordos para facilitar a cobrança de impostos sobre contas estrangeiras (FATCA, em inglês) e sobre seguridade social, os quais podem abrir as portas para um acordo para anular a dupla taxação (BTT) e um acordo sobre investimentos (BIT). Tais desenvolvimentos mostram que, embora existam temas de desacordo, como fica evidente pela taxação e imposição de cotas sobre as exportações brasileiras de aço, o relacionamento Brasil-EUA aprofundou-se nos últimos anos, mesmo antes do impeachment de 2016.

Contudo, a deposição de Rousseff foi providencial aos EUA pois abriu caminho para a modificação da política regional brasileira, especialmente em relação à Venezuela. Esta é uma questão essencial, pois a situação política no país bolivariano tornou-se a prioridade dos EUA na América do Sul. Os EUA buscam uma mudança de regime e opõe-se veementemente à Nicolás Maduro. O governo Temer assumiu postura crítica frente ao país vizinho, tendo sido um dos protagonistas do Grupo de Lima, uma articulação ad-hoc que reúne países latino-americanos e é dedicada a criar pressões sobre o governo venezuelano. O grupo afirma que o regime bolivariano se tornou autoritário e demanda a realização de eleições livres, com presença de observadores internacionais. No que se refere a esse tema, as prováveis mudanças no governo Bolsonaro serão no sentido de intensificação das críticas, em convergência com os EUA.

A Política Externa dos EUA em relação à Venezuela tem se apresentado cada vez mais agressiva. Em Agosto de 2017, o presidente afirmou não descartar uma opção militar para resolver a situação no país bolivariano. Essa opção foi rechaçada inicialmente pelo Grupo de Lima. No entanto, após a eleição de Bolsonaro, circulou na imprensa a possibilidade de uma coalizão liderada pelo Brasil e pela Colômbia com o objetivo de mudança de regime na Venezuela. Posteriormente, os rumores foram negados.

Em mais uma sinalização da importância do tema, no dia 2 de novembro, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, apontou a contenção do autoritarismo como prioridade da política hemisférica da potência. Em seu diagnóstico, as Américas estariam marcadas pela existência de uma “troika das tiranias”, representada por Cuba, Nicarágua e Venezuela. De acordo com Bolton, “os Estados Unidos estão tomando medidas diretas contra os três regimes para defender o Estado de direito, a liberdade e a decência humana básica em nossa região”.

No mesmo discurso, Bolton afirmou que a eleição de Jair Bolsonaro é um sinal positivo e demonstra o crescente compromisso regional em temas como livre mercado, governança aberta e transparência. A declaração de Bolton contrasta com a retórica de Bolsonaro, o qual, quando candidato, exaltou a ditadura civil-militar que regeu o país de 1964 a 1985 e prometeu silenciar a oposição – que, em sua concepção, deveria ir para a cadeia ou deixar o país – entre outras manifestações antidemocráticas.

Ao mesmo tempo que prometem conter a tirania nas Américas, os EUA não demonstram preocupação com a retórica de Bolsonaro – ao contrário, analisam sua eleição como uma mudança positiva. De fato, a recente eleição brasileira foi legítima e acompanhada internacionalmente. Além disso, o capitão reformado foi eleito com importante margem dos votos válidos. No entanto, o ataque simbólico à democracia feito pelo recém-eleito demandaria ao menos cautela e acompanhamento de uma potência mundial que promete defender a democracia mundialmente e combater a tirania nas Américas.

Como era de se esperar, a realpolitk impacta a defesa da democracia feita pela maior potência mundial. Os governos da nomeada “troika das tiranias” não parecem ameaçadores aos EUA apenas por seu regime interno, mas por suas relações com Rússia e China. Já Bolsonaro, independente de suas credenciais democráticas, promete reorientar a Política Exterior do Brasil em direção ao Norte, tendo criticado a China e a estratégia de cooperação Sul-Sul. Nesse ponto, cabe ressalta que as condições materiais – o padrão e a geografia do comércio brasileiro – são um obstáculo às intenções de Bolsonaro no âmbito da política exterior.

Ainda é cedo para apontar como a democracia ou a política exterior brasileira se comportarão com Bolsonaro. De qualquer forma, será um importante desafio para as instituições nacionais e saberemos se o sistema de pesos e contrapesos funciona na jovem democracia nacional. Contudo, há precedentes históricos de um Brasil autoritário apoiando os Estados Unidos em uma suposta defesa global da democracia. Foi o que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial: o Estado Novo de Vargas uniu-se aos aliados contra o fascismo. O cenário repetiu-se durante a Guerra Fria, quando os militares, logo após o golpe de 1964, alinharam-se aos EUA em busca de um mundo livre, onde a tirania apoiada pela URSS seria contida. Resta esperar e torcer para que não aconteça novamente. Tanto a volta do autoritarismo no Brasil como um cenário ainda mais conflitivo entre as potências mundiais.

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