Acordo EUA-México-Canadá é ‘big win’ para Trump

por Tatiana Teixeira

Em meio a críticas a uma política protecionista que estaria deflagrando uma guerra comercial com a China, além de rusgas com tradicionais parceiros (como europeus e japoneses), o presidente Donald Trump acaba de ganhar uma importante queda de braço regional. Após mais de um ano de negociação e de muita pressão por parte dos EUA, com embates diretos entre Trump e o primeiro-ministro Justin Trudeau, a Casa Branca anunciou, em 30 de setembro, uma revigorante, bem-vinda e necessária vitória para Washington: um novo acordo comercial com México e Canadá, que substituirá o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês). Trata-se de sua primeira mudança substancial em termos de política comercial, envolvendo seus dois principais destinos de exportação.

Em um comunicado conjunto, o representante comercial americano (USTR, na sigla em inglês), Robert Lighthizer, e a ministra canadense das Relações Exteriores, Chrystia Freeland, defenderam que o novo acordo “dará aos nossos trabalhadores, produtores rurais e empresários um acordo comercial de alto padrão, que resultará em mercados mais livres, comércio mais justo e um robusto crescimento econômico na nossa região”. Ainda segundo eles, “fortalecerá nossa classe média e criará empregos bons e bem pagos e novas oportunidades para quase meio bilhão de pessoas que chamam a América do Norte de lar”.

Política de resultados

A notícia foi usada por Trump como prova de que dá resultado insistir em seu estilo de negociar, o qual tem priorizado discussões bilaterais pontuadas por barganhas (ou chantagens, a depender da perspectiva do país interlocutor). Também foi usada para enviar uma mensagem para a China e para outros países em desenvolvimento, como Brasil e Índia.

“Sem tarifas, não estaríamos falando sobre um acordo”, disse ele no dia seguinte ao anúncio. “Tivemos tensões muito fortes”, reconheceu, referindo-se a um “grande negócio”, “maravilhoso” e uma “transação histórica”.

“Era um acordo injusto, fosse o México, ou o Canadá, e agora é um acordo justo para todo o mundo. É um acordo muito diferente. É um acordo novinho em folha. Não é um Nafta refeito”, completou.

Aprovação incerta

O caminho para cumprir mais uma promessa de campanha de sua plataforma America First ainda é longo. O texto do agora chamado U.S.-Mexico-Canada Agreement (USMCA) precisa passar pelos três Congressos, o que não deve acontecer antes de 2019. E ainda não está clara o quão certa é sua aprovação, especialmente neste ano de midterms, com resultados ainda incertos. Enquanto os republicanos devem se debruçar, durante os trabalhos para os retoques finais do pacto, na solução de controvérsias e em questões ligadas à propriedade intelectual, os democratas devem ser mais sensíveis a padrões ambientais e trabalhistas mais rígidos, como costuma acontecer nesse tipo de negociação.

Em um apoio incomum, o líder da minoria no Senado, o democrata Chuck Schumer (D-NY), elogiou Trump. “Como alguém que voltou contra o Nafta e se opôs a ele por muitos anos, eu sabia que precisava de ajuste. O presidente merece aplausos por dar grandes passos para melhorá-lo”, afirmou, lembrando que a proteção das “famílias de classe média” e do “povo trabalhador” serão essenciais na análise da versão final.

‘Um bom dia para o Canadá’

No final de agosto, o governo Trump já havia notificado formalmente o Congresso sobre a intenção de concluir esse acordo e tinha até o final de setembro para apresentar um rascunho à Casa. Segundo Lighthizer, o texto definitivo pode ser assinado ainda em novembro, antes da saída do atual presidente mexicano, Enrique Peña Nieto. Ele entrega a faixa ao sucessor, Andrés Manuel López Obrador, em 1º de dezembro.

“É uma grande vitória para o presidente e uma validação de sua estratégia para a área de comércio internacional”, disse um funcionário do alto escalão da Casa Branca, sobre o novo pacto que trata do aumento na proteção da propriedade intelectual e inclui mudanças em relação aos laticínios, ao limite de compras on-line livres de impostos, ou ainda, às restrições às ameaças dos Estados Unidos de sobretaxarem os automóveis dos vizinhos.

“É um bom dia para o Canadá”, afirmou o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, em sua primeira reação.

“Os fabricantes estão extremamente animados que nosso apelo por um acordo trilateral entre Estados Unidos, Canadá e México tenha sido atendido”, comemorou o presidente e CEO da Associação Nacional dos Fabricantes (NAM, na sigla em inglês), Jay Timmons.

Nafta 2.0

Algumas coisas permanecem como estão, e outras, nem tanto.

As tarifas americanas sobre o aço (25%) e o alumínio (10%) de México e Canadá, por exemplo, ficaram de fora desse novo arranjo. Continuam em vigor e serão alvo de discussões paralelas. O capítulo 19 não foi alterado, marcando uma vitória canadense. Ponto de atrito, ele dá aos três países o direito de contestar as decisões antidumping e direitos compensatórios perante um painel de solução de controvérsias com representantes dos três países. No caso da também polêmica cláusula de caducidade (“sunset clause”), fica acertado que o acordo passará por uma revisão a cada seis anos.

Grande queixa dos EUA e tema importante para os eleitores de Trump em Wisconsin, Ottawa se comprometeu a flexibilizar seu programa para o setor de laticínios e a melhorar a abertura desse mercado para os produtores americanos, incluindo leite, creme de leite, manteiga, leite em pó desnatado e queijo. Os fazendeiros americanos terão acesso a pelo menos 3,5% de um mercado de US$ 16 bilhões anuais. “A questão dos laticínios foi um fator decisivo”, admitiu Trump. No lado canadense, houve muitas reclamações. “Não vemos como esse acordo possa ser bom para as 22 mil famílias canadenses que dependem dos laticínios para sua subsistência”, alfinetou o presidente dos Produtores de Leite do Canadá, Pierre Lampron.

No caso das regras de origem para carros e caminhões importados pelos EUA do México e do Canadá, o acordo estipula que, para garantir isenção de impostos, 75% dos componentes desses veículos sejam made in North America, contra os anteriores 62,5%. Pela primeira vez, esse texto determina que um percentual crescente de partes de qualquer veículo isento de tarifas — até 40% em 2023 — seja oriundo de fábricas com altos salários. E, para forçar as empresas mexicanas a elevarem os salários, exige também que boa parte do trabalho tenha uma remuneração média de US$ 16 a hora. Essa medida é um risco, já que pode elevar os custos para o consumidor final e levar os fabricantes a procurarem países com mão de obra mais barata, em vez de se voltarem para os EUA, ou para o Canadá.

“Pior acordo comercial já negociado pelos EUA”, nas palavras de Trump, o Nafta foi firmado em 17 de dezembro de 1992, pelo então presidente George H.W. Bush, seu colega mexicano, Carlos Salinas, e pelo premiê canadense, Brian Mulroney. Entrou em vigor em 1994 e hoje movimenta mais de US$ 1,2 trilhão entre os três sócios. Diferentemente do Nafta, de vigência indeterminada, o acordo atual está previsto para durar 16 anos.

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