Desafios das relações inter-hemisféricas EUA e América Latina

Professor Raúl Rodríguez Rodríguez, da Universidad de la Habana, na Conferência INCT-INEU

Durante três dias, pesquisadores e acadêmicos de diversas partes do mundo se reuniram na PUC-SP, por uma iniciativa do INCT-INEU, para debater os estudos desenvolvidos no Brasil sobre a política dos Estados Unidos. Na quinta-feira (28) pela manhã, os debatedores abordaram “Relações Inter-Hemisféricas: Estados Unidos e América Latina”. O professor da Universidad de la Habana Raúl Rodríguez Rodríguez denunciou os prejuízos e impactos negativos do bloqueio econômico à Cuba, enquanto a professora Maria Regina Soares de Lima, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp-UERJ), analisou as mudanças políticas e econômicas entre a América Latina e os EUA desde o fim da Guerra Fria. Já o professor Dawisson Lopes (UFMG) fez um balanço da política externa de Jair Bolsonaro.

De acordo com Rodríguez, a política externa de Barack Obama (2009-2017) avançou em alguns aspectos de aproximação com a ilha comunista. O marco deste processo foi os dois países reabrirem suas embaixadas depois de quase meio século. No entanto, em apenas dois anos, Donald Trump não apenas retrocedeu em tudo o que havia sido conquistado, como foi além e aplicou ainda mais sanções. Trata-se do mais longo bloqueio contra um Estado soberano da história.

“Os Estados Unidos chamam de embargo, mas nós, cubanos, chamamos de bloqueio porque é uma medida unilateral que afeta negociações com terceiros. Nenhuma empresa vai querer negociar com Cuba se vai ter problemas com os Estados Unidos. Todas as nações têm direito de escolher com quem negociar, é uma questão de soberania. Mas os EUA decidem quem negocia com Cuba, por isso é uma medida de caráter extraterritorial”, explicou.

Para furar o bloqueio, Cuba busca caminhos alternativos de negociações econômicas com empresas e países. Mas, para isso, precisa converter sua moeda em euros, não em dólar, e o prejuízo já começa aí. O carro-chefe da economia cubana, segundo Rodríguez, poderia ser o turismo: “imaginem?! Uma praia no Caribe, sol, mojito, tabaco…”. Mas o Estado norte-americano proíbe seus cidadãos de desfrutarem deste paraíso há poucos quilômetros para estrangular o avanço econômico e assim prejudicar o governo.

“Desde os anos 1960 há documentos dos EUA que confirmam que o governo cubano tem legitimidade e apoio da maioria da população, portanto, a única forma de mudar isso é provocando dificuldades ao governo. Essa administração de Trump retomou o caminho do confronto e a arma fundamental é a pressão econômica em nível superior ao de outras gestões”, afirmou.

Cuba, além de ser pequena em termos geográficos, conta com poucos recursos próprios. Logo, depende em grande medida de importações. A estratégia de Trump agora é atacar os pontos mais sensíveis para atingir o governo com a insatisfação popular. “A maioria dos cubanos não tem automóvel, usa transporte público. Então, se você se levanta pela manhã e não tem ônibus porque não tem diesel para abastecê-los, depois chega ao trabalho e precisa desligar o ar-condicionado para economizar energia, o que vai acontecer? As pessoas vão se chatear com o governo!”.

“Se combinamos todos estes fatores, o que querem? Querem levar o Estado cubano à bancarrota. Numa economia em que o Estado tem importante participação nos serviços de saúde e educação, isso afeta toda população. Ao levar o Estado à bancarrota, isso faz que a população se volte contra o governo e busque mudar o regime. Este é o objetivo da administração de Trump”, afirmou.

Política vs. Economia

Para a professora Maria Regina, a complexidade da conjuntura atual está no descolamento da política da economia. É um fenômeno novo que os analistas ainda não deram respostas capazes de deixar menos nebuloso o cenário futuro. O exemplo que ela usou para ilustrar esta questão foi a própria política externa de Bolsonaro. Ao mesmo tempo em que seu chanceler, Ernesto Araújo, parece ter saído das catacumbas do feudalismo, em sua viagem de negócios à China o presidente foi “bastante pragmático”. “Antigamente, de alguma forma, a economia seguia a política e vice-versa, e agora parece que elas se separaram. Qual é o fator de destaque agora? A presença da China na região”.

Maria Regina destaca também a posição do México, cujo presidente progressista, Andrés Manuel López Obrador, venceu um ciclo de 60 anos da direita no poder e, neste primeiro ano de governo, ainda não deixou bem definida sua política externa, apesar de sinalizar para o campo da esquerda. “Do ponto de vista da economia, o México está ligado à América do Norte. Ele tem que negociar muito com os EUA, mas, na política externa, aceitou abrigar Evo Morales [após o golpe de Estado na Bolívia] e tem conversado com Alberto Fernández [presidente progressista eleito da Argentina]”.

Segundo a professora, este fenômeno faz o período atual ser diferente – e mais complexo de ser analisado – de fases políticas passadas, onde as ideologias estava mais claras. Ela explica que, nos anos 1990, as políticas neoliberais dominaram o continente e guiaram o alinhamento político aos EUA. Esta fase começa a ser derrotada com a chegada da “onda progressista” no começo dos anos 2000, quando governos progressistas chegaram ao poder em diversos países da região e mudaram não apenas o alinhamento político, mas também a concepção de integração e unidade continental.

Além do bloco econômico do Mercosul – que já existia –, os Estados latino-americanos fundaram a Unasul, um mecanismo de integração mais abrangente não só na questão geográfica, por abarcar mais países, mas também em seus objetivos gerais. “A Unasul tinha como objetivo integrar os diferentes, porque muitos países não podiam aderir ao Mercosul, mas tinha também uma ideia de financiar obras de infraestrutura, e inclusive de fortalecer nossa defesa”, explica.

A professora acredita que a onda progressista começa, de fato, a se enfraquecer com a chegada de Maurício Macri ao poder na Argentina através das urnas, em 2017, apesar de até este período três países terem sido vítimas de golpe de Estado na região (Honduras em 2009, Paraguai em 2011 e Brasil em 2016). A eleição de Macri, para a professora, representa uma reação conservadora dos eleitores e este comportamento vem delineando o cenário que vivemos agora, pós-onda progressista e, para ela, o mais complexo de análise até então.

“Ao mesmo tempo que voltaram governos neoliberais, com ideologias muito conservadoras, na Argentina e no México, por exemplo, foram eleitos presidentes progressistas, e o que está acontecendo agora no Chile, na Colômbia, no Equador, já faz parte de um segundo momento, é uma nova reação”.

Na mesma linha da professora Maria Regina, o professor Dawisson Lopes, criticou a política externa do Brasil e a comparou com períodos anteriores que, mesmo alinhada à direita, tinha objetivos políticos e econômicos claros e agia de forma pragmática, segundo ele.

“Se a gente parar para pensar, mesmo a política do Fernando Collor (1990 – 1992) estava alinhada aos presidentes da Argentina, do Chile, do México. Fazia sentido a forma como a diplomacia brasileira agia, mas o que temos visto na política externa hoje é um completo deslocamento”.

Dawisson foi enfático ao criticar o chanceler brasileiro que destoa de todo o histórico de boas práticas, princípios de não-intervenção e respeito à soberania de outros Estados que o Itamaraty sempre tentou preservar. “Estou falando do Araújo, e deste núcleo ideológico do governo Bolsonaro, o filho [Eduardo] completamente deslumbrado com os Estados Unidos… Essa turma está rezando por outra cartilha, é outra conversa, os elementos são, de fato, religiosos, tem uma coisa civilizatória de pertencimento a um núcleo judaico-cristão que nos coloca em situações inacreditavelmente constrangedoras”.

 

* Mariana Serafini é repórter da Carta Maior.
** Este texto foi originalmente publicado na Carta Maior, em 1° dez. 2019.
Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais