Panorama EUA

Ecos de um conflito: os democratas e as fraturas ambientais

Multidão de ativistas protesta nos arredores da Casa Branca, em Washington, D.C., em 15 out. 2021, para pressionar o presidente Joe Biden a declarar emergência climática e parar todos os novos projetos de combustíveis fósseis (Crédito: Greenpeace USA/ Flickr)

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Por Emanuel Assis Aleixo de Franco* [Panorama EUA]

Historicamente (1850/2021), os Estados Unidos têm-se configurado como o maior emissor de CO2 do mundo, contribuindo com em torno de 19% das emissões totais do período reportado pelo relatório de emissões publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Ao mesmo tempo, é o país com o maior PIB no sistema internacional, o que possibilita estabelecer uma relação causal entre suas responsabilidades e suas capacidades de mitigação e adaptação diante da crise climática que se agrava de maneira acentuada nos últimos anos.

Na mesma esteira, o Partido Democrata tem-se destacado por sua forte defesa do meio ambiente, refletida no maior apoio de seus membros a legislações e acordos em prol da proteção ambiental, em comparação com os republicanos. Esse compromisso ambiental é resultado de uma intersecção de fatores que incluem convicções ideológicas, pressões dos eleitores, influências de grupos de interesse e, crucialmente, uma sólida aceitação da ciência do clima, que sinaliza para a urgência de ações significativas para enfrentar as mudanças climáticas.

Entretanto, a coesão do partido em relação à questão ambiental não é uniforme, revelando uma divisão interna significativa em sua agenda. Essa fratura reflete uma variedade de visões sobre a abordagem ideal para os desafios climáticos, gerando disputas substanciais nesse contexto.

A anatomia de um partido dividido: moderados, progressistas e conservadores

Para entender o funcionamento do Partido Democrata, e também do Partido Republicano, adota-se o conceito de Partido Network. Nessa perspectiva, o partido é considerado uma organização composta por diversas coalizões operando em diferentes níveis. Em um ambiente ideológico amplo, vários grupos competem por influência e prioridades políticas, gerando tensões tanto dentro do partido quanto entre os eleitores dos EUA. Essas alianças não se limitam a líderes oficialmente reconhecidos, podendo incluir qualquer indivíduo, ou grupos, que tenham uma conexão direta com o partido e o utilizem como plataforma para avançar seus interesses políticos, buscando promover uma agenda específica.

Ao longo da história, diferentes facções dentro do Partido Democrata têm trabalhado para remodelar sua identidade e movê-lo em direções diversas no espectro ideológico. Durante o período entre 1940 e 1960, a Coalizão New Deal, que teve origem durante a presidência de Franklin D. Roosevelt (1933-1945), desempenhou um papel crucial na redefinição tanto da base eleitoral quanto da orientação ideológica do partido. Essa coalizão aproximou o partido da classe trabalhadora dos EUA, adotando uma abordagem mais progressista. Já entre 1960 e 1980, a Aliança Liberal-Labor ascendeu em influência, impulsionada pelo ativismo do movimento trabalhista e dos sindicatos.

Entre 1980 e 2007, com o advento do neoliberalismo nos Estados Unidos, o partido foi deslocado para a centro-direita, devido à influência de grupos moderados que ganharam destaque na legenda. Já durante o período de 2008 a 2016, especialmente durante a campanha presidencial e os mandatos de Barack Obama (2009-2017), os democratas testemunharam um aumento das disputas políticas em torno de sua agenda, com grupos progressistas buscando reavivar suas raízes rooseveltianas.

Esse crescimento foi evidenciado pela ascensão do senador socialista Bernie Sanders como pré-candidato à Presidência em 2016. Embora Sanders não tenha sido o escolhido como candidato democrata ꟷ o partido preferiu apoiar a candidatura de Hillary Clinton, que acabou perdendo para Donald Trump ꟷ, sua campanha mobilizou uma parte significativa do eleitorado jovem e da classe trabalhadora nos EUA.

Dessa maneira, torna-se possível categorizar o Partido Democrata em dois grupos ideológicos distintos: os moderados, que formam a base que busca manter a orientação ideológica do partido sem grandes alterações, seguindo a agenda neoliberal estabelecida a partir dos anos 1990; e os progressistas, que almejam revisar essa agenda. Esses grupos representam diferentes visões dentro do partido em relação às políticas econômicas e sociais, refletidas nos debates internos sobre seus rumos.

 Presidente Joe Biden se encontra com o senador Bernie Sanders, em agosto de 2023, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, D.C. (Crédito: The White House/Flickr)

Dentro do grupo dos moderados, identificam-se dois subgrupos distintos. O primeiro consiste nos centristas, cujos representantes incluem a New Democrat Coalition e figuras proeminentes como Bill Clinton, Hillary Clinton e Nancy Pelosi. Esse subgrupo adota uma agenda neoliberal na economia e uma postura mais liberal nos costumes. O segundo subgrupo compreende os conservadores, que também seguem uma agenda econômica baseada no neoliberalismo, mas adotam uma abordagem menos liberal em questões de costumes, quando comparados aos centristas. Nessa categoria estão a Blue Dog Coalition e, entre algumas figuras, destaca-se o senador Joe Manchin, atual presidente do Comitê de Energia e Recursos Naturais no Senado.

Dentro do espectro progressista, também se distinguem dois subgrupos. O primeiro consiste nos reformistas, que advogam uma agenda de maior intervenção do Estado na economia e na promoção da justiça social, com uma abordagem de humanização do capitalismo por meio de reformas progressivas na política e na economia. Esse subgrupo inclui o Blue Collar Caucus, a facção Justice Democrats e o Congressional Progressive Caucus, além de figuras como o senador Edward Markey e a senadora Elizabeth Warren. O segundo subgrupo é composto pelos socialistas, que compartilham a crença no papel do Estado na economia e na necessidade de se promover justiça social, mas adotam uma perspectiva anticapitalista. Esse grupo é representado por organizações como os Democratic Socialists of America, a representante Alexandria Ocasio-Cortez e o senador Bernie Sanders, que são associados ao conceito de “socialismo democrático”.

No tocante às agendas ambientais, os grupos moderados se fundamentam em dois aspectos principais: políticas pró-mercado e geração de empregos. As políticas pró-mercado visam a promover soluções para o clima que se baseiam no mercado de carbono, eliminando barreiras para a adoção de tecnologias de baixa emissão no setor privado e incentivando parcerias público-privadas para investimentos e diretrizes climáticas. Além disso, buscam capacitar esforços do setor privado na descarbonização e aprovar medidas como precificação do carbono e padrões de emissões de gases de efeito estufa. Quanto à geração de empregos, a ênfase se concentra na promoção do mercado verde e no desenvolvimento de indústrias de baixa emissão.

No entanto, esses grupos ꟷ principalmente os conservadores ꟷ mantêm uma ligação mais estreita com políticas que favorecem a indústria de petróleo e carvão, especialmente entre figuras políticas provenientes de estados, como Texas e Wyoming, cujas economias dependem desses setores, enquanto tentam equilibrar essas questões com apoios tímidos a políticas ambientais menos evidentes.

Já os setores progressistas têm como foco principal o Green New Deal, cujas propostas visam a integrar a luta contra a crise climática à redução das desigualdades sociais e à criação de empregos. O objetivo desses grupos é alcançar a neutralidade de carbono nos EUA até 2050, por meio da expansão das energias renováveis e da reformulação do sistema que favorece grandes corporações em detrimento do bem-estar da sociedade civil, promovendo uma abordagem que visa à justiça ambiental e à criação de empregos sustentáveis. Suas políticas têm foco nas comunidades vulneráveis e incluem uma transição justa para os trabalhadores das indústrias do petróleo, cooperação internacional no combate às mudanças climáticas e acolhimento de imigrantes climáticos, entre outras medidas consideradas de esquerda.

A distinção entre os setores progressistas reformistas e os socialistas reside na abordagem do Green New Deal. Enquanto os reformistas buscam um capitalismo mais verde e humanizado, próximo ao modelo social-democrata europeu, os socialistas defendem uma transição baseada no socialismo democrático verde, ou ecossocialismo. Ambos concordam, porém, quanto à necessidade de investimentos públicos maciços na transição climática dos EUA e a declaração de emergência climática por parte do governo federal, seguida de uma rápida mobilização de recursos para enfrentar a crise.

Alexandria Ocasio-Cortez, principal nome da nova geração democrata, faz parte da comitivaAlexandria Ocasio-Cortez fala do Green New Deal em entrevista coletiva em frente ao Congresso americano, em Washington, D.C., em 7 fev. 2019 (Crédito: Senate Democrats/Flickr)

Dentro do sistema político bipartidário dos Estados Unidos, em que as disputas eleitorais e a distribuição de poder nos níveis executivo e legislativo são dominadas pelos Partidos Democrata e Republicano, as divisões internas sobre a agenda ambiental e outras agendas políticas dentro dos grupos democratas têm uma influência mais proeminente nos processos de formulação da plataforma partidária do que na formulação de políticas públicas nos processos de governança institucional.

Nesses contextos, a tendência observada é a de que o partido atue de maneira coesa e unificada, independentemente das divergências internas em relação a questões específicas, sendo raras as ocasiões em que políticos democratas atuam como obstáculos significativos à aprovação de projetos advindos do próprio partido.

As plataformas partidárias também são construídas com base nesse consenso, após longos debates entre os grupos divergentes e suas figuras. Elas são renovadas a cada eleição presidencial e funcionam como indicativos das políticas e medidas que o partido planeja adotar ao assumir o cargo, sendo consideradas o melhor indicativo do posicionamento político-ideológico do partido.

Até meados dos anos 2000, a dinâmica interna do Partido Democrata era caracterizada pela predominância dos grupos moderados, o que resultou na marginalização relativa da agenda ambiental. Durante esse período, não havia disposição ou capital político para avançar nessa questão. As principais preocupações do partido estavam centradas em assuntos econômicos, com uma mudança posterior para questões de segurança, após o início da Guerra ao Terror no fim de 2001.

No entanto, a ascensão dos grupos progressistas no partido trouxe uma mudança significativa nessa dinâmica. A questão ambiental ganhou destaque nos debates políticos internos, com um enfoque renovado nas mudanças climáticas e uma maior ênfase na urgência do tema. Isso também pressionou os moderados a elaborarem suas próprias posições e propostas sobre questões ambientais. Nesse contexto, emergem disputas internas que persistem até os dias atuais, centradas nas abordagens necessárias para que o Partido Democrata desenvolva políticas eficazes para enfrentar a crise climática global.

A política ambiental implementada durante a era Obama, como o Clean Power Plan e a assinatura do Acordo de Paris, refletiu diretamente a agenda ambiental construída pela nova configuração de forças internas do partido, desde sua campanha em 2008. Suas promessas em reduzir as emissões de carbono nos Estados Unidos, ampliar as fontes de energia renovável e alcançar um acordo climático ambicioso que substituísse o Protocolo de Quioto já evidenciavam o comprometimento do democrata com essa agenda.

Já no governo atual de Joe Biden (2021-), essa agenda vem-se fortalecendo cada vez mais: por um lado, devido à emergência das mudanças climáticas e seus impactos para a economia mundial e, por outro, com o espaço que o Green New Deal ganhou nas fileiras do partido e na sociedade dos EUA. De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Pew Research Center em agosto de 2023, cerca de dois terços dos estadunidenses apoiam a priorização no desenvolvimento de energias renováveis pelo governo, e três terços apoiam a participação do país nos esforços internacionais pelo clima, apesar de priorizarem outras questões, como economia e saúde (37% veem o clima como prioridade na política nacional, e 34% enxergam a pasta como importante, mas não prioritária).

Nesse sentido, Biden tenta governar unindo esforços de recuperação econômica para uma economia fragilizada pós-pandemia da covid-19, ao mesmo tempo em que insere a proteção do meio ambiente em elementos desses planos, como foi o caso da Inflation Reduction Act (2022), que injetou mais de US$ 2 trilhões na economia dos EUA, e cerca de US$ 300 bilhões, somente em políticas climáticas.

Com isso, o presidente envia sinais positivos para os setores progressistas de seu partido que estão promovendo essa agenda, ao mesmo tempo em que consegue angariar apoio dos moderados, ao se alinhar com outras iniciativas econômicas. Biden está enfrentando, porém, pressões crescentes do lobby do petróleo, que prioriza seus interesses políticos e econômicos em detrimento da proteção ambiental. Esse será um desafio a ser enfrentado nas urnas em novembro.

Os lobbies como atores de influência

No cenário de disputas e de formulação de políticas públicas, os lobbies são um dos principais atores no país, movimentando as regras do jogo mediante táticas de financiamento e pressão institucional. Podemos descrever o lobby como o uso estratégico de recursos de influência por parte de grupos de interesse, visando a promover suas agendas em determinadas áreas da política institucional.

Esses grupos, compostos por indivíduos, organizações ou entidades públicas ou privadas com interesses comuns, unem forças para influenciar a formulação de políticas públicas em seu favor. O lobby é uma prática formalmente associada aos grupos de pressão, que são uma manifestação mais organizada e influente desses grupos de interesse na sociedade civil e nas esferas políticas. Embora formalmente distinto, o termo “lobby” é frequentemente utilizado de forma intercambiável com “grupo de interesse”, sendo comum referir-se a um grupo específico como “o lobby do setor ‘X’”.

Representação dos Lobbies por camadas de composição (Santos, 2007)

Nos EUA, a atuação dos lobbies é respaldada pela Primeira Emenda da Constituição, que garante o direito do povo de se reunir pacificamente e fazer petições ao governo para a reparação de queixas. Isso cria um ambiente propício para a participação popular na micropolítica, permitindo que grupos de interesse organizados influenciem o sistema político, inserindo suas demandas. Como resultado, há uma crescente subdivisão desses grupos com base em fatores econômicos, sociais e étnicos, destacando-se aqueles com melhor organização e mais recursos financeiros.

Consequentemente, os grupos de pressão e o lobby desempenham um papel central no processo de formulação política estadunidense. Esse cenário se estende à política ambiental, que é altamente disputada, com interesses de diferentes grupos buscando promover suas próprias agendas.

Lobby do petróleo vs. lobby ambiental

Na agenda ambiental do país, os grupos de influência podem ser divididos em duas categorias distintas: o lobby do petróleo e o lobby ambiental. O lobby do petróleo é composto por organizações e políticos conservadores, empresas e empresários da indústria do petróleo, carvão, transporte e da construção civil. Esses grupos são frequentemente rotulados como “negadores da ciência” e têm interesses ligados à promoção da exploração e do uso de fontes de energia fósseis. Além disso, eles tendem a questionar constantemente o papel de agências governamentais, instituições e legislações de proteção ambiental, como a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) e o Acordo de Paris.

O lobby ambiental é, por sua vez, composto por grupos ambientalistas que variam de organizações da sociedade civil a empresas do setor de energia renovável. Esses grupos compartilham uma agenda comum de proteção ao meio ambiente e combate à crise climática, focando em diferentes áreas da política ambiental, como a proteção dos oceanos, das florestas e dos animais, questões relacionadas à mineração e à redução do uso de energia fóssil, entre outros tópicos.

Para exemplificar, no lobby do petróleo temos instituições públicas e privadas, como o American Coal Council, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, a EQT CORP e a Exxon Mobil. No lobby ambiental encontramos grupos como o Sierra Club, o Greenpeace, o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais e o Movimento Sunrise.

Avaliar o alcance e a influência desses lobbies dentro da política ambiental dos Estados Unidos é uma tarefa complexa. Uma abordagem eficaz é analisar as contribuições financeiras feitas às campanhas presidenciais e legislativas do país. Essa análise permite dimensionar a força dos grupos de interesse nos EUA em cada setor, com base nos gastos declarados pelos lobbies. Os dados utilizados para essa análise foram coletados a partir das divulgações públicas de financiamento, compiladas pelo site FollowTheMoney.

Para categorizar o lobby do petróleo e o ambiental, utilizou-se uma metodologia de indexação baseada em palavras-chave. Nas contribuições divulgadas, foi aplicado o filtro de “Indústria Geral” para observar de qual ramo da indústria o dinheiro estava saindo. Os setores amplos de “Transporte” e “Construção”, assim como a indústria geral de “Petróleo e Gás”, foram indexados na categoria “Lobby do petróleo”.

Enquanto isso, as indústrias gerais de “Política Pró-ambiental”’, “Serviços e Equipamentos para Meio Ambiente”, “Energia Nuclear” e “Direitos dos Animais” foram indexadas na categoria “Lobby ambiental”. Essa categorização permitiu uma análise mais precisa das contribuições financeiras e do impacto dos grupos de interesse em diferentes setores da política ambiental.

Nesse contexto, foram analisadas as contribuições financeiras feitas ao Comitê Nacional Democrata (CND) entre 2009 e 2020, assim como às campanhas presidenciais de Barack Obama (2012), Hillary Clinton (2016) e Joe Biden (2020).

Entre 2009 e 2020, o lobby do petróleo injetou uma média de US$ 606.382 no CND, sendo 2020 (US$ 2.053.202), 2009 (US$ 711.306), 2014 (US$ 676.307), 2019 (US$ 607.522) e 2010 (US$ 574.165) os anos com as maiores doações nesse período. Já o lobby ambiental teve uma participação mais modesta. A doação média entre 2009 e 2020 foi de US$ 67.873, e os anos com maiores doações foram 2020 (US$ 380.449), 2010 (US$ 87.908), 2014 (US$ 59.715), 2013 (US$ 53.662) e 2019 (US$ 48.495).

Essa discrepância sugere o argumento de que alguns interesses organizados exercem um papel mais significativo e influente do que outros. O lobby do petróleo, que está intimamente ligado a setores empresariais, devido ao financiamento, tem uma estrutura organizacional ágil e responsiva capaz de tomar medidas eficazes rapidamente quando seus interesses estão sob ameaça.

A presença financeira desses lobbies no principal comitê do Partido Democrata indica que a competição ocorre não apenas externamente, nas instituições de poder dos EUA e na mobilização da opinião pública, mas também dentro do próprio partido. Eles financiam candidaturas estratégicas tanto no Executivo quanto no Legislativo, ao mesmo tempo que disputam a agenda ambiental do partido de dentro para fora.

Durante o período destacado, os democratas detiveram a maioria na Câmara e no Senado, nos anos de 2009 e 2010; apenas na Câmara; em 2019 e 2020; e apenas no Senado, em 2011, 2012, 2013 e 2014. Nos cinco anos com as maiores doações feitas pelo lobby do petróleo ao CND, o partido tinha essa maioria total ou parcial no Congresso. Da mesma forma, dos cinco anos com as maiores doações feitas pelo lobby ambiental, quatro foram em anos de maioria total ou parcial democrata, com exceção de 2013.

Nas candidaturas presidenciais analisadas, as doações se revelam consideravelmente mais ambiciosas, destacando ainda mais a estratégia lobista de competir pela agenda ambiental, desde sua concepção intrapartidária até sua apresentação ao eleitorado e possível implementação em caso de vitória nas eleições.

Na campanha de Obama (2012), foram investidos US$ 3.253.968 pelo lobby do petróleo, e US$ 320.289, pelo lobby ambiental. Na campanha de Hillary Clinton (2016), foram US$ 2.694.841 do lobby do petróleo, e US$ 307.041, do lobby ambiental. Nas eleições de 2020, nas quais o atual presidente Joe Biden concorreu, o democrata recebeu US$ 4.881.135 do lobby do petróleo, e US$ 646.604, do lobby ambiental. Essas doações também ressaltam, mais uma vez, a notável discrepância de capital financeiro existente entre os lobbies para disputar essa agenda.

Além das candidaturas à Presidência, os lobbies competem por candidaturas estratégicas no Legislativo dos EUA, onde os projetos de seus interesses são pautados e votados. Um exemplo desse fenômeno pode ser observado ao se analisar as doações feitas para as campanhas ao Senado de Joe Manchin (2018), democrata conservador, associado a empresas de petróleo e gás e defensor do uso do petróleo na economia dos EUA, e de Ed Markey (2020), ligado à ala progressista do partido, próximo de pautas socioambientais no Senado e relator do Green New Deal. Manchin recebeu US$ 515.410 do lobby do petróleo, e US$ 8.400, do lobby ambiental, enquanto Markey recebeu US$ 66.823 do lobby ambiental, e US$ 102.406, do lobby do petróleo.

Senador Joe Manchin (à esq.) visita região de Alberta (Canadá) para debater a segurança energética norte-americana e apoiar a construção do oleoduto Keystone XL, em 13 abr. 2022 (Crédito: Office of Senator Joe Manchin)

É importante observar que somente US$ 11.700 das doações a Markey saíram da indústria geral de “Petróleo e Gás” e, dos 11 contribuintes, apenas três não são doações individuais (US$ 2.500, da Associação de Comerciantes de Petróleo da América; US$ 1.000, da Associação Nacional de Lojas de Conveniência; e US$ 1.000, da Sociedade de Comerciantes Independentes de Gasolina da América). Já as outras oito são pequenas doações individuais que estão de alguma forma ligadas a essa indústria (trabalhadores do setor, membros de associações etc.).

Essa divisão não apenas reflete diferentes interesses econômicos e ideológicos dentro do partido, mas também pode comprometer a coesão e a eficácia na formulação e na implementação de políticas ambientais consistentes. No longo prazo, o partido pode precisar reconciliar essas divisões internas para avançar de forma eficaz em direção a uma agenda ambiental unificada e coerente. A distribuição de poder e influência entre esses grupos é fundamental para moldar a direção da agenda ambiental dentro do Partido Democrata e a política climática dos Estados Unidos, afetando diretamente a maneira como o país aborda as questões ambientais urgentes.

Biden e o clima: teste decisivo nas urnas em novembro

Para o candidato republicano Donald Trump, que volta para a corrida presidencial após ter perdido para Biden em 2020, a agenda ambiental não é uma prioridade, uma vez que ele já declarou ser contra a promoção dessa pauta e chamou a gestão democrata de “leal aos lunáticos ambientais”, prometendo, caso eleito, uma grande reforma conservadora nas políticas climáticas que avançaram sob Biden na Casa Branca.

Já para Biden, o clima será um fator decisivo durante a campanha e pode refletir nos resultados das urnas em novembro. Nesse cenário, é possível observar dois desafios para o Partido Democrata e seu candidato.

O primeiro deles é unir o partido em torno de uma agenda em comum e guiar tanto as campanhas para o Congresso quanto a campanha para a Casa Branca de maneira unificada em suas metas e seus planos de ação. Se, de um lado, há uma pressão para que Biden avance no uso de energia fóssil nos EUA e se orgulhe disso, do outro há uma crescente pressão para que as mudanças climáticas sejam declaradas como emergência nacional e tenham mais prioridade nas ações do governo.

Buscar o equilíbrio nessas questões será um desafio difícil, mas necessário. Os grupos internos do partido já se mostraram irredutíveis em renunciar a suas agendas em muitos momentos, como quando, com a oposição de Joe Manchin, a Inflation Reduction Act teve seu orçamento enxugado em mais de US$ 1 trilhão, por ser considerada muito radical em suas proposições para o clima. Do lado progressista, defende-se que, apesar de se observarem avanços na política ambiental aplicada no último período, ainda não é o suficiente, sinalizando que esses setores ainda estão na briga por compromissos mais elevados.

Essas disputas serão levadas para a Convenção Nacional do Partido Democrata em agosto, onde será formulada a plataforma nacional do partido para os próximos quatro anos. O resultado dessa plataforma será a cristalização desse debate e da divisão de forças dentro do partido, e será ela que irá guiar as campanhas deste ano e a continuidade das ações políticas de um possível (mas não provável) segundo governo Biden.

O segundo desafio transcende a etapa da Convenção Nacional e será exclusivamente decidido nas eleições de novembro. Como evidenciado, Trump emerge como um poderoso aliado do lobby do petróleo, enquanto Biden tem desagradado a certos setores industriais desse grupo, apesar do aumento na produção de combustíveis fósseis durante sua gestão. Prevê-se, portanto, um aumento significativo no financiamento e no apoio desse lobby às campanhas republicanas, em detrimento das democratas.

Além disso, considerando-se que a maioria dos eleitores dos EUA confia mais nos republicanos do que nos democratas para lidar com questões como economia, criminalidade e imigração — temas centrais nas eleições deste ano —, cabe à campanha democrata, cujos eleitores confiam mais na gestão de assuntos como meio ambiente, saúde e educação, unir meio ambiente e economia em uma agenda concreta. Essa agenda deve buscar equilibrar os interesses dos setores ambientalistas, sem ignorar a importância e a influência do lobby do petróleo em uma campanha anti-Biden, que vai além de uma mera campanha pró-Trump.

Há uma urgência palpável em unificar essas agendas aparentemente divergentes para alcançar um consenso nacional. Os democratas precisam articular uma mensagem convincente que reconheça tanto a necessidade de proteger o meio ambiente quanto a importância de promover o crescimento econômico e a criação de empregos. Essa é uma oportunidade crucial para os democratas apresentarem uma visão abrangente e equilibrada que ressoe com eleitores de diferentes origens e prioridades.

Television playing Trump-Biden DebateDivergência sobre os rumos da política ambiental dos Estados Unidos podem definir disputa entre Biden e Trump em novembro (Crédito: Elvert Barnes/Flickr)

Uma abordagem eficaz seria destacar as oportunidades econômicas oferecidas pela transição para uma economia mais sustentável. Ao mesmo tempo, é essencial que abordem as preocupações legítimas das comunidades dependentes da indústria de combustíveis fósseis.

Se esse desafio será vencido e se os democratas irão superar suas divergências para construir uma plataforma sólida, que recupere, simultaneamente, a confiança dos eleitores na gestão do meio ambiente e na recuperação da economia dos EUA, iremos observar em novembro, com a resposta das urnas.

 

Emanuel Assis Aleixo de Franco é mestre e doutorando em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP). Contato: emanuel.assis@unesp.br.

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 25 mar. 2024. Este Panorama EUA não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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