Panorama EUA

O poder das ideias: o Fórum da Liberdade (1988-2018)

Crédito: site institucional

Panorama EUA_OPEU_O poder das ideias Fórum da Liberdade v10 n5 Ago 2020

Por Camila Feix Vidal, Jahde de Almeida Lopez e Luan Corrêa Brum*

Essa pesquisa é parte de um projeto mais amplo que busca analisar os institutos neoliberais na América Latina parceiros da estadunidense Atlas Network e busca ser uma ponte entre o já estabelecido consenso acerca do domínio acadêmico estadunidense no âmbito das Relações Internacionais (RI) e a empiria de um estudo pontual sobre essa dominação no plano das ideias – em específico, o ideário neoliberal, por meio dos institutos liberais.

Apesar de relativamente recente, a Atlas vem desenvolvendo um papel importante na coordenação e na disseminação de uma agenda libertária e conservadora, através de redes de relações com outros institutos liberais. Nessa pesquisa, o foco está situado no maior fórum liberal da América Latina – o Fórum da Liberdade, organizado pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE), membro da Atlas. Com sede em Porto Alegre (RS), esse instituto é considerado uma das 150 organizações que mais influenciam transformações políticas, sociais e econômicas do mundo, segundo o Global Go to Think Tanks (2013).

Tendo como hipótese central a ideia de que esses institutos liberais são veículos para influenciar discursos e práticas políticas, a partir de determinadas técnicas de engajamento onde a criação e realização do Fórum da Liberdade cumpre esse fim, espera-se observar empiricamente pontos de contato entre os agentes nos EUA e os no Brasil, assim como possíveis relações entre a atuação dos agentes nos institutos e seus interesses econômicos e políticos. Por fim, a pesquisa aqui apresentada contou com a elaboração de uma base de dados própria, a partir do uso de documentos disponibilizados pelos institutos e da análise de cada uma das 31 edições do Fórum da Liberdade (FL).

1. Hegemonia, colonialismo pedagógico e subordinação: o papel da Atlas

Partindo-se de uma abordagem teórica neogramsciana, esse trabalho tem como ponto de partida o entendimento de que a classe dominante legitima seu papel ao persuadir a sociedade a pensar de uma determinada forma – uma que reproduz a desigualdade econômica e social do status quo (Gramsci, 1971). Um dos argumentos centrais de Antonio Gramsci é o de que as ideias e a “cultura” não nascem espontaneamente em cada indivíduo, mas tiveram um centro de difusão que ora se manifesta de maneira organizada pelo poder dominante a partir de intelectuais que dirigem e/ou lideram uma determinada parcela da sociedade. Assim, cada classe criaria para si, de modo orgânico, uma camada própria de intelectuais que lhe dão a consciência da própria função, e legitimação, no campo econômico.

A hegemonia no âmbito global é entendida como uma forma de dominação baseada em consenso (quando esse falta, em coerção) em que o(s) Estado(s) central(is) cria(m) uma ordem mundial consistente com sua própria ideologia e valores, servindo para a reprodução dessa mesma hegemonia e de sua classe dominante por intermédio de práticas de consenso desempenhadas pelos Estados periféricos. Assentando-se sobre o “saber técnico” (Cox, 1981), a hegemonia global atual se apresenta, assim, como um modelo de relações sociais baseado em uma estrutura de produção centro x periferia caracterizado por um centro pequeno que detém os recursos financeiros e pesquisas de ponta, enquanto a periferia se encarrega da produção de componentes dependentes desses primeiros e da reprodução desses.

Como argumenta Gullo (2018), práticas imperialistas desenvolvidas por hegemonias no âmbito global possuem um vínculo estreito com a oligarquia financeira internacional, através de práticas de subordinação ideológica-cultural que se dão justamente no ideário e no discurso neoliberal. Para Arturo Jauretche (1975), países submetidos à subordinação ideológica vivem em uma espécie de “neocolonização”, ou “colonização pedagógica”, que tem na formação de um grupo de intelectuais nativos sua mais importante ferramenta de dominação. Esse grupo de intelectuais não é passivo, porém. Exercem eles próprios a difusão e a reprodução da agenda dominante, ainda que tenham sido cooptados via colonização pedagógica.

Dessa forma, a dominação hegemônica nos moldes atuais, que tem nos EUA seu mais claro exemplo, tem buscado minimizar intervenções pontuais e claramente identificáveis (como no caso das intervenções estadunidenses de ocupação na América Central, no início do século XX, e de desestabilização econômica e política na América do Sul em meados e fins desse mesmo século) e aumentar técnicas de persuasão ideológica que vão ao encontro dos interesses da classe dominante nesse país.

Partindo-se de uma relação intrínseca entre a oligarquia financeira, políticos e acadêmicos, criam-se instituições que possuem como objetivo disseminar o ideário capitalista neoliberal. Seria uma espécie de neocolonialismo, a que Gill (1995) chamou de “civilização de mercado”: o senso comum global que foi construído a partir da hegemonia capitalista anglo-saxã que dissemina e valoriza conceitos de desregulamentação e livre-mercado como algo naturalmente benéfico para todos, mas que serve para assegurar a dominação da classe hegemônica sobre outras classes sociais, bem como do Estado hegemônico sobre periféricos.

Recentemente, a Rede Atlas vem cumprindo esse papel. Legalmente chamada de Atlas Economic Research Foundation, refere-se ao think tank criado em 1981 pelo empresário britânico Antony Fisher. Com o objetivo de disseminação das concepções econômicas neoliberais, utiliza como estratégia o estabelecimento de redes de relações com institutos parceiros em todos os continentes. Hoje conta com 441 parceiros em 95 países (Atlas, 2020).

Com a ascensão do argentino Antonio Chafuen à Presidência da Atlas em 1991, a rede tem suas ações mais concentradas no âmbito latino-americano. São 99 parceiros na América Latina, onde, aliás, estabeleceu-se o primeiro centro regional da Atlas, o Atlas Network’s Center for Latin América, criado no fim de 2018.

Somente no Brasil são 15 parceiros: Instituto de Estudos Empresariais (RS), Instituto Liberdade (RS), Students for Liberty (SP), Instituto Atlantos (RS), Instituto de Formação de Líderes (MG, SP e SC), Instituto Liberal (RJ), Instituto Liberal de São Paulo (SP), Instituto Ludwig Von Mises Brasil (SP), Instituto Millenium (RJ), Instituto Líderes do Amanhã (ES), Livres (RJ), Mackenzie Center for Economic Freedom (SP) e Observatório do Empreendedor (SC).

Ironicamente, esse think tank neoliberal estadunidense se mantém ativo por meio de recursos do governo federal e de grandes empresários. Como estratégia, propaga e exporta políticas simpáticas ao governo dos EUA e a esses mesmos empresários, através de seus “parceiros” em outros países, criando uma espécie de “esfera de influência” (Fang, 2017) que cultiva e propaga ideias neoliberais.

Nesse sentido, a estratégia da Atlas é baseada em financiamento e treinamento de pessoal de outros países para integrar, ou criar, institutos aos moldes da Atlas. De acordo com diretora da Atlas para liderança acadêmica, Cindy Cerquitella: “The Atlas leadership academy provides diverse trainings with a focus on mission development, knowing how to reach your audience and the importance of achieving impact”.

De fato, o nome da Rede Atlas é autoexplicativo – dado o efeito de rede que ela opera e que encontra, muitas vezes, nas crises políticas e econômicas (eventualmente promovidas pelos próprios integrantes desses institutos) o gatilho para impor sua agenda de políticas neoliberais. Conforme argumenta o presidente da Atlas, Alex Chaufen, sobre os recentes escândalos de corrupção em governos progressistas na América Latina: “Surgiu uma abertura – uma crise – e uma demanda por mudanças, e nós tínhamos pessoas treinadas para pressionar por certas politicas” (Chaufen apud Fang, 2017). Basta lembrar que, no Brasil, alguns líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), como Kim Kataguiri, fazem parte da rede de relações da Atlas (Atlas, 2015; Fang, 2017).

A própria Atlas menciona o “sucesso” dos parceiros brasileiros na divulgação dos ideais neoliberais e na reformulação da agenda política: “[…] an array of independent network partners in Brazil are doing the heavy lifting of reforming the intellectual climate and policy debate. Together, they are spreading the ideas of libertarian new and innovative ways, proposing practical and politically possible solutions to current crises” (Atlas, 2020). Também não é à toa que a Atlas financiou os últimos cinco Fóruns da Liberdade e atribuiu ao instituto fundador do Fórum (o Instituto de Estudos Empresariais), em 2007, seu mais importante prêmio, o Templeton Freedom Award, como uma das mais promissoras instituições globais em defesa da liberdade.

2. O Fórum da Liberdade

Fundado em 1984 por jovens empresários e com o apoio financeiro de empresas como Gerdau, Localiza, Suzano Araújo, Ipiranga, Mendes Junior, Stemac, Banco Itaú, Tam e Grupo Évora (Gros, 2003; IEE, 2017), o Instituto de Estudos Empresariais (IEE) é responsável pela criação e manutenção do Fórum da Liberdade (FL). Com o objetivo de “incentivar e preparar novas lideranças, com base nos conceitos de economia de mercado e livre-iniciativa” (IEE, 2017) e tendo como visão a “formação de lideranças com capacidade empreendedora” (Ibidem), esse instituto localizado em Porto Alegre funciona como uma organização altamente centralizada com acesso restrito para novos membros, em uma espécie de “clube fechado aos escolhidos” (Casimiro, 2016). Considerado pela Forbes em 2013 (FL, 2018) como o “maior evento de discussão de ideias da AL”, o FL funciona desde 1988 como um evento anual realizado na cidade sede do IEE, em Porto Alegre.

Em 2018, o Fórum contou com um público de mais de cinco mil pessoas, além de quase meio milhão de acessos nos seus vídeos disponibilizados na Internet. Ao menos 29 escolas de Porto Alegre e 48 instituições de ensino superior se inscreveram e compareceram nesse último evento (FL, 2018), demonstrando seu amplo alcance e seu vínculo com o universo acadêmico. O próprio IEE tem uma parceria com a PUCRS, onde são realizados os eventos. Com temáticas que preconizam a economia pelas lentes neoliberais, o FL se permitiu ser um importante pulverizador dessa abordagem na sociedade brasileira e latino-americana.

2.1 Fórum da liberdade – temas e palestras

As temáticas abordadas no FL não são apenas econômicas, incluem temas políticos e sociais. A exemplo disso, tem-se de forma emblemática no nome de sua primeira edição (1988): “Questões políticas, econômicas e sociais do Brasil”, orientando, de certa maneira, as edições futuras. Entre os temas econômicos, dominam abordagens oriundas do liberalismo clássico. Palestras como “livre-mercado”, “livre-comércio internacional”, “o custo Brasil”, “quem é o mercado”, entre outras, apontam para o viés neoliberal presente como fio condutor em todas as edições do Fórum.

No que diz respeito à política, o Fórum se mostrou um excelente palanque para a divulgação de certos candidatos – em sua imensa maioria aqueles aliados à causa neoliberal. No primeiro ano do evento, Fernando Collor de Mello foi convidado para palestrar. Já em 1989, o Fórum serviu para a exposição de ideias dos então candidatos ao governo federal Leonel Brizola, Mário Covas e Luís Inácio Lula da Silva. Em 2014, Aécio Neves foi convidado a proferir a palestra especial de início do Fórum. O mesmo ocorre com João Dória em 2017, ao proferir palestrar inaugural.

Já Henrique Meirelles se tornou um palestrante comum no fórum. O ex-ministro e candidato à Presidência na última eleição foi responsável por mediações e por palestras, inclusive “palestras especiais”, como as de encerramento do Fórum, em 2008 e em 2010. Eduardo Campos e FHC são alguns dos outros presidenciáveis que lá já palestraram. Em 2018, o “encontro de presidenciáveis” contou com a presença de João Amoêdo, Flávio Rocha, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Marina Silva (Jair Bolsonaro foi convidado, mas não compareceu), omitindo praticamente todos os candidatos oriundos de uma ideologia mais progressista.

Por fim, não se pode deixar de salientar aqui o papel que o Fórum teve na aprovação e na divulgação de uma determinada estratégia política mesmo que com roupagem de ativismo social. Em 2015, ano marcante na política brasileira com uma direita que saiu às ruas empunhando bandeiras contra a corrupção e a favor de “menos Marx, mais Mises”, a palestra especial final se chamou “Liberdade de Expressão: #NasRuasPelaLiberdade”. Quem proferia a palestra era Marcel Van Hattem, então deputado estadual e hoje deputado federal, conhecido por sua incansável defesa de um governo mínimo; e Kim Kataguiri, ex-membro dos Estudantes Pela Liberdade, fundador do MBL e atualmente deputado estadual.

Como explica Hélio Brandão, palestrante assíduo nos eventos do FL, sobre o papel ativista que o Fórum desempenha: “É como um time de futebol: a defesa é a academia, e os políticos são os atacantes. E já marcamos alguns gols [referindo-se ao impeachment de Dilma Rousseff]. O meio de campo seria o pessoal da cultura, aqueles que formam a opinião pública” (Beltrão apud Fang, 2017).

Além de servir de plataforma eleitoral, o Fórum serve ainda para aprovar e legitimar determinadas estratégias políticas com um determinado fim, como foi o caso desse último evento, ao legitimar a ida às ruas supostamente pela “liberdade”. Se existe alguma dúvida quanto ao papel que o fórum desempenha tanto na divulgação de um ideário liberal quanto na projeção de políticos partidários dessa mesma ideologia, talvez a afirmação do deputado Marcel van Hattem seja bastante elucidativa: “Se sou deputado hoje, devo também ao Fórum da Liberdade” (van Hattem apud Amaral, 2015).

De forma geral, a tríade sociedade, política e economia se mostrou presente em todos os eventos do Fórum. Ainda que não seja um fórum de ideias exclusivamente econômico, porém, as questões relativas à sociedade e à política são apresentadas e reformuladas pelas lentes neoliberais da economia. Quando se critica um determinado modelo político, ou uma determinada Presidência, isso é feito valorizando práticas neoliberais de governo mínimo. Longe de ser um fórum “plural”, os eventos do FL são constituídos de modo a apresentar, divulgar e legitimar (através de uma determinada “intelligentsia” com esse papel) uma visão de mundo neoliberal vinculada aos interesses dos Estados Unidos. Não por acaso, o maior número de palestrantes estrangeiros é estadunidense.

2.2 Perfil dos palestrantes

Com base nos dados informados pelo Fórum da Liberdade e pelo IEE, chegamos a um número de 471 indivíduos palestrantes desde sua primeira edição até 2018. Em relação a seu perfil, evidenciou-se que são majoritariamente homens, empresários, políticos, professores e membros, ou diretores, de outros institutos liberais.

De acordo com dados apurados na pesquisa, desde a primeira edição até a última do FL, dos 471 expositores, 448 são homens (95,2%), e somente 23 são mulheres (4,8%). Ademais, observou-se a prevalência de atividades ligadas à academia (professores), à política (deputados, vereadores, ministros, senadores e presidentes) e à oligarquia financeira (empresários). Um número ainda maior conta com palestrantes relacionados com institutos liberais, demonstrando uma certa circulação homogênea entre membros desses institutos.

Gráfico 1: Atividade exercida pelos palestrantes (1988-2018)

Fonte: elaboração própria.

Vale mencionar que, se as atividades pelos palestrantes são relativamente homogêneas, também são grupos homogêneos os indivíduos que palestram nos eventos. Os mesmos palestrantes se repetem ano após ano contando com a presença cativa dos empresários Henry Maksoud (7x) e Jorge Gerdau Johannpetter (12x), do diplomata Roberto Campos (5x), dos economistas “Chicago Boys” Paulo Rabello de Castro (8x) e Paulo Guedes (6x), do jurista Ives Gandra Martins  (5x), do economista Gustavo Franco (5x), do autoproclamado “filósofo” Olavo de Carvalho (5x) e do economista e colunista da Veja Rodrigo Constantino (6x).

O que se depreende, assim, é que a suposta “pluralidade de ideias” não se reflete no perfil de seus palestrantes que fazem parte de um grupo bastante específico e nada plural: homens, empresários, políticos, acadêmicos e vinculados a outros institutos liberais. De modo ainda mais específico, entre os acadêmicos, muitos fizeram graduação, ou pós-graduação, na Universidade de Chicago. Dos políticos palestrantes, a imensa maioria advoga o livre-mercado em sua plataforma de governo. Por fim, vários dos palestrantes vinculados a institutos liberais são eles próprios fundadores de institutos membros da Atlas. Um dado não esperado foi o vínculo do Fórum com alguns indivíduos da imprensa, em específico a constante atuação de Rodrigo Constantino, colunista da Revista Veja, e de Nelson Sirotsky e David Coimbra da RBS, afiliada da Rede Globo.

2.3 Internacionalização e vínculo com os EUA

O FL vem progressivamente se internacionalizando, conforme gráfico abaixo. Enquanto na sua primeira edição não houve presença de estrangeiros, em 2018, quase metade dos palestrantes eram estrangeiros. Em números totais, os eventos do FL contaram com 325 palestrantes nacionais e 146 palestrantes estrangeiros – um número expressivo, se considerarmos que os estrangeiros representam mais de 30% em números totais.

Gráfico 2: Internacionalização do Fórum

Fonte: elaboração própria.

Em sua imensa maioria, os palestrantes estrangeiros são estadunidenses (de um total de 146 estrangeiros, 55 são estadunidenses) correspondendo a mais de um terço de todos os estrangeiros palestrantes. Se considerarmos o mundo anglo-saxão, o número de palestrantes aumenta ainda mais: 72 anglo-saxãos. No que se refere à América Latina, a mesma se encontra representada de maneira pífia, dada a proximidade geográfica e linguística. Dos 146 palestrantes vindos de fora do Brasil, 53 são convidados da América Latina, contando com 12 países:

Gráfico 3: Nacionalidades dos palestrantes estrangeiros

Fonte: elaboração própria.

A presença massiva de estadunidenses em um fórum de ideias brasileiro reflete o papel ativo que os EUA performam em outros países no plano das ideias. No levantamento feito para essa pesquisa, encontramos um vínculo estreito entre esses palestrantes e o meio acadêmico nos Estados Unidos. Isto é, uma parte significativa dos palestrantes brasileiros, ou palestrantes de outras nacionalidades que não estadunidenses no FL, possuem ou possuíram algum vínculo com universidades nos EUA. Dos 416 palestrantes contabilizados, 152 fizeram graduação, pós-graduação e/ou curso de especialização em alguma universidade nesse país. Mais especificamente, 110 palestrantes passaram por uma pós-graduação nos EUA. Se levarmos em conta também o número de cidadãos dos EUA palestrantes, sobe para 207 o número de palestrantes que estudaram em universidades estadunidenses. Chama atenção o fato de quase a metade dos palestrantes do FL possuir vínculo com um universo acadêmico nos EUA.

Como aponta a Teoria Crítica Neogramsciana, o vínculo com a academia de uma hegemonia não coopta apenas o estrangeiro que leva o aprendizado e, com isso, o ideário hegemônico para seu país natal, mas também divulga ele próprio esse ideário em uma rede que tende a crescer e se tornar cada vez mais densa, atingindo alunos, bolsistas, colegas e pesquisadores que serão também influenciados por esse nacional.

A “intelligentsia”, já afirmava Jauretche, serve para reforçar a dominação hegemônica, enquanto mascara a colonialidade e a subordinação ideológica. Se levarmos em conta que esse grande número de palestrantes brasileiros e estrangeiros passou por uma universidade estadunidense e traz de lá uma concepção de mundo favorável a esse país, criando um efeito de rede na academia do seu país nativo, fica mais fácil perceber a dominação hegemônica atual dos EUA a partir do saber técnico.

2.4 Patrocinadores e premiados

No que diz respeito aos patrocinadores do FL, os dados que obtivemos se referem aos patrocinadores entre 2008 e 2018. De modo geral, podemos aferir que se trata de um grupo bastante homogêneo de patrocinadores, normalmente patrocinando mais de um evento – em alguns casos, todos os eventos, como fez a Gerdau. Dentre os principais patrocinadores, nove deles se destacam: Itaú, Vonpar, Renner, Atlas Network, Souza Cruz, CMP, Ipiranga, RBS e Gerdau. Enquanto a Gerdau patrocinou todos os eventos, Itaú e Santa Cruz foram os patrocinadores nos primeiros anos desse período. Recentemente novos patrocínios foram acrescidos, como a Renner e a estadunidense Atlas Network, cada uma delas patrocinando os últimos cinco anos do Fórum. No caso da Gerdau e, recentemente da Atlas, além do patrocínio, é importante mencionar que a presença dessas instituições se faz também com a participação de indivídos nas palestras, como é o caso de Johannpeter, fundador da Gerdau, e de Alex Chafuen, presidente da Atlas.

À exceção do Grupo Ipiranga e da Souza Cruz, todos os outros patrocinadores (Itaú, Vonpar, Renner, Atlas, CMP, RBS e Gerdau) são membros, ou diretores de institutos liberais, e/ou palestraram em algum FL, demonstrando que o vínculo com o Fórum não se dá apenas no patrocínio, portanto na viabilização do evento, mas também na própria elaboração dele – o que nos indica uma convergência de ideologia e de interesses. Não por acaso a imensa maioria dos patrocinadores é vinculada a algum instituto liberal no Brasil, ou no exterior.

Nesse sentido, vale a pena ressaltar o padrão acerca de quem recebe premiações nesses eventos. O maior prêmio no Fórum é o Prêmio Libertas, concedido desde 1997 como comemoração aos dez anos do evento e destinado a “empreendedores que se destacam no trabalho pela valorização dos princípios da economia de mercado e pelo respeito ao estado de direito democrático” (FL, 2018). De maneira muito homogênea, de um total de 22 agraciados por esse prêmio, a grande maioria faz parte da direção de institutos liberais no Brasil, ou no exterior (14 premiados, ou 58,4% do total), seguido por um número também expressivo de patrocinadores (seis premiados, ou 25%). Do total de 22 agraciados, somente quatro não são patrocinadores e não são membros de direção de institutos liberais:

Gráfico 4: Patrocínio em número de anos (2007-2018)

Fonte: elaboração própria.

Assim, o princípio meritocrático empregado pelo FL com a premiação do Libertas é bastante uniforme: os agraciados são majoritariamente membros de diretoria de institutos liberais, seguidos de patrocinadores do evento. Entre os membros de diretoria de institutos liberais, diretores do IEE e do Millenium, seguido pelo Instituto Liberdade, foram os que mais vezes foram agraciados. Desse modo, a premiação diz respeito a quem viabiliza o evento e/ou quem dele participa e compartilha do ideário neoliberal, demonstrando um circuito bastante homogêneo e fechado. Ou seja, o padrão que se desenha é: quem é premiado no Fórum é membro de instituto liberal, ou patrocinador; quem é patrocinador é membro de instituto liberal. Nesse sentido, as premiações se traduzem em uma autolegitimação entre membros e diretores desses institutos liberais.

3. Considerações Finais

O FL não se caracteriza por um “fórum de ideias”, tampouco como um “fórum plural de ideias”. Se, no início dos seus eventos, houve um esforço de incorporar palestrantes oriundos de diferentes tradições ideológicas, esse esforço foi-se perdendo ao longo dos anos e, atualmente, é um fórum de “uma ideia” – um expositor de um ideário neoliberal, privilegiando palestrantes que vão corroborar essa mesma visão de mundo.

Tampouco é plural o grupo de palestrantes que dele faz parte. Em sua imensa maioria são homens, políticos, empresários, professores e membros de institutos liberais no Brasil, ou no exterior. De fato, o Fórum vem-se internacionalizando ao longo dos anos; entretanto, essa internacionalização é bastante específica, abarcando uma maioria quase absoluta de palestrantes oriundos dos EUA. Não por acaso, o único patrocinador externo é também dos EUA – a Atlas.

Por fim, longe de ser um espaço “plural”, o FL é um circuito bastante fechado, onde quem palestra, quem patrocina e quem é premiado faz parte desse seleto grupo. Tendo o aporte financeiro de grandes empresários que viabilizam (por meio de financiamento) os eventos do Fórum; e de uma “intelligentsia” que legitima as ideias ali apresentadas, o Fórum abre espaço para divulgação do ideário neoliberal, enquanto “civilização de mercado”, e se naturaliza. O Fórum contribui também para um palanque eleitoral de políticos atrelados a esse ideário e de divulgação de estratégias para deslegitimar governos e políticas contrárias ao neoliberalismo. Essa divulgação ainda recebe ajuda da imprensa que cobre o Fórum e que dele participa ativamente.

No FL, o “novo estatuto legal do colonizado” (Gullo, 2018, p. 294) é perceptível ao subordinar todo um sistema político e econômico nacional a uma potência hegemônica que tem interesses políticos e econômicos na viabilização desse tipo de ideologia. Isso se dá pelo aporte financeiro de grandes empresários que têm interesse, eles também, na difusão de políticas neoliberais; pela presença massiva de estadunidenses no Fórum; pela circulação de uma significativa parte dos palestrantes pelas universidades estadunidenses (e, não por acaso, pela Universidade de Chicago); e do papel proeminente que os EUA, através da Atlas (lembrando que esta recebe recurso do governo federal estadunidense), possuem no Fórum.

Finalmente, a estratégia de dominação das grandes potências tende a se efetivar pelo saber técnico, fazendo os subordinados se sentirem compelidos a seguir uma determinada ideologia que seja de interesse do hegemon ainda que não seja do interesse da periferia. De fato, a tríade políticos, oligarquia financeira e academia está estabelecida no FL, enquanto mecanismo de difusão da dominação hegemônica no âmbito das ideias. O conservador Richard Weaver (1948) tinha razão: Ideias têm consequências.

 

* Camila Feix Vidal é professora adjunta no Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), membro do INCT/INEU e do GEPPIC. Contato: camilafeixvidal@gmail.com. Jahde de Almeida Lopez é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e membro do GEPPIC. Contato: jahdelopez@gmail.com. Luan Corrêa Brum é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Contato: luan.brum1996@hotmail.com.

** Recebido em 22 jul. 2020. Este Panorama EUA não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. Encontra-se publicado originalmente e em seu formato integral na revista Contexto Internacional, v. 42, n. 1, jan-abril 2020.

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