Internacional

20 anos da Guerra do Iraque: a invasão que levou o país ao caos

(Arquivo) Sargento do Exército dos EUA Mark Phiffer monta guarda perto de poço de petróleo em chamas nos campos petrolíferos de Rumaylah, no sul do Iraque, em 2 abr. 2003 (Crédito: Marinha dos EUA/Arlo K. Abrahamson/Wikimedia Commons)

 Por Haylana Burite* [Informe OPEU]

A relação contemporânea entre Estados Unidos e Iraque tem centralidade para compreendermos o plano geopolítico e econômico idealizado pelos últimos governos norte-americanos para o Oriente Médio. Isso não apenas por inaugurar a Doutrina Bush, mas também por representar a maior dedicação de tempo e investimento financeiro na história das intervenções dos EUA, acompanhado do Afeganistão, como afirma Rodrigo Augusto, professor de Relações Internacionais (RI) na PUC-SP e doutor, também em RI, pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas. No Pós-Segunda Guerra Mundial, gastou-se US$ 182 bilhões na reconstrução da Europa, e US$ 18 bilhões, na reconstrução do Japão, por meio do Plano Marshall, enquanto na Guerra das Coreias (1950-53) e na do Vietnã (1965-75) os gastos militares chegaram a US$ 276 bilhões e US$ 1 trilhão, respectivamente. Nenhum desses exemplos se aproxima do custo com a intervenção no Iraque que, de 2003 até 2021, é de quase US$ 2 trilhões.

A Guerra do Iraque costuma ser relacionada mais imediatamente apenas com a Guerra Global ao Terror (GWOT, na sigla em inglês), deflagrada após o 11 de Setembro, na administração de George W. Bush. Seus antecedentes remontam, porém, a 1991, com a Guerra do Golfo – conflito dos EUA com o Iraque após a invasão do Kuwait por este último, em 1990 –, quando houve um crescimento da inimizade entre os EUA e Saddam Hussein. Na década anterior, de 1980, Irã e Iraque estavam em guerra e, até então, Saddam recebia apoio das potências ocidentais anti-iranianas, porque a Revolução de 1979 fez o Irã romper com os EUA e se adota uma política anti-imperialista. Outro apoio, que trará consequências no futuro, foi o recebido de outras potências muçulmanas sunitas que queriam barrar o xiismo no mundo árabe.

A invasão iraquiana no Irã trouxe danos para a economia do Iraque, que culminaram no acirramento das disputas em torno do petróleo e na posterior invasão do Kuwait. Esse momento transformou o Iraque em pária internacional, expulsando as tropas iraquianas do Kuwait, mas Saddam continuou presidente do país. Nos anos seguintes, as notícias de violência estatal contra curdos e xiitas no território iraquiano, mediante o uso de armas químicas como os gases sarin e mostarda, geraram pressão internacional para verificação do arsenal do país.

Por que os EUA queriam invadir o Iraque?

O mainstream político da época propagou a ideia de que o Iraque possuía armas de destruição em massa, termo usado para descrever armas nucleares, biológicas e químicas e mísseis balísticos de longo alcance. Assim, o país foi submetido a duras sanções, onerando sua população e capacidade de desenvolvimento. Nesse contexto, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 687, ordenando que o Iraque destruísse todo seu armamento.

Em 1998, EUA e Reino Unido ensaiaram uma invasão ao Iraque, denominada operação Raposa do Deserto. O Iraque tentou condicionar as inspeções da Comissão Especial das Nações Unidas (UNSCOM, na sigla em inglês) à retirada das sanções contra Bagdá. A ONU respondeu negativamente ao pedido, e o país anunciou em 31 de outubro de 1998 que não permitiria mais inspeções. Como desdobramento, há uma série de atentados no Iraque.

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Operação Raposa do Deserto, 1998 (Crédito: Wikimedia Commons)

Semanas depois, o Iraque foi coagido a retomar a cooperação com a UNSCOM, mas a cooperação não havia retornado aos níveis anteriores. Como desfecho, em 17 de dezembro de 1998, foi instaurada a operação Raposa do Deserto, mediante assinatura do Ato de Libertação do Iraque pelo então presidente americano, Bill Clinton. Constata-se, assim, que, já em 1988, o governo americano influenciou a desestabilização do Iraque, apoiando grupos opositores a Saddam Hussein e direcionando o país ao alinhamento com o Ocidente.

No governo de Bush filho, os EUA viveram o atentado da Al-Qaeda ao World Trade Center, em Nova York, e ao Pentágono, em Washington, D.C., em 2001. Nesse contexto, o conflito com o Iraque escalou drasticamente. Em outubro de 2002, o Congresso dos Estados Unidos autorizou o uso de força militar contra o Iraque. Em fevereiro de 2003, o então secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, pediu ao Conselho de Segurança da ONU que aprovasse a invasão, uma vez que o Iraque supostamente havia desrespeitado normas de segurança internacional. A ONU vetou essa proposta, uma vez que as investigações realizadas em 2002 não detectaram nenhuma irregularidade. Por fim, os EUA alegaram que não esperariam novos relatórios e contariam com o apoio de países dispostos a enfrentar o terrorismo.

A partir de então, os Estados Unidos e seu principal parceiro no tema, o Reino Unido, juntaram fundamentos para expor o perigo iminente que o Iraque representava. O Reino Unido montou um dossiê de Inteligência que atestava a capacidade do Iraque de atingir alvos no país em 45 minutos. Dados da BBC revelam, no entanto, que o bombardeio e a ocupação do território do Iraque pelos Estados Unidos e pela Inglaterra não conseguiram provas da suposta existência de armamento nuclear pelo governo Saddam Hussein. Nesse sentido, o que chama atenção é que, depois do terror vivido pelos iraquianos, foi acatada a alegação inicial de ausência de munição química. Dessa forma, o principal motivo da guerra não existia, ou foi forjado.

Cabe ressaltar que o Conselho de Segurança da ONU mudou de posicionamento com relação ao Iraque, transparecendo uma perspectiva americanista e ocidental. Em 22 de novembro de 2003, foi publicada a resolução 1441. A medida declarava que o governo iraquiano não havia “fornecido uma revelação precisa, total, final e completa” de todos os seus “programas para desenvolver armas de destruição em massa e mísseis balísticos” de grande alcance. No mais, exigiu que Bagdá desse acesso total aos inspetores da ONU e alegava que a continuação das violências internacionais ocasionaria “graves consequências”.

Invasão e ocupação

Na madrugada de 20 de março de 2003, as forças dos EUA invadiram o Iraque, prometendo destruir as armas de destruição em massa do país e o governo de Saddam Hussein. Em maio do mesmo ano, o Exército iraquiano foi derrotado, e Saddam foi posteriormente capturado, julgado e executado. Dotada de simbologia, a invasão representa a força hegemônica dos Estados Unidos. Por isso, também derrubaram uma estátua de Saddam na praça Firdos, em Bagdá.

Saddam hussein statue april 2003 hi-res stock photography and images - AlamyEstátua de Saddam Hussein sendo derrubada na Praça Firdos, em 9 abr. 2003, após a invasão do Iraque pelos EUA (Crédito: Alamy Stock Photo)

No ano seguinte, uma insurgência de natureza sectária – derivada das divisões religiosas, étnicas, ou até mesmo culturais – assolou o Iraque. Uma guerra civil eclodiu entre os grupos sunitas e xiitas do Iraque. Em 2011, ocorreu a retirada gradual das tropas norte-americanas do território iraquiano. Dessa forma, surgiram desafios adicionais referentes à reconstrução, à governança e à estabilidade para o Iraque. Por fim, a fissura causada nesse país nos leva a questionar se os Estados Unidos planejaram o Iraque durante e após a invasão. Depois do caos, é possível dizer que houve responsabilidade ao proteger?

 

Quer saber mais?

Assista ao episódio “20 anos da Guerra do Iraque”, do programa Diálogos INEU

* Haylana Burite é pesquisadora bolsista de Iniciação Científica do OPEU (INCT-INEU/PIBIC-CNPq) e graduanda em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: buritehaylana@gmail.com.

** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 12 ago. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Para mais informações e outras solicitações, favor entrar em contato com a assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti, tcarlotti@gmail.com.

 

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