Política Doméstica

Com ou sem Trump? O GOP na oposição

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Seminário Anual INCT-INEU

Por Flávio Contrera e Karina Lilia Pasquariello Mariano*

Sustentando maioria nas duas casas do Legislativo, os democratas tornaram a 117ª Legislatura (2021-2022) funcional. Desde março de 2021, os legisladores aprovaram: um plano de US$ 1,9 trilhão para ajudar a economia a se recuperar da pandemia da covid-19; um pacote de infraestrutura de US$ 550 bilhões que prevê novos gastos em estradas, pontes, portos e similares; um plano de reparação do balanço do Serviço Postal; uma lei antilinchamento há muito esperada (Emmett Till); uma lei de segurança de armas modesta, mas significativa; um projeto de lei de US$ 280 bilhões, o Chips Act, para estimular a pesquisa científica e a produção doméstica de semicondutores; e a Lei de Redução da Inflação.

É verdade que os democratas encontram um desafio maior no Senado, onde a maioria era assegurada pelo voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris. Mas mesmo os membros progressistas do Congresso foram surpreendentemente pragmáticos nesta legislatura. Bernie Sanders (I-VT), Elizabeth Warren (D-MA) e a maioria dos progressistas da Câmara entendeu que era necessário construir consenso para avançar uma legislação climática ambiciosa. O senador democrata da Virgínia Ocidental (D-WV), Joe Manchin, causou transtornos aos democratas em certos momentos, quando anunciou, por exemplo, sua oposição ao plano Build Back Better, que precisava de seu voto para passar na Casa.

Especialmente notável é que algumas medidas – reforma postal, infraestrutura, antilinchamento, Chips, segurança de armas, expandir cuidados de saúde para veteranos e proteger as vítimas de má conduta sexual – tiveram apoio bipartidário. Isso também se aplica às repetidas medidas de apoio militar e econômico à Ucrânia em sua guerra com a Rússia e à entrada de Finlândia e Suécia na OTAN. O presidente do Federal Reserve (Fed, Banco Central americano), Jerome Powell, obteve a confirmação do Senado para um segundo mandato de quatro anos em uma base bipartidária.

Apresentação homônima no Seminário “Tempos Difíceis: o primeiro tempo do Governo Biden e as eleições de meio de mandato”, promovido pelo INCT-INEU, em 7 e 8 de dezembro de 2022, em formato híbrido

Em algumas questões importantes, os democratas decidiram que agir era muito importante. Eles aprovaram a resposta mais significativa às mudanças climáticas na história do país. Também aumentaram o acesso a cuidados médicos para americanos de rendas média e baixa e implementaram programas que suavizaram o golpe da pandemia.

Nas últimas décadas, os congressistas republicanos se opuseram quase uniformemente às políticas para resolver alguns dos maiores problemas do país, incluindo a mudança climática e a desigualdade econômica. Essa oposição continuou no atual Congresso. Mas os republicanos não se opuseram reflexivamente a toda legislação neste Congresso, como costumavam fazer durante a presidência de Barack Obama (2009-2017). Na Legislatura atual, alguns republicanos trabalharam duro para ajudar a redigir uma legislação bipartidária sobre outras questões.

Ao lado está uma lista de senadores republicanos que votaram em pelo menos três dos cinco principais projetos de lei (sobre infraestrutura, política para a China, segurança de armas, assistência médica de veteranos e serviço postal). Entre eles, está Mitch McConnell, líder dos republicanos no Senado:

Apenas cinco senadores republicanos não votaram em nenhum desses projetos de lei: James Lankford, de Oklahoma (R-OK); Mike Lee, de Utah (R-UT); Rand Paul, do Kentucky (R-KY); e Richard Shelby e Tommy Tuberville, ambos do Alabama (R-AL).

Recentemente, o Senado dos EUA aprovou uma lei que protege o casamento inter-racial e entre pessoas do mesmo sexo. O projeto foi aprovado por 61 a 36, apenas um voto a mais do que o mínimo necessário de 60 para sua aprovação. Doze republicanos se juntaram a 49 democratas no apoio ao texto.

Esses dados mostram que, apesar de algumas dificuldades pontuais no Senado, a legislatura nos primeiros dois anos de Biden foi funcional.

Midterms e a nova configuração legislativa

Apesar da investigação da Câmara sobre a insurreição de 6 de janeiro de 2021 e de investigações criminais em vários estados, o ex-presidente Donald Trump iniciou a campanha para as midterms de novembro de 2022 como a principal liderança política do Partido Republicano. Trump endossou 130 candidatos republicanos para a Câmara e o Senado, bem como outros para governos estaduais e outros cargos. Seu critério mais importante para escolhê-los foi seu alinhamento com o trumpismo, o que inclui o não reconhecimento da vitória de Biden em 2020.

Na preparação para as midterms, governadores republicanos e as legislaturas estaduais colocaram questões de raça e gênero no centro da legislação política e da discussão pública. Os republicanos introduziram leis restringindo ou, praticamente, eliminando o aborto em 30 estados. Os legisladores republicanos também introduziram 238 leis anti-LGBTQIA+, metade delas voltadas para pessoas transgênero. Essas leis proíbem, ou criminalizam, a saúde de afirmação de gênero para jovens trans, barram o acesso a banheiros, restringem a participação de estudantes trans na escola e nos esportes, permitem discriminação religiosa contra pessoas trans, ou dificultam a obtenção de documentos de identificação com seus nome e gênero.

A terceira grande área da legislação republicana destinada a agitar o eleitorado foi a defesa da proibição do ensino de Teoria Crítica Racial (CRT, na sigla em inglês) nas escolas públicas. A Teoria Crítica Racial é, na verdade, uma teoria legal sofisticada sobre o racismo que nunca foi ensinada nas escolas, mas, para os republicanos, significou oposição ao alcance do racismo. Eles alegam que a CRT está sendo usada para doutrinar os alunos com a ideia de que todos os brancos são racistas e para fazer as crianças brancas se sentirem “envergonhadas”. Dezesseis estados já aprovaram tais leis, e outros 19 estão considerando adotá-la. As legislações antiaborto, anti-LGBTQIA+ e anti-CRT dos republicanos representam parte de uma reação contínua entre brancos de todas as classes sociais contra os movimentos sociais das décadas de 1960 e 1970 que trouxeram legislação progressista para negros e latinos, mulheres e pessoas LGBTQIA+.

Em que pese o papel norteador de Trump nas midterms, as expectativas criadas em torno de uma “onda vermelha” no Legislativo não se concretizaram. Os republicanos do Senado perderam, por exemplo, uma disputa importante na Pensilvânia para o democrata John Fetterman (D-PA). E, embora os republicanos tenham conseguido uma vitória crucial na Câmara baixa, esta foi bem mais tímida do que o esperado, e os democratas mantiveram controle sobre o Senado. Com o apoio de dois senadores independentes – Angus King (I-ME) e Bernie Sanders (I-VT) –, os democratas chegam a 50 e mantêm o controle tal como está, reforçado pelo desempate da vice-presidente.

Que implicações essa configuração poderá ter para o Congresso?

Muito provavelmente, veremos um retorno ao impasse que definiu o dividido governo federal nos últimos anos. Uma divisão entre uma Câmara controlada pelos republicanos e um Senado administrado pelos democratas quase certamente significa que nenhum dos partidos terá votos para aprovar uma legislação de peso. Os democratas poderão ser forçados a deixar de lado os itens restantes de sua agenda, como a proteção do direito ao aborto e a expansão dos créditos fiscais para famílias com filhos.

Agora com uma maioria estreita, os republicanos encontram dificuldades para eleger o presidente da Câmara. Após dias de impasse, Kevin McCarthy (R-CA) foi eleito na 15ª rodada de votação, somente após fazer concessões para a ala mais radical do GOP.

Nesse contexto, os republicanos estão posicionados para adotar uma velha estratégia.

Donald GOP | Free SVG

Crédito: Donald GOP | Free SVG

Quando um democrata esteve na Casa Branca nas últimas décadas, os republicanos do Congresso abraçaram os pedidos de redução dos gastos do governo, argumentando que a dívida e os déficits estavam fora de controle. Na década de 2010, os republicanos usaram essas ameaças para bloquear as contas de gastos e tornar mais difícil para Barack Obama cumprir sua agenda presidencial – às vezes arriscando paralisações do governo (shutdowns) e calamidade econômica. Paradoxalmente, enquanto Donald Trump esteve na Casa Branca, os legisladores republicanos aprovaram orçamentos e medidas fiscais que elevaram a dívida e os déficits a novos patamares. Ademais, os republicanos da Câmara poderão usar a ameaça de paralisações e consequências econômicas para conter o presidente Biden. Trump já pressionou os legisladores do partido a usar essas táticas para obter concessões dos democratas.

Antecipando que haveria uma “onda vermelha” que varreria os democratas das duas casas do Congresso, Trump foi o grande perdedor das midterms. O ex-presidente desejava que esta eleição fosse toda sobre ele. Seus comícios, nominalmente encenados para aumentar o apoio aos candidatos republicanos em qualquer estado em que ele desembarcou, foram intensamente concentrados nele mesmo.

Como vimos acima, o tsunami republicano não aconteceu, o que foi uma surpresa – e não apenas porque derrubou a sabedoria convencional de Washington. A pesada derrota no meio do mandato para o partido de um presidente em exercício durante seu primeiro governo é vista como a norma, um efeito de pêndulo quase governado pelas leis da natureza. Barack Obama perdeu 63 assentos na Câmara em 2010, assim como Bill Clinton, que perdeu 52, em 1994. O próprio Trump perdeu 40, em 2018. Desta vez, porém, as perdas democratas foram muito menores, apesar da conjuntura de grandes dificuldades econômicas e dos baixos índices de votação para os democratas. Como Biden conseguiu resistir a essa tendência histórica? A resposta está, em parte, com Trump.

Não foi apenas o talento de Trump para escolher candidatos ruins em estados que os republicanos tinham de vencer (e precisarão vencer novamente em 2024). Foi a transformação que ele fez no próprio Partido Republicano. A maioria desses candidatos questionou, ou negou totalmente, a legitimidade das eleições de 2020. Isso permitiu que os democratas, a começar pelo próprio Biden, argumentassem que, quaisquer que fossem as queixas que os eleitores tivessem com o manejo da economia pelo partido, tinham que votar nos democratas para salvar a democracia.

Lideranças republicanas e a disputa presidencial em 2024

Outro ponto importante é a cisão criada por Trump nas fileiras da legenda. Embora os partidos políticos sejam permeados de disputas internas, neste caso, há um processo de personalização que busca transformar o partido em uma estrutura subordinada ao trumpismo. A agenda partidária seria guiada pela lógica dos interesses de um líder, e não mais de uma ala.

Cercado por aliados, conselheiros e influenciadores conservadores, Trump anunciou que vai concorrer novamente à Presidência (vídeo abaixo), em 2024, em um discurso repleto de afirmações espúrias e exageradas sobre seus quatro anos no cargo. Apesar de uma presidência historicamente divisiva e de seu próprio papel em incitar um ataque ao Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021, Trump pretendia evocar nostalgia por seu tempo no cargo, frequentemente contrastando suas realizações no primeiro mandato com as políticas do governo Biden e com a atual situação econômica. Muitas dessas realizações – de ações estritas de imigração a cortes de impostos corporativos e iniciativas de liberdade religiosa – permanecem profundamente polarizadoras até hoje.

Trump anuncia que se candidatará em 2024

A terceira candidatura presidencial de Trump também coincide com um período de maior perigo legal, já que funcionários do Departamento de Justiça que investigam o bilionário e seus associados revisitam a perspectiva de indiciamentos em suas investigações relacionadas ao republicano. O ex-presidente está sendo investigado por suas atividades antes e durante o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos Estados Unidos e por sua retenção de documentos confidenciais em sua propriedade em Mar-a-Lago depois que deixou o cargo.

As controvérsias jurídicas em torno do ex-presidente funcionam como um catalisador das disputas internas no Partido Republicano, colocando, de um lado, partidários que buscam se beneficiar da visibilidade e do apoio eleitoral do polêmico ex-presidente, assumindo seus discursos radicalizados (muitas vezes mentirosos e negacionistas) e uma postura de oposição ostensiva a um governo considerado ilegítimo. Em geral, são líderes em ascensão dentro da estrutura partidária.

Do outro, lideranças tradicionais do partido enxergam nesse grupo um posicionamento que descaracteriza o partido e tende a torná-lo um mero instrumento dos interesses de Trump. Embora em alguns momentos acabem apoiando posições defendidas por Trump, estão mais abertos ao diálogo com o governo e, em algumas ocasiões, apoiaram políticas democratas, como dito anteriormente. Outros consideram o posicionamento do ex-presidente como deletério para o desempenho eleitoral do partido. Entre eles está o ex-líder (former speaker) Paul Ryan (R-WI) que se coloca como um trumpista arrependido e considera que uma futura candidatura de Trump para a Casa Branca afetaria negativamente os resultados eleitorais do Partido Republicano.

Caracterizam-se, assim, por tentar neutralizar o poder do trumpismo no partido, mostrando-se como uma alternativa conservadora ao radicalismo egocêntrico de Trump. Alguns são figuras com visibilidade nacional, como o ex-secretário da Defesa Mark Esper, enquanto outros são lideranças estaduais. Alguns deles saíram das midterms, inclusive, com potencial para enfrentar o ex-presidente nas primárias para 2024.

Enquanto Trump terminou seu primeiro mandato com o índice de aprovação mais baixo do que qualquer presidente (34%, conforme pesquisa Gallup), os eleitores republicanos viam-no favoravelmente, de acordo com uma sondagem de maio de 2022 da NBC News. Isso por si só poderia dar a Trump uma vantagem significativa sobre os oponentes nas primárias, com os quais os eleitores ainda estão se familiarizando.

Entre esses concorrentes em potencial está Mike Pence, que provavelmente se beneficiaria do alto reconhecimento de nome, devido ao seu papel como vice-presidente. Pence certamente enfrentará uma batalha difícil para cortejar os apoiadores mais leais a Trump, muitos dos quais rejeitaram o ex-vice-presidente depois que ele se recusou a ultrapassar sua autoridade no Congresso e bloquear a certificação da vitória do presidente Joe Biden em 2020.

Trump também pode enfrentar Ron DeSantis, que ascendeu ao status de herói entre os conservadores culturais e que é amplamente considerado uma versão mais polida de Trump. De fato, DeSantis, reeleito governador da Flórida, credenciou-se nestas midterms como o principal adversário para Trump no Partido Republicano. DeSantis está em alta entre os republicanos na Flórida, devido às suas posições contra o isolamento na pandemia, sua combatividade em relação ao governo Biden e à mídia e sua agenda considerada identitária e imigratória. Pesquisas recentes colocam DeSantis como um candidato competitivo para enfrentar Trump no Partido Republicano. Tem acumulado financiamento de campanha de aproximadamente US$ 130 milhões, inclusive de muitos doadores nacionais que também doam recursos para Trump.

Trump e DeSantis são vistos, hoje, no Partido Republicano, como potenciais rivais para a indicação presidencial de 2024. Os contrastes públicos e as tensões nos bastidores refletem o quão ameaçador o governador da Flórida se tornou para o empresário nova-iorquino, mesmo que o 45º presidente dos EUA esteja à frente do grupo em um confronto hipotético nas primárias.

 

* Flávio Contrera é pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), além de pesquisador do INCT-INEU e do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA). Contato: flavio.contrera@unesp.br.

Karina Lilia Pasquariello Mariano é Professora Titular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), na qual coordena o Grupo de Estudos Interdisciplinares em Cultura e Desenvolvimento (GEICD) e participa do Observatório de Regionalismo (ODR), que integram a Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Também é pesquisadora do INCT-INEU. Contato: karina.mariano@unesp.br.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 6 dez. 2022. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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