Brasil

O que esperar das relações Brasil-EUA após as eleições? (I)

Especialistas analisam as relações Brasil-EUA (Crédito: Bakai/Adobe Stock Images)

Dossiê Relações Brasil-EUA

Por Tatiana Teixeira*

Apesar das enormes diferenças programáticas, políticas e ideológicas entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as relações do novo governo brasileiro com os Estados Unidos de Joe Biden devem se pautar pelo pragmatismo, pela conveniência e por interesses pontuais na maioria dos temas, sem grandes ambições, ou rupturas, independentemente das divergências mais visíveis nos discursos.

É o que avaliam especialistas ouvidos pelo OPEU, que citam, ainda, a variável chinesa como importante fator nesta equação.

Comércio, finanças e investimentos: o peso do pragmatismo

Luís Antônio Paulino (Fonte: Vermelho)

Este tripé tem “dinâmica própria, que é mais influenciada por fatores de natureza econômica do que, propriamente, por fatores de ordem política”, afirma o professor Luís Antônio Paulino, da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Marília) e pesquisador do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Hubei (China).

Ao comentar as perspectivas para as relações Brasil-EUA, o ex-secretário-adjunto da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência (2004-2005) faz uma analogia com China e Estados Unidos.

As relações “nunca estiveram em um nível tão ruim como hoje” e, apesar disso, “o comércio bilateral é extremamente forte, a China continua a ser uma grande detentora de títulos da dívida do Tesouro americano, e as empresas americanas, como Apple e Tesla, continuam a depender fortemente de suas vendas para a China”. A lógica seria a mesma no caso do Brasil.

“Vença Lula, ou Bolsonaro, investidores e exportadores americanos e brasileiros continuarão fazendo seus negócios sempre que for conveniente, movidos por suas expectativas de lucros”, analisa Paulino.

E, embora os democratas pareçam ter “certa preferência por Lula”, isso “não os impedirá de manter boas relações com um eventual governo Bolsonaro, se isso for conveniente para eles”, completou o diretor do Instituto Confúcio, da Unesp.

Brasil e a hegemonia EUA-China

Marcos Cordeiro Pires

Marcos Pires (Fonte: Bonifácio)

Independentemente do resultado eleitoral, as relações exteriores do Brasil serão condicionadas pela disputa hegemônica entre EUA e China, vaticina o professor de Economia Política Internacional (Unesp-Marília) e coordenador do Latino ObservatoryMarcos Cordeiro Pires, ao explicar que “o acirramento das rivalidades coloca o governo brasileiro em uma situação desconfortável”. Os EUA já pressionam os países da América Latina para se afastarem da China, mas a economia brasileira criou laços estreitos com o gigante asiático, “dos quais não pode prescindir”, particularmente em seu setor econômico mais dinâmico: o agronegócio.

Nesse contexto, avalia, em que pesem as diferenças entre Bolsonaro e Biden, “o Brasil teria um alinhamento mais estreito com Washington, em especial pelos acordos bilaterais assinados na gestão Trump, e a relação com a China continuaria em um nível aquém de suas possibilidades”.

Com a vitória de Lula, as relações diplomáticas seriam “mais pragmáticas”, buscando “uma acomodação entre as disputas hegemônicas e reincorporando um tema perdido nos últimos seis anos: a integração regional latino-americana”. Em caso de êxito, acrescenta, o Brasil poderá sustentar uma posição “mais autônoma”, embora “dificilmente” alcance envergadura semelhante a 2008, quando foi criado o grupo Brics (acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

A avaliação de Marcos é compartilhada por Lívia Milani, pesquisadora de pós-doutorado no Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (Ippri/Unesp), que vê, por parte do petista, a “possibilidade de ênfases diferentes, mudanças pontuais e boas relações”.

Livia Milani, Visiting Researcher - CLAS

Lívia Milani (Fonte: Georgetown University)

Para os Estados Unidos, ressalta, “nutrir um clima ameno e buscar uma reaproximação no âmbito diplomático condiz com o objetivo estratégico de perpetuar sua hegemonia global e na América Latina”. Isso quer dizer, acrescenta, que, “em um governo Lula, fortalecer o Brics, buscar um regionalismo voltado para a construção da autonomia e renovar a articulação com China e Rússia são ações que se afastam dos interesses da potência”.

Nessa “situação de equilíbrios delicados”, Lívia, que também é pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), não descarta “tensões e desacordos bilaterais”.

“O Brasil buscaria uma estratégia de equilíbrio entre potências, enquanto os EUA esperam maior alinhamento”, argumenta Lívia, frisando que “as relações bilaterais vão depender do cenário, no qual este resultado seja efetivado”, se de normalidade, se de ruptura institucional. No caso deste último, “senadores e representantes americanos pressionariam por revisão e, inclusive, corte da assistência em segurança”.

Segurança

O coordenador do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional da Universidade Federal da Paraíba (GEESI/UFPB), Augusto Teixeira Jr., descreve que a cooperação bilateral em segurança e defesa avançou significativamente na última década, indo de exercícios combinados, como a “Operação Culminating”, à atribuição do status de aliado preferencial extra-Otan.

Augusto TEIXEIRA JÚNIOR | Professor (Full) | PhD Political Science | Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa | UFPB | Departamento de Relações Internacionais | Research profile

Augusto Teixeira Jr. (Arq. pessoal)

O professor lembra, contudo, que, apesar de eleito com uma plataforma de aproximação com os EUA, Bolsonaro se afastou em temas críticos para a segurança internacional, como a guerra na Ucrânia. O comportamento do Brasil na ONU e as declarações presidenciais ilustram um “claro desalinhamento” bilateral.

Nesta arena, Lula já manifestou que o Brasil continuará como não alinhado, pelo “desejo de retornar à busca por autonomia estratégica na inserção do Brasil na ordem multipolar em construção”.

As eleições também apresentam desafios de “natureza estrutural”, pois ambos terão de lidar com o aumento da presença chinesa na América Latina e Caribe. Em um “quadro prevalente de desaceleração global, crise energética e inflação nos EUA”, destaca o professor, “o vencedor terá problemas em coordenar com os EUA de Biden estratégias anti-China no Hemisfério”, com a possibilidade de atritos. Isto pode mudar se a reeleição de Bolsonaro coincidir com a volta de Donald Trump à Casa Branca, indica Teixeira Jr.

 

Tatiana Teixeira é editora do OPEU e professora colaboradora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ).

** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora Tatiana Teixeira, no e-mailtatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas Newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mailtcarlotti@gmail.com.

 

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