Política Doméstica

Necessário, mas insuficiente: o discurso de Biden sobre o direito do voto

Presidente Joe Biden discursa sobre o direito do voto, no National Constitution Center, em 13 jul. 2021, na Filadélfia (Crédito: Evan Vucci/AP)

Por Augusto Fernandes Scapini*

Em 13 de julho, o presidente americano, Joe Biden, pronunciou-se sobre um dos temas mais relevantes na política doméstica americana neste ano: o processo eleitoral, assim como o direito do voto. Em seu discurso proferido no National Constitution Center, localizado na Filadélfia, Pensilvânia, o democrata deixou clara sua posição acerca das críticas e contestações ao processo eleitoral.

Primeiramente, Biden mostra admiração pelo fato de, apesar dos obstáculos e das dificuldades decorrentes da pandemia da covid-19, as eleições de 2020 terem sido a de maior participação (66,8%) na história do país, com mais de 159 milhões de votos, destacando o papel dos jovens e dos eleitores de primeira viagem. Ao mesmo tempo, observou que foram as mais criticadas e escrutinadas, com seus resultados questionados e reavaliados por diversas instituições, incluindo a Suprema Corte, e sendo finalmente reafirmados por cada uma delas.

Neste tópico, Biden faz menção indireta a seu antecessor Donald Trump, ao afirmar que um líder se atém “aos fatos” e não espalha “informações falsas” por não aceitar a derrota. Uma narrativa qualificada pelo ex-vice de Barack Obama como “a grande mentira”, em nome da qual Trump ignorou tradições e protocolos esperados de um presidente em final de mandato, durante um período de transição para um novo governo. Bastante simbólico do hiperpolarizado ambiente em Washington foi a ausência do republicano na cerimônia de posse, em 20 de janeiro.

No pronunciamento, o democrata também utiliza elementos e fatos históricos como meio de comparação com a situação do processo eleitoral no momento presente: a escravidão que negou o status de plena cidadania às pessoas negras, mesmo após o término da Guerra Civil; a negação do voto feminino, até a ratificação da 19ª Emenda, em 1920; as ondas de terror e a perseguição provocadas pela Ku Klux Klan nas décadas de 1950 e 1960; e, finalmente, a recente invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro deste ano. As consequências e a responsabilidade deste evento que chocou o país ainda são contestadas por políticos e apoiadores de Trump e continuam a ser investigadas, em meio a controvérsias, por um comitê selecionado pela presidente da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi (D-CA).

Biden também se coloca contra as duas decisões da Suprema Corte que instigaram maiores restrições ao processo eleitoral: em 2013, quando considerou inconstitucional uma das principais seções da “Voting Rights Act”, promulgada em 1965, uma lei que buscou superar as barreiras legais impostas às minorias raciais no exercício de seu direito ao voto; e, novamente, em junho deste ano, quando decidiu a favor da permanência de legislações republicanas que impõem certas restrições ao processo do voto – como a não contagem de votos lançados na seção eleitoral errada e a proibição da prática de “coleta de votos”, com certas exceções.

Direitos ameaçados

Biden destaca que, em 17 estados diferentes, foram promulgadas 28 novas leis que tornam mais difícil o voto no país, com cerca de 400 atos legislativos ainda sendo propostos e divulgados por republicanos. Em particular, uma dessas novas legislações foi promulgada em março deste ano, na Geórgia – um dos estados tipicamente apoiadores de candidatos republicanos, mas que, nas eleições de 2020, foi crucial para a vitória de Joe Biden. Analisada por especialistas, essa lei impõe mais restrições aos eleitores e, recentemente, foi desafiada pelo Departamento de Justiça americano. O presidente, então, denomina esses esforços legislativos de um “ataque Jim Crow do século XXI”, em referência às leis Jim Crow que, após a Guerra Civil americana, procuraram restringir os direitos civis da população negra por meios legais.

“Estamos enfrentando o teste mais significativo da nossa democracia desde a Guerra Civil. Isso não é uma hipérbole. Desde a Guerra Civil. Os Confederados naquela época nunca invadiram o Capitólio como os insurgentes fizeram no dia 6 de janeiro”, declarou o presidente democrata.

Remembering Rep. John Lewis: A civil rights icon

Representante John Lewis, em entrevista coletiva antes da votação na Câmara do projeto de lei H.R. 4, The Voting Rights Advancement Act, em 6 dez. 2019, em Washington, D.C. (Crédito: Mark Wilson/Getty Images)

Na sequência, o democrata expressa seu apoio ao “For the People Act” e ao “John Lewis Voting Rights Advancement Act”, dois projetos de lei que buscam expandir os direitos eleitorais da população, dizendo que cabe aos legisladores, tanto republicanos quanto democratas, trabalharem juntos para aprová-los. Por fim, o presidente convoca a população a agir, recorrendo a uma fala do falecido representante do Congresso John Lewis, cujo nome é homenageado pelo projeto de lei: “Liberdade não é um estado. É um ato”.

A fala de Biden foi a muito esperada resposta direta do presidente aos acontecimentos do final de 2020, colocando, definitivamente, a luta pelos direitos eleitorais como uma das prioridades de sua administração. Neste mérito, em um comunicado oficial divulgado em abril, o presidente havia manifestado seu apoio a tornar o Distrito de Columbia um estado, a fim de oferecer aos residentes de D.C. a devida representação política. Esta é uma causa presente nos círculos de discussão pública há décadas e que, no mesmo mês, teve seu projeto de lei, o “Washington, D.C. Admission Act”, aprovado pela Câmara dos Representantes pela primeira vez.

O discurso do dia 13 foi, no entanto, acompanhado de críticas da imprensa americana, que cobrou mais ações de Biden. Afinal, o presidente não denunciou as chamadas técnicas de filibuster, ou “obstrucionismo político”, praticadas por legisladores, neste caso republicanos, a fim de evitar a aprovação de um projeto de lei, por meio do prolongamento dos debates. Outras críticas destacaram que Biden, apesar de se posicionar contra as restrições eleitorais, não traça um plano concreto para uma união bipartidária, tão defendida e prometida por ele durante sua campanha presidencial. Para muitos, este é o único meio de promover o avanço dos direitos eleitorais no país e garantir sua perenidade.

 

* Augusto Fernandes Scapini é pesquisador colaborador do OPEU e graduando em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ).

** Recebido em 26 jul. 2021 e publicado sob a supervisão da editora do OPEU e professora colaboradora do IRID-UFRJ, Tatiana Teixeira. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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