Heritage Foundation, o think tank de Trump

por Tatiana Teixeira

Elemento distintivo da cultura política americana, os think tanks e seus especialistas têm uma janela de oportunidade renovada a cada quatro (ou oito) anos em Washington, DC. A cada ciclo eleitoral presidencial, seus membros costumam ser convocados para fornecer sua expertise em grupos temáticos nas campanhas republicana e democrata. E, a depender do resultado nas urnas, podem ser convidados para integrar o governo em seus diferentes departamentos e escalões para ajudar na elaboração, análise e monitoramento de políticas públicas em áreas tão diversas quanto segurança nacional, saúde, ou educação. Cada governo e, sobretudo, cada presidente estabelece uma relação própria com esses potenciais conselheiros, apoiando-se algumas vezes mais, outras vezes menos, nesses pesquisadores e nas instituições às quais eles estão vinculados.

O presidente Barack Obama teve em seu governo egressos, entre outros, da Brookings InstitutionCenter for American Progress (CAP), Center for a New American SecurityCouncil on Foreign Relations (CFR), enquanto Bill Clinton é lembrado por seus estreitos laços com o Progressive Policy Institute. O republicano George W. Bush ficou marcado, principalmente, por sua relação com o American Enterprise Institute (AEI), a Heritage Foundation e com o até então considerado um think tank (hoje inativo, visto agora como um grupo de pressão) Project for the New American Century (PNAC). Seu correligionário Ronald Reagan contou especialmente com a Heritage Foundation e sua série de livros Mandate for Leadership, divulgada em janeiro de 1981, assim como com o AEI e a Hoover Institution e sua coletânea de ensaios The United States in the 1980s.

Nos bastidores da transição

No início do atual mandato, com o presidente Donald Trump se cercando, principalmente, de lideranças militares e empresariais nos mais altos cargos, houve especulações de que os think tanks perderiam espaço de atuação no Executivo. Esse distanciamento entre think tanks e Casa Branca aconteceu em tempos recentes, na gestão de George W. Bush pai, político veterano e com experiência em política externa, que tentava se descolar do perfil de liderança reaganiano.

Durante a tumultuada campanha de 2016, especialistas de vários institutos de diferentes orientações políticas (como Peterson Institute for International Economics, CFR e Center for Strategic and International Studies) chegaram a assinar cartas contra Trump e contra sua candidatura. E, pelo que se viu até o momento da dinâmica presidencial, a menos que as circunstâncias e seu pragmatismo o levem na direção contrária, Trump não costuma relevar desafetos, ou críticas e gestos que questionem sua capacidade. A Heritage não apenas não endossou nenhum desses documentos, como ofereceu sua contribuição, por meio de seu Blueprint for a New Administration. Esse relatório é assinado por várias pessoas que atuaram na equipe de transição.

A exceção mais significativa neste universo foi a Heritage Foundation. Ainda que nos bastidores, a instituição teria vários de seus integrantes colaborando com Trump em orçamento e políticas externa e doméstica, por exemplo, desde o período de transição – aquele que vai da vitória nas urnas até a posse efetiva. Embora especialistas de outros institutos também tenham colaborado com a equipe de transição, como o American Enterprise Institute (AEI), a Hoover Institution, o Manhattan Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Institute for Energy Research, ou a Texas Public Policy Foundation, nenhum outro think tank esteve tão próximo da equipe de transição trumpista e com tantos representantes quanto a Heritage.

Convergência de ideias

“Eu disse a Donald Trump em um encontro, que eu acho que foi antes da convenção (do GOP), que poderíamos ajudar a fornecer pessoal e políticas que poderiam ajudar a Fazer a América Grande De Novo”, afirmou o então presidente da instituição, o ex-senador Jim DeMint (R-SC), em uma referência ao slogan de campanha do empresário nova-iorquino. “Então, só de estarmos preparados (…) muitas dessas questões, com as quais Donald Trump está trabalhando – revogar o Obamacare, garantir a segurança das fronteiras e evitar a anistia (dos imigrantes em situação ilegal) e drenar o pântano –, são questões nas quais a Heritage vem construindo apoio há anos”, completou DeMint. Após uma polêmica gestão, ele foi pressionado a deixar a Heritage. Entregou o cargo em maio de 2017 e foi substituído por Kay Coles James, em dezembro do mesmo ano.

Em convergência com as promessas de campanha do republicano, a agenda dos 100 dias de governo da Heritage era dedicada, sobretudo, a “revogar e substituir” o Obamacare, tornar a política migratória mais rigorosa e rever e desmontar as regulações adotadas na gestão anterior.

Episódio bastante simbólico dessa aproximação e preferência, um mês após a vitória eleitoral, o vice-presidente Mike Pence discursou no jantar anual do Clube do Presidente dessa instituição. O evento foi realizado no novo hotel de Trump, situado na Pennsylvania Avenue. “Conseguimos. Foi uma vitória que nasceu das ideias”, celebrou Pence.

Entre os nomes que trabalharam na transição, está o vice-presidente da Heritage para Estudos Políticos de Relações Exteriores e Defesa, James Carafano, um militar de carreira que atuou na equipe responsável pelas questões de política externa. Também esteve ativo o ex-presidente da Heritage Ed Feulner, o ex-procurador geral no governo Reagan e associado da instituição Edwin Meese, assim como Becky Norton Dunlop, outro membro da Heritage que também trabalhou na gestão Reagan.

Heritage no governo

O ostracismo da Heritage no governo democrata de Barack Obama acabou levando a organização a trabalhar alinhada com o radical Tea Party, grupo ao qual DeMint era ligado. O movimento gerou conflitos com os conservadores republicanos tradicionais, ajudando na aproximação com Trump. Entre os nomes recomendados pelo think tank e que entraram no governo Trump estão Scott Pruitt (agora ex-diretor da EPA), Betsy DeVos (secretária da Educação), Mick Mulvaney (diretor do Escritório de Gestão e Orçamento), Rick Perry (secretário de Energia) e Jeff Sessions (procurador-geral dos EUA). De acordo com a Heritage, quase 70 nomes saíram da instituição, ou foram indicados por ela. Muitos ainda estariam esperando confirmação do Senado.

Depois de um ano de mandato, a Heritage celebrou o fato de, nas palavras da organização, o presidente e seu governo terem adotado “quase dois terços das recomendações políticas” feitas no Mandate for Leadership, ou seja, 64% dessas sugestões foram incorporadas ao orçamento, implementadas, ou estão sendo avaliadas para serem postas em prática. De acordo com o diretor de Relações com o Congresso e com o Executivo da Heritage, Thomas Binion, “estamos impressionados. Trump é muito ativo, muito conservador e muito eficiente”. Segundo ele, nesse mesmo estágio do governo, Reagan tinha adotado 49% das recomendações da Heritage.

Em geral, os think tanks exageram em sua importância e impacto para reforçar a imagem de ator relevante e, entre outras coisas, atrair mais doadores e abrir novos espaços de atuação. Neste caso, independemente da precisão dos números, há um consenso entre analistas e políticos do peso da Heritage na gestão Trump.

Mandate for Leadership é uma série de cinco publicações, com 334 recomendações políticas em todas as áreas, divididas em: Blueprint for Reform: A Comprehensive Policy Agenda for a New Administration in 2017, Blueprint for a New Administration: Priorities for the President, Blueprint for Reorganization: An Analysis of Federal Departments and Agencies, Blueprint for Reorganization: Pathways to Reform and Cross-Cutting Issues e Blueprint for Balance: A Federal Budget for Fiscal Year 2018.

Como exemplos de sua influência, a instituição menciona a retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre o clima, aumento dos gastos militares, reforma das agências governamentais para redução de custos, pessoal e tamanho, ou a saída da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Em um raro momento, Trump elogiou DeMint pela sugestão do juiz conservador Neil Gorsuch para ocupar a cadeira de Antonin Scalia na Suprema Corte. “Também da Heritage, Jim DeMint tem sido incrível. Essas pessoas têm sido fantásticas, são amigos de verdade”, declarou.

Think tanks americanos

Criada em 1973, a Heritage Foundation funcionou, durante muito tempo, como o novo tipo de think tank a ser seguido pelas instituições conservadoras para vencer a guerra das ideias. Diferentemente de seus congêneres, seus trabalhos eram escritos de forma mais curta e objetiva, sem prolongadas explicações teóricas e sem isentismo partidário. O marketing na propagação das ideias se tornou mais agressivo e com o objetivo declarado de influenciar pontual e diretamente o processo político. Aproveitar as janelas de oportunidade no Congresso para afetar esta ou aquela legislação passou a ser crucial. Também se tornou crítico estar pronto para colaborar nas campanhas eleitorais. Além de ter montado uma rede interconectada de especialistas conservadores (o Project to Restore America, lista criada em 2014 pela Heritage), a organização deveria ser capaz de fornecer nomes para reforçar, no Executivo, uma agenda dedicada à implantação de um governo com atuação limitada do Estado, à liberdade individual, à livre-iniciativa, aos valores tradicionais e a uma segurança nacional forte.

De acordo com a última edição do ranking anual mais conhecido sobre o tema – o Global Go To Think Tank Index Report, do prof. James McGann, da University of Pennsylvania (UPenn)–, existem hoje pelo menos 1.835 desses institutos nos Estados Unidos. Com uma produção voltada para o aconselhamento político, os think tanks e seus relatórios, informes e policy briefs se distinguem de seus pares exclusivamente acadêmicos e têm-se especializado cada vez mais por áreas, ou temas. A maioria (90,5%) surgiu a partir de 1951, estimulada pelo novo e predominante papel dos Estados Unidos na cena internacional e, consequência disso, pela necessidade de conhecer e entender o mundo naquele que seria o “Século Americano”. Esse número mais do que dobrou desde os anos 1980, com cerca de 25% deles situados em Washington, DC. A localização geográfica não é à toa. É preciso estar o mais perto possível do centro do poder para garantir mais visibilidade, influência, contatos e recursos e, em última análise, a sobrevivência institucional.

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