Participação dos EUA na COP-25 e novos retrocessos na regulação ambiental americana

Os trágicos incêndios na Austrália como mais um contraponto aos negacionistas climáticos

Por Pedro Vasques*

Na primeira semana de dezembro de 2019, foi realizada a COP-25, a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Transferido para Madri ante a instabilidade política experimentada no Chile, local onde inicialmente seria realizado, o evento teve seu resultado sintetizado por partidários da regulação climática como uma espécie de adiamento até a próxima conferência, em 2020, que ocorrerá em Glasglow.

Mesmo que diversos dos referidos atores tentem minimizar os impactos da posição do presidente norte-americano, Donald Trump, para a construção de um acordo climático global mais contundente, resta pouca dúvida de que suas ações – que incluem, mas não se resumem à saída do Acordo de Paris – contribuem tanto para paralisar as tratativas como para desarticular arranjos internacionais. Importante lembrar que Trump não foi o primeiro republicano a atacar um tratado climático negociado durante uma administração democrata anterior. Isso também ocorreu com o Protocolo de Quioto, neste caso, sob decisão de George W. Bush, em 2001.

A quebra do tripé Estados Unidos, União Europeia e China implicou a reorganização da estratégia do país asiático. Mesmo ostentando a condição de maior emissor de gases de efeito estufa, Pequim passou a indicar que avançaria em seus compromissos apenas se o continente europeu endossasse o objetivo de atingir a neutralidade de carbono até 2050 e prometesse cortar as emissões em pelo menos 55% até 2030. Ainda que haja a expectativa de que a União Europeia atue como protagonista nessa questão – postura essa que vem sendo decisiva em diversas das conferências anteriores –, no atual momento, para que isso ocorra, será necessário lidar não apenas com a oposição da Polônia (vide a elevada dependência do país ao carvão), mas também com a ascensão das extremas direitas, nacionalismos e retrações econômicas.

Clima e multilateralismo sob fogo

A despeito de a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris implicar a não adesão voluntária ao compromisso de redução das emissões, o país continuará participando das negociações climáticas, uma vez que remanesce integrado à UNFCCC. A atuação norte-americana na COP-25 explicitou essa nova dinâmica. Ou seja: a delegação enviada por Trump – em convergência com representantes de outros países, como Brasil e Arábia Saudita – atuou ativamente para atrapalhar as negociações, incidindo sob pontos sensíveis para países e ilhas já expostos aos efeitos das mudanças climáticas e não apenas direcionados ao futuro. Entre estes pontos, está o direcionamento de recursos financeiros para perdas e danos já ocorridos.

Tal episódio reforça a intenção de enfraquecer tanto a Conferência quanto a própria aposta no multilateralismo, diminuindo ou retirando de países pobres e periféricos – notadamente os mais afetados pelas alterações climáticas – um dos poucos espaços em que possuem voz e capacidade de iluminar suas demandas. Ao final, entre diplomatas, especialistas, ativistas, jornalistas e lobistas do setor de combustíveis fósseis, o texto elaborado fixou que, até a próxima conferência, em 2020, os países terão de apresentar compromissos mais ambiciosos para reduzir emissões e enfrentar os impactos das mudanças climáticas.

Tal como mencionado em oportunidade anterior, a dinâmica de retrocessos ambientais propostos por Trump e sua decisão de deixar o Acordo de Paris, em um primeiro momento, indicaram que haveria um certo distanciamento do governo federal das negociações climáticas. Isso não se mostrou verdadeiro, já que a delegação norte-americana efetivamente participou da Conferência, ainda que para miná-la. No âmbito da emergência dessa janela de oportunidade política, representantes de diversos Estados norte-americanos, da iniciativa privada e da sociedade civil organizada iniciaram novas articulações, sem incluir a participação do Executivo Federal.

Durante a COP-25, a esses grupos que vêm construindo uma pluralidade de estratégias de atuação, a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, passou a incluir a participação do Legislativo Federal – ainda que essa decisão não possua implicações formais e diretas nas negociações. Em sua declaração – que, em certa medida, confere unidade a grupos distintos de democratas na Câmara, especialmente, aqueles mais à esquerda e que defendem a instituição de um Green New Deal –, Pelosi sustentou que o país adotará medidas contra os gases de efeito estufa e se envolverá no debate climático, apesar da atuação contrária à cooperação internacional adotada por Trump. Visando a minar parte das incertezas criadas pelo presidente republicano, reiterou o compromisso do país com a questão e associou-a a temas tradicionalmente caros aos norte-americanos, como controle da qualidade do ar e da água, prosperidade econômica e segurança nacional, culminando com a defesa sobre a importância de que os EUA façam cortes profundos em suas emissões.

Retrocesso na política ambiental americana

Passado pouco mais de um mês do início da COP-25, em janeiro de 2020, Trump apresentou uma proposta de alteração significativa nos mecanismos legais de operacionalização da lei que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente dos Estados Unidos (NEPA), implicando um novo ataque às articulações climáticas. O documento, que se encontra sob consulta pública até março, foi formalmente introduzido pelo Conselho de Qualidade Ambiental da Casa Branca, e é descrito como uma medida de atualização dos regulamentos relacionados à implementação das disposições processuais da NEPA.

No escopo das alterações propostas, é possível observar retrocessos regulatórios muito familiares àqueles verificados na legislação brasileira, em especial, a partir da crise elétrica experimentada no país no início dos anos 2000. Entre outros pontos, é possível destacar medidas que visam a acelerar o licenciamento de grandes empreendimentos de infraestrutura, excluir análises voltadas para a avaliação de impactos cumulativos, concentrar a supervisão dos processos em menos agências, simplificar os estudos de impacto ambiental (EIA, na sigla em inglês) e reduzir seus prazos máximos de elaboração, bem como ampliar as categorias de empreendimentos que podem ser dispensados da análise de seus impactos ambientais.

A proposta, que foi bem recebida e é apoiada pela indústria, vem sendo objeto de crítica uníssona de ambientalistas. Caso vá adiante, espera-se que seja contestada judicialmente. Sobre esse aspecto, ressalta-se que, em levantamento feito pelo Institute for Policy Integrity da New York University Law School, constatou-se que, dos 70 casos de políticas públicas levados à Justiça por conta do uso de agências federais para desregular e para priorizar outras abordagens (e que já foram julgados) apenas quatro tiveram decisão favorável à Administração Trump. E, nos referidos casos, apenas em dois as decisões foram proferidas por juízes indicados por presidentes republicanos. Nesse cenário, imagina-se não apenas que a disputa judicial seja inevitável, trazendo incerteza jurídica ao contexto econômico norte-americano, mas também que a vitória do governo federal não está dada. Em especial, se for considerado que as cortes federais norte-americanas há décadas vêm-se posicionando em favor da validade da NEPA e defendendo sua aplicação em inúmeras situações.

Ocorre que, embora Trump esteja cumprindo as promessas que fez no curso de sua campanha, as primeiras pesquisas eleitorais de final de 2019 e início de 2020 colocam o debate sobre mudanças climáticas como prioritário em vários grupos do eleitorado norte-americano. Afinal, as medidas atuais não necessariamente vêm refletindo uma maior oferta de empregos e de oportunidades, ainda que a flexibilização regulatória endereçada à indústria (em especial, à extrativa mineral) tenha ampliado sua produção.

Na Flórida, por exemplo, um survey realizado em outubro do último ano por um centro de pesquisa ambiental da Florida State University identificou que 56% dos eleitores do referido estado entendem que as mudanças climáticas são reais e que são causadas pela atividade humana (44% entre os republicanos, 59% nos independentes e 70% entre democratas). No campo democrata, pesquisas em Estados como Iowa e New Hampshire colocam o clima como um tema prioritário a ser abordado nos debates pelos candidatos.

Afirmar que os resultados acima destacados, de fato, influenciarão de forma significativa a dinâmica eleitoral e, em certa medida, implicarão uma mudança de comportamento do atual presidente norte-americano como parte de sua estratégia à reeleição ainda pode ser prematuro. Mesmo que isso ocorra, os resultados colhidos nos três primeiros anos de seu mandato deixam pouca margem para imaginar que será possível observar ações palpáveis, que ultrapassem o plano discursivo e estejam orientadas na direção oposta ao que foi desenvolvido em seu primeiro governo.

Assim, se a COP-25 foi percebida como o adiamento de um ano nas negociações climáticas, é provável que uma nova vitória de Trump no pleito eleitoral implique adicionar a essa conta mais quatro anos de atraso e uma vasta coleção de novos retrocessos.

 

* Pedro Vasques é pós-doutorando pelo INCT-INEU, pesquisador associado do Cedec e doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

** Recebido em 17 jan. 2020.

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