Em dois anos, Trump emplaca 2º juiz no Supremo

por Tatiana Teixeira

Depois de um processo desgastante em meio a denúncias de assédio e agressão sexual, o juiz Brett Kavanaugh foi empossado na Suprema Corte dos Estados Unidos, no dia 6 de outubro. Apenas algumas horas antes, o controverso indicado do presidente Donald Trump teve seu nome aprovado no Senado, por 50 votos a 48, superando, assim, semanas de protestos de ativistas dos direitos civis, pró-escolha e das mulheres, assim como de militantes do movimento #MeToo.

A chegada ao Supremo desse juiz veterano da Corte de Apelações do Circuito do Distrito de Colúmbia altera consideravelmente o relativo equilíbrio entre conservadores e progressistas e/ou moderados na mais alta instância do Poder Judiciário do país. Também vai sinalizando que a Presidência do outrora anedótico magnata deixará na sociedade americana um legado e marcas mais profundas e duradouras do que se antecipava.

Vitória histórica para Trump

A nomeação de Kavanaugh marca uma vitória histórica para o presidente Trump, que acumula capital político ao indicar seu segundo juiz ao Supremo em menos de dois anos de mandato. Também foi um dos raros momentos recentes de união do GOP, cada vez mais dividido desde a chegada do magnata nova-iorquino ao poder. Foi ainda um êxito para o líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell (R-KY), que conseguiu antecipar e garantir a aprovação antes das eleições de meio de mandato e de uma possível mudança no perfil da Casa. A manobra inversa já tinha sido feita por McConnell. Em abril de 2017, o juiz conservador Neil Gorsuch foi confirmado para uma vaga aberta durante o governo Barack Obama, após o falecimento de Antonin Scalia no início de 2016. Os republicanos conseguiram adiar essa votação para depois das eleições.

Kavanaugh ocupará a vaga de Anthony Kennedy, de 81 anos. Considerado um swing vote, ele anunciou sua aposentadoria em junho passado. Em ano de midterms, com os republicanos enfrentando uma crescente onda azul, esse resultado ajuda a reforçar o apelo dos candidatos – especialmente os que buscam a reeleição – junto à sua base, sobretudo, nos redutos evangélicos e de forte defesa da bandeira pró-vida.

“Estamos muito felizes com isso. Grande decisão. Eu realmente aprecio esses 50 grandes votos. E acho que ele seguirá como um juiz muito brilhante na Suprema Corte por muitos anos. Muitos anos. Ele foi escolhido por sua índole, por seu passado incrível, por seus extraordinários anos nos tribunais. Ele tem um histórico extraordinário. Um acadêmico brilhante – um acadêmico muito brilhante. Top”, comemorou Trump. “Estamos muito honrados que ele tenha sido capaz de enfrentar este terrível, horroroso ataque dos democratas. Foi um ataque horroroso, pelo qual ninguém deveria passar”, insistiu o presidente, que chegou a ironizar as supostas vítimas.

Votação sob pressão eleitoral

A senadora Lisa Murkowski (R-AL) foi a única republicana dissidente. Já sua colega e correligionária Susan Collins (R-ME), com quem costuma ter convergência de interesses e de voto, deu o “sim” final para a aprovação de Kavanaugh. Enquanto uma disse votar com a consciência, por conta das denúncias e da questão do aborto, a outra alegou que, bloquear a indicação com base em alegações não comprovadas, seria danoso ao processo de confirmação da Casa. Informação relevante: Lisa enfrenta uma nova corrida eleitoral apenas em 2022.

Em contrapartida, sob forte pressão eleitoral em busca de um novo mandato, o senador Joe Manchin (D-WV) foi o único democrata a apoiar a indicação de Kavanaugh. Em 2016, o então candidato Trump venceu no estado da Virgínia Ocidental por mais de 40 pontos em relação à democrata Hillary Clinton. Salvo Manchin, democratas que disputam a reeleição por estados onde o presidente venceu por mais de dois dígitos já começaram a ser atacados pelo voto contra Kavanaugh.

Para o líder da minoria nesta Casa, o democrata Charles Schumer (D-NY), tratou-se de “um dos momentos mais tristes da história do Senado”, com “a maioria republicana conduzindo um dos menos transparentes, menos justos e mais enviesados processos na história do Senado”. Nessa mesma linha, as juízas do Supremo Elena Kagan e Sonia Sotomayor advertiram que a polarização política do país ameaça a reputação da Suprema Corte como um árbitro neutro. Embora os republicanos tenham dito se tratar de um resultado “bipartidário”, apoiando-se no voto de Manchin, este foi o placar mais apertado em uma aprovação à Suprema Corte desde Stanley Matthews, por 24-23, em 1881.

Escândalo sexual

No meio do já tumultuado processo de confirmação, surgiram três acusações de assédio sexual, que teriam sido cometidas pelo candidato ao Supremo quando era um estudante de Ensino Médio e na Faculdade, nos anos 1980. A primeira delas, a que teve mais visibilidade e foi levada mais a sério, partiu da acadêmica Christine Blasey Ford, ex-colega de Kavanaugh no Ensino Médio. Ambos testemunharam na Comissão de Justiça do Senado, em audiências a portas abertas e transmitidas ao vivo em 27 de setembro.

Na Comissão, Christine Ford teve um desempenho visto como convincente e uma postura mais aberta do que a de Kavanaugh a que os fatos fossem esclarecidos. Já havia se submetido a um polígrafo e se colocou à disposição do FBI (a Polícia Federal americana) para colaborar nas investigações. Em seu testemunho, o indicado de Trump permaneceu, por sua vez, na defensiva, com um comportamento agressivo, fugindo de respostas objetivas. Em artigo de opinião posterior, publicado no Wall Street Journal, ele se justificou, alegando estar sob forte estresse. Defendeu sua sólida carreira, seu respeito pelas mulheres, sua imparcialidade e sua capacidade de atuar para além das disputas partidárias e de servir na mais alta corte do país. “Sou um juiz pró-lei”, afirmou. Talvez por isso tenha causado estranheza sua resistência e não aceitação inequívoca e enfática de uma nova investigação do FBI.

Ele também foi acusado por Deborah Ramirez de expor a genitália para ela em uma festa na Universidade de Yale, enquanto Julie Swetnick relatou ter visto Kavanaugh em eventos, onde garotas eram apalpadas sem seu consentimento, e “estupros coletivos” aconteciam. Esta última denúncia foi considerada pouco crível.

Kavanaugh negou e nega todas as acusações de forma categórica, alegando que os democratas o escolheram como bode expiatório pela derrota nas urnas em 2016 e pelo ódio a Trump. Os republicanos culparam os democratas por insistirem nas denúncias para atrasar o processo até depois das midterms. Lamentavelmente, o jogo de empurra político acabou esvaziando o debate e a reflexão sobre o assédio sofrido pelas mulheres e a dificuldade, até os dias atuais, de denunciarem e falarem abertamente sobre isso sem serem julgadas, postas sob suspeição, ou ignoradas.

Após o testemunho de Christine e Kavanaugh, chegou-se a um acordo para que o FBI tivesse mais uma semana para investigar as novas alegações. Depois, a votação seria levada ao plenário. Enquanto os republicanos alegaram que o relatório do FBI não apontou evidências que corroborassem as denúncias, os democratas reclamaram que foi insuficiente e de âmbito limitado, com o objetivo de proteger o candidato da Casa Branca.

Indicação cercada de polêmicas

Além das denúncias, a indicação de Kavanaugh também mobilizou ativistas críticos de sua passagem pelo governo de George W. Bush, em meio à chamada Guerra Global ao Terror (GWOT, na sigla em inglês) e à implantação de duras medidas de segurança nacional (entre elas a condenável prática de tortura nos interrogatórios de presos suspeitos de terrorismo). Ele também foi questionado e/ou criticado por seu histórico e posição em questões como posse e porte de armas, poder presidencial, liberdades individuais, ou aborto. Neste último item, várias organizações temem que seja possível a reversão da jurisprudência estabelecida com o caso Roe vs. Wade.

O movimento foi ruim para os representantes republicanos da Câmara por estimular mulheres jovens a tomarem as ruas, em protesto contra Kavanaugh. Esse grupo eleitoral é considerado chave para os democratas, que já intensificaram seu chamado. Pesquisas mostram que, em reação a Trump e na esteira do #MeToo, as mulheres jovens têm-se mostrado cada vez mais dispostas a irem votar em 6 de novembro. Uma pesquisa divulgada pela PBS NewsHour/NPR/Marist apontou que 52% das mulheres acreditam que Christine Ford contou a verdade, contra 27% que disseram acreditar em Kavanaugh.

Em 1991, a confirmação do então juiz Clarence Thomas também foi manchada por uma denúncia de assédio sexual, em um episódio que expôs a cultura machista vigente no Senado. Ex-assistente de Thomas, Anita Hill, mulher e negra, foi submetida a uma sabatina inquisidora e de tom incriminatório, feita por um painel formado apenas por homens brancos. O ano seguinte, marcado pela vitória democrata na corrida presidencial, foi chamado de “Ano da Mulher”. Algumas coisas mudaram deste então. A atual legislatura conta com 23 senadoras (17 democratas e seis republicanas), das quais quatro são afrodescendentes. Até hoje, o Congresso americano teve 54 senadoras: 34 democratas e 18 republicanas.

Uma Suprema Corte nada representativa

Assim como o Senado, a Suprema Corte ainda não é das instituições mais representativas, nem em gênero, nem em termos raciais. Desde sua primeira sessão, em 1790, o Supremo americano contou com 113 juízes. Destes, 107 foram homens brancos (serão 108 com Kavanaugh). A primeira mulher a entrar na Casa foi Sandra Day O’Connor, por iniciativa do então presidente Ronald Reagan, em 1981. A segunda, Ruth Bader Ginsburg, foi nomeada no governo Bill Clinton, em 1993. Na sequência, vieram Sonia Sotomayor, em 2009, e Elena Kagan, em 2010, ambas na gestão Barack Obama. Até hoje, Sotomayor é a única pessoa de origem hispânica a atuar na corte, que registra apenas dois juízes afro-americanos: Thurgood Marshall, indicado por Lyndon Johnson, em 1967; e Clarence Thomas, por George Bush pai, em 1991.

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