Nuvens escurecem o panorama econômico ensolarado de Trump

Há mais sinais de desaceleração, já que o estímulo aos cortes de impostos mostra-se fraco, temporário e, talvez até, contraproducente.

 

pelo Conselho Editorial

Traduzido do The New York Times*

 

Como um Fusca da Volkswagen montado com um motor V-8, a economia americana tem muito mais potência do que pode sustentar agora, e ela vem fazendo muito barulho. O mesmo se aplica ao presidente Trump, que assume crédito singular pelo aumento robusto do Produto Interno Bruto (PIB) em de 4,1% no segundo trimestre, algo que não aconteceu com nenhum outro presidente desde … Barack Obama. Enquanto Trump elogia-se efusivamente – ele é bom nisso, não é? -, o mercado de ações parecia pouco impressionado. O anúncio de sexta-feira, de que 157.000 novos empregos foram adicionados em julho, um ganho modesto ou talvez uma falha sazonal, provocou reação ainda mais moderada. Isso porque, se você olhar mais embaixo, há poucas razões evidentes para entusiasmo.

“Acima de tudo, vemos este relatório como corroborativo de nossa visão de que a economia está a todo vapor atualmente”, escreveu Bricklin Dwyer, economista sênior do BNP Paribas, depois que os novos números do PIB foram anunciados. Mas com uma ressalva: Dwyer disse que “o crescimento, provavelmente, está chegando ao máximo. De fato, nas nossas previsões, (o segundo trimestre) marca um ponto alto para o crescimento.”

Por um lado, o impacto inicial dos cortes de impostos de US$ 1,5 trilhão dos republicanos, principalmente para as corporações e os ricos, está acabando. As corporações compraram de volta US$ 437 bilhões de suas próprias ações, o que lhes deixa muito menos para investir em nova produção ou salários. Na verdade, os gastos com equipamentos comerciais diminuíram.

Depois, há a curva de achatamento de juros, que o presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, adverte que poderia inverter no final deste ano, se as condições atuais persistirem. Isso significa que as taxas de curto prazo, como as dos títulos de dois anos do Tesouro, são mais altas do que as de longo prazo, como o bônus de 10 anos, sinal de pessimismo que é a velha bandeira vermelha. As recessões tendem a seguir uma curva de rendimentos invertida, como um gato de rua procurando comida.

As compras de bens geraram cerca de um terço do aumento econômico do segundo trimestre, segundo o Fed de St. Louis. Os consumidores estavam em clima de gastos nesta primavera, uma atitude que não necessariamente continuará. No trimestre anterior, eles mantiveram as mãos nos bolsos. De certa forma, no entanto, estavam gastando dinheiro de banco: cartões de crédito e outros empréstimos rotativos aumentaram para uma taxa anual de 5,1% em junho. Uma análise recente da Reuters concluiu que os 60 por cento mais pobres entre os que possuem renda têm alimentado os gastos e, portanto, os da economia, usando suas poupanças ou cartões de crédito. São praticamente obrigados, porque o crescimento salarial está se expandindo num ritmo anual decepcionante de 2,7% – apesar das evidências de que os empregadores estão finalmente jogando alguns centavos a mais para os trabalhadores.

As perspectivas de crescimento salarial devem ser boas, dada a oferta de trabalho mais apertada. Mas as empresas americanas desenvolveram uma forma de arte de não compartilhar a riqueza com os trabalhadores. O crescimento da produtividade superou amplamente o crescimento dos salários reais desde os anos 1970, de acordo com pesquisa do Deutsche Bank. No entanto, os funcionários trabalham mais e de forma mais inteligente, sem receber remuneração proporcional, enquanto as corporações têm participação recorde na riqueza nacional. Ou seja, os trabalhadores foram roubados.

A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor, que subiu 2,9% em relação ao ano passado, absorve algumas dessas melhorias de salários. Os consumidores também estão enfrentando preços mais altos da gasolina – mais de 20% no ano passado -, graças ao aumento dos preços do petróleo, com a perspectiva de a volatilidade no Oriente Médio não ajudar. A energia é excluída da base do IPC.

Como o trabalho do Federal Reserve é manter a inflação em 2% e preservar a economia sobreaquecida, as taxas de juros vêm subindo, segundo a desaprovação manifestada por Trump. A maioria dos economistas espera mais dois aumentos de taxas este ano, o que tornará as moradias mais caras. Isso tem implicações ainda maiores para o mercado imobiliário, que deve estar expandindo-se e contribuindo para o crescimento econômico. Em vez disso, a moradia está sendo cercada pelo aumento das taxas de hipotecas, bem como por altos preços e baixos estoques. Você deve lembrar-se do que aconteceu na última vez em que a habitação caiu, em 2007. As taxas de juros crescentes também tornam alguns créditos rotativos mais caros.

Agora, considere o esforço do governo para dar com a marreta nos dedos da economia por meio de uma guerra comercial e das tarifas decorrentes de aço e alumínio importados, entre outros produtos. A Alcoa, maior fabricante de alumínio do país, e grande importadora de alumínio, disse que seus lucros operacionais podem sofrer um baque de US$ 100 milhões. As tarifas não apenas contribuíram para US$ 1 bilhão em custos mais altos para a General Motors, como agora estão ajudando no aumento dos preços de tudo, de Coca-Cola a aspiradores de pó, à medida que as empresas repassam esses custos aos consumidores. Algumas são compras facilmente adiáveis, e é isso o que os consumidores estão fazendo no caso da Electrolux.

As guerras comerciais também não são gentis com as exportações. O comércio externo contribuiu com 1,1 ponto para o aumento de 4,1% no segundo trimestre, incluindo a enorme alta nas exportações de soja para a China. Beijo de despedida. Espere para ver um ponto percentual de PIB ser eliminado no terceiro trimestre, diz Ian Shepherdson, economista-chefe da Pantheon Macroeconomics. Aproveite, China.

Tudo isso parece um péssimo retorno sobre o investimento nos cortes de impostos de US$ 1,5 trilhão de Trump, pelo menos para a maioria dos americanos da classe trabalhadora, que se beneficiou menos. Por si só, nenhum desses problemas colocará freios numa economia que caminha junto com uma taxa de desemprego de 3,9%. Mas o atrito está aumentando. E, assim como qualquer motor de carro potente, as expansões econômicas – e elas estão no seu décimo ano – acabam ficando sem gasolina. Aguarde o Trump, que nunca fica sem gasolina, culpar os democratas por isso.

Sr. Presidente, embora você goste de levar crédito pelas tendências econômicas positivas que estão muito além do seu controle, levará pelo lado negativo também.

 

*Tradução por Solange Reis

Artigo originalmente publicado em 06/08/2018, em https://www.nytimes.com/2018/08/06/opinion/clouds-darken-trumps-sunny-economic-view.html?rref=collection%2Fsectioncollection%2Fopinion-editorials

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