Facada nas costas do Irã: Trump abre a porta para o caos

por Vuay Prashad

Traduzido do Asia Times*

 

Na noite de terça-feira, o presidente iraniano, Hassan Rouhani, foi à televisão falar sobre a reimplantação das sanções contra seu país pelos Estados Unidos. Ele alertou a nação sobre mais privações como resultado dessas sanções. Respondendo à oferta do presidente norte-americano, Donald Trump, sobre um encontro, Rouhani afirmou enfaticamente: “Se você esfaqueia alguém e depois diz que quer conversar, a primeira coisa a fazer é remover a faca”.

É claro para todos fora do governo em Washington que o Irã cumpriu sua parte do acordo nuclear de 2015, travado com os governos dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia) e com a União Europeia. Na verdade, a chefe da política externa da União Europeia, Federica Mogherini, afirmou claramente: “Estamos incentivando particularmente que as pequenas e médias empresas aumentem seus negócios com e no Irã, como parte de algo que para nós é prioridade em termos de segurança”.

Em outras palavras, Mogherini está pedindo às empresas que se oponham ao direcionamento político de Trump. O que ela está afirmando, exatamente como Rouhani, é que quem violou o acordo nuclear foram os Estados Unidos e, portanto, ninguém precisaria seguir as reimplantadas sanções norte-americanas.

Mogherini está focando nas “pequenas e médias empresas”, porque estas não seriam o tipo de corporações multinacionais com interesses nos Estados Unidos. Mas não serão somente as pequenas e médias empresas a desafiar as sanções norte-americanas. A China, a Rússia e a Turquia já sinalizaram que não cederão à pressão de Washington.

China

“Os direitos legais chineses devem ser protegidos”, disse o governo em Beijing. A China não tem vantagens em seguir a nova posição dos Estados Unidos.

Primeiro, a China importa anualmente cerca de US$ 15 bilhões em petróleo do Irã e espera aumentar suas compras no ano que vem. Empresas estatais de energia como a China National Petroleum Corporation (CNPC) e a Sinopec investiram bilhões de dólares no Irã.

CNPC e Sinopec também são acionistas nos principais campos de petróleo e gás do Irã – a CNPC tem uma participação de 30% no campo de gás South Pars e tem investimentos no campo petrolífero North Azadegan, enquanto a Sinopec investiu US$ 2 bilhões no campo petrolífero de Yadavan.

Enquanto isso, o Banco de Exportação e Importação da China financiou vários grandes projetos no Irã, incluindo a eletrificação da ferrovia Teerã-Mashhad. Outros projetos de investimento chineses incluem o metrô de Teerã e a linha de trem Teerã-Isfahan. Esses projetos valem dezenas de bilhões de dólares.

Em segundo lugar, a China está no meio de uma guerra comercial dura com os Estados Unidos. No final de agosto, o governo de Trump impôs tarifas de 25% sobre 16 bilhões de dólares de produtos chineses exportados para os Estados Unidos. A China respondeu implementando suas próprias tarifas, com seu Ministério do Comércio dizendo que Washington estaria “mais uma vez colocando o direito doméstico sobre o internacional”, o que seria uma “prática muito pouco racional”.

Esse “mais uma vez” é importante. A China se posiciona contra a injustiça da reimplantação das sanções ao Irã não apenas por suas próprias razões econômicas, mas também porque considera isso uma violação dos acordos internacionais e uma ameaça à soberania iraniana – dois princípios que a China leva muito a sério.

A Sinopec, envolvida até o pescoço no setor petrolífero do Irã, já disse que vai adiar a compra de petróleo norte-americano para setembro. Com isso, o Irã acabou envolvido na “guerra comercial” com os Estados Unidos.

Os chineses têm sido bastante duros em seu posicionamento. O Global Times, um jornal do governo chinês, escreveu em um editorial: “A China está preparada para uma guerra prolongada. No futuro, a economia dos Estados Unidos dependerá mais do mercado chinês do que o contrário”. Essa predisposição vai se refletir também na defesa chinesa da economia iraniana.

Rússia

Rússia e Irã não possuem os mesmos vínculos econômicos que o Irã tem com a China. Após o acordo do fim das sanções de 2015, o Irã não buscou investimentos nas empresas de petróleo e gás russas. Foi com a francesa Total que o país fechou um contrato de 5 bilhões de dólares. A Rússia e o Irã realmente sinalizaram vários acordos pesados na área energética (20 bilhões de dólares em 2014), mas que aparentemente não vão avançar.

A russa Gazprom e a Lukoil flertaram com a entrada no Irã. Em maio, a Lukoil afirmou claramente que estava hesitando em entrar no Irã por causa da proposta de reimplantação das sanções pelos Estados Unidos. A hesitação da Lukoil se alinhou a de outras empresas europeias, como a Peugeot, Siemens e até a própria Total, que decidiram adiar suas expansões ou mesmo cortar novamente relações com o Irã. A Daimler já suspendeu oficialmente qualquer atividade no Irã.

Foi surpreendente este ano quando a iraniana Dana Energy assinou um acordo com a empresa russa Zarubezhneft para desenvolver os campos petrolíferos de Aban e West Paydar. O contrato é de 740 milhões de dólares, o que no setor de petróleo e gás é significativo, mas não impressiona.

Em julho, o político iraniano Ali Akbar Velayati se encontrou com o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou. Ele deixou a reunião afirmando: “A Rússia está pronta para investir 50 bilhões de dólares nos setores de petróleo e gás do Irã”. Velayati mencionou especificamente a Rosneft e a Gazprom como potenciais investidores – “até 10 bilhões de dólares”, disse ele.

Quando Putin esteve em Teerã em novembro passado, empresas russas assinaram acordos preliminares no valor de 30 bilhões de dólares. Não está claro se esses negócios irão adiante. Mas após o restabelecimento das sanções por parte de Trump, o Ministério das Relações Exteriores russo afirmou que “tomaria medidas apropriadas em nível nacional para proteger a cooperação comercial e econômica com o Irã”. Em outras palavras, ele iria se assegurar de que os laços comerciais não sejam quebrados.

Turquia

Tanto o Irã quanto a Turquia enfrentam grandes desafios econômicos. Nenhum dos dois pode se dar ao luxo de romper os laços que os unem. O ministro das Relações Exteriores turco, Mevlut Cavusoglu, disse que seu governo somente irá respeitar os acordos internacionais e que a reimplantação das sanções pelos Estados Unidos não faz parte de nenhuma conjuntura internacional. A Turquia, portanto, continuará a negociar com o Irã.

O petróleo e o gás do Irã são cruciais para a Turquia, cujas refinarias são calibradas para o petróleo iraniano e não seriam capazes de se adequar de maneira fácil e barata às importações da Arábia Saudita. Quase a metade do petróleo usado da Turquia vem do Irã.

As relações turco-americanas estão em baixa. O conflito gerado pela detenção de um pastor norte-americano, Andrew Brunson, levou os Estados Unidos a penalizar dois membros do governo turco, o ministro da Justiça, Abdulhamit Gul, e o ministro do Interior, Suleyman Soylu. Gul é um líder do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), enquanto Soylu entrou no partido por causa de um convite pessoal do Presidente Recep Tayyip Erdoğan. Estes não são homens que se sintam intimidados pela pressão norte-americana.

Uma comitiva de Washington, liderada por Marshall Billingslea, secretário adjunto do Tesouro dos Estados Unidos, foi à Turquia para persuadir seu governo a aderir às sanções norte-americanas. Enquanto isso, os Estados Unidos começaram a pressionar o banco estatal turco Halkbank e um dos seus principais funcionários foi considerado culpado de violação das sanções contra o Irã por um tribunal nos Estados Unidos este ano. Esse tipo de pressão não está sendo bem visto pelo governo turco.

Dentro do Irã

A pressão está aumentando dentro do Irã. Os protestos começaram por todo o país, um reflexo da angústia sentida pela população com a desvalorização da moeda do país, o rial, e do medo da inflação.

Na semana passada, o governo iraniano demitiu o chefe do banco central, Valiollah Seif, e o substituiu por Abdolnasser Hemati. Ele mudou as regras cambiais, incluindo a fracassada tentativa de fixar o valor do rial implementada em abril.

Hemati recentemente esteve à frente da seguradora estatal do Irã, depois de haver comandado o Sina Bank e o Bank Melli. Ele conta com a total confiança do governo, que já o havia nomeado embaixador na China, até suspender a oferta apressadamente a fim de transferi-lo para o banco central. Se Hemati será capaz de equilibrar as tensões da economia iraniana, isso ainda é incerto. A crença na própria moeda precisará ser reforçada.

Nessa linha, o governo do Irã tem reprimido duramente as fraudes financeiras, particularmente os escândalos cambiais. O homem que assinou o acordo nuclear de 2015, o vice-ministro das Relações Exteriores, Abbas Araghchi, teve que assistir à prisão, juntamente com outras cinco pessoas, de seu sobrinho, Ahmad Araghchi, vice-presidente do setor de câmbio do banco central. A mensagem: ninguém, nem mesmo a família Araghchi, está imune ao longo braço da lei.

A agressividade de Trump, a recusa de países-chave (incluindo a União Europeia, mas, principalmente, a Rússia e a China) em acatar as sanções, bem como a pressão interna no próprio Irã, podem criar as condições para um confronto militar nos mares próximos ao país. Esta é uma situação muito perigosa. Mentes sóbrias precisam lutar contra o restabelecimento dessas sanções – que os iranianos consideram uma guerra econômica – bem como sua escalada para uma guerra militar.

 

Este artigo foi produzido pela Globetrotter, um projeto do Independent Media Institute.

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 09/08/2018, em http://www.atimes.com/the-knife-in-irans-back-trump-opens-door-to-chaos/

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