Trump cancela sua primeira viagem oficial à América Latina

por Lívia Peres Milani

Em meio ao acirramento das relações entre Estados Unidos e Rússia e à promessa de responder aos ataques químicos na Síria, Donald Trump cancelou a viagem que faria ao Peru para participar da VIII Cúpula das Américas, que acontece entre os dias 13 e 14 de abril. Esta é a primeira vez que um presidente dos Estados Unidos se ausenta do encontro, que ocorre desde 1994.

Quando foi criado, o fórum tinha como objetivo a criação da Área de Livre Comércio das Américas. Atualmente o Cúpula dedica-se a diversos temas das relações hemisféricas, políticos e econômicos, sendo o principal evento regional no nível presidencial. Portanto, a decisão de Trump tem significado simbólico, mostrando a falta de prioridade atribuída à região. Apesar da nítida relevância dos eventos no âmbito global, o presidente já demonstrava desânimo em relação ao encontro com os líderes latino-americanos, sendo que a viagem havia sido encurtada antes dos acontecimentos na Síria.

A postura do atual presidente descola-se especialmente daquela de Barack Obama, que usou o Fórum para renovar a cooperação nas Américas. O ex-presidente propôs a criação de uma parceria de iguais entre os países do continente, buscando conquistar aliados regionais e melhorar a desgastada imagem da potência. A postura de Trump é oposta: não apenas não participará da Cúpula, como cancelou a viagem pouco após anunciar o envio de tropas da Guarda Nacional à fronteira com o México, em mais uma medida de endurecimento da política migratória. Enquanto Obama mostrava-se como um presidente aberto para ouvir e dialogar com os latino-americanos, Trump não faz questão de se mostrar disposto a atender às demandas do Sul.

Assim, cabe questionar o significado da postura apática do presidente e da falta de prioridade atribuída à região para a hegemonia dos Estados Unidos no Hemisfério Ocidental. Para refletir sobre essa questão, é necessário reconhecer dois aspectos: por um lado, há crescente divergência política no continente e intensificação da influência chinesa sobre os países latino-americanos, por outro lado, a cooperação hemisférica é profunda e institucionalizada do ponto de vista da segurança e das relações entre os militares.

O Hemisfério Ocidental não é prioridade para os Estados Unidos há bastante tempo, não tendo sido preocupação central durante grande parte da Guerra Fria e o início do século XXI. Durante o governo de Obama, embora o mandatário tenha atendido algumas demandas latino-americanas, especialmente pela aproximação com Cuba, sua agenda externa era dominada pela preocupação com acontecimentos que ocorriam alhures, especialmente na Ásia e no Oriente Médio. Portanto, a postura de Trump apenas intensifica tendências históricas.

Durante as últimas décadas, a China abriu caminhos para o aumento de sua influência no Hemisfério Ocidental do ponto de vista estratégico, na esteira de seu crescimento econômico e protagonismo internacional. O país já é o primeiro parceiro comercial de Brasil, Peru e Chile e os financiamentos do Banco Chinês de Desenvolvimento e do Banco de Importação-Exportação Chinês tornaram-se especialmente relevantes, ultrapassando a casa dos bilhões a partir de 2008. As relações da potência asiática com a América Latina são relativamente focadas, havendo maiores parcerias com Venezuela, Equador, Brasil e Argentina. Contudo, a postura unilateral do governo Trump, inclusive do ponto de vista comercial, pode abrir espaço para a intensificação das relações chinesas com os aliados regionais dos EUA, notadamente México e Colômbia.

Por outro lado, há que se destacar a resiliência das conexões entre os Estados Unidos e a América Latina. Cabe ressaltar que o tema da VIII Cúpula das Américas corresponde uma das preocupações centrais dos Estados Unidos: o combate à corrupção. A cooperação entre os judiciários, o treinamento de juízes e procuradores e o compartilhamento de inteligência são alguns dos instrumentos que a potência utiliza para aumentar sua influência regional nesse tema.

A cooperação hemisférica também se mantém no que se refere à cooperação entre as agências militares, que realizam cursos de capacitação e treinamentos nos Estados Unidos, reúnem-se periodicamente em fóruns militares especializados e realizam exercícios multilaterais conjuntos ao lado de forças estadunidenses. Nesse aspecto, destaca-se o papel do Comando Sul, dedicado à área geográfica correspondente à América Latina. O Comando monitora as “ameaças hemisféricas” e propõe mecanismos e práticas para combatê-las. A sua missão principal é garantir a cooperação com a América Latina no campo da Defesa, promover interesses comuns e manter a estabilidade regional.

No que se refere aos temas de segurança transnacional, a cooperação também é fortemente institucionalizada. O Comando Sul tem atuado no combate ao tráfico de drogas, especialmente a partir da criação de forças-tarefa interagência. Os Estados Unidos oferecem cursos aos policiais latino americanos, especialmente através das Academias Internacionais de Law Enforcement (ILEA). A Drug Enforcement Agency (DEA) está presente em todos os países da região, salvo a Bolívia, e o governo Trump tem buscando aumentar e reforçar sua presença.

O caso da Argentina é interessante: trata-se de um país onde a cooperação no âmbito policial e militar foi recomposta a partir da chegada de Maurício Macri ao poder em 2016, o que apenas se intensificou durante o governo de Donald Trump. Recentemente, durante visita da Ministra de Segurança, Patrícia Bullrich, aos Estados Unidos, acordou-se que o Comando Sul assistirá o país em treinamento e capacitação com vistas às operações de segurança referentes à realização da reunião do G-20, que este ano terá sede na Argentina. Os representantes dos dois países também se comprometeram a criar uma força tarefa no Nordeste argentino, na cidade de Posadas, o que implicará no aumento da presença da DEA no país. Assim, nos temas relativos à segurança, o governo de Donald Trump não impactou na recomposição das relações bilaterais.

Portanto, podemos sintetizar esse quadro complexo ressaltando que o desgaste das relações hemisférica do ponto de vista político, com os contatos menos frequentes entre os presidentes e a postura mais agressiva dos Estados Unidos, possui um impacto apenas relativo nas relações hemisféricas. Desde algum tempo a região não é prioridade para a Presidência ou para o planejamento estratégico da potência. A influência se mantém pelos relevantes contatos entre as burocracias, talvez menos evidentes, porém mais profundos e resilientes. Embora a atuação da China na América Latina tenda a ampliar-se e rivalizar com a dos EUA, esta potência possui capacidade de projeção hemisférica importante e profunda, que não será minada no curto prazo.

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