Morte de McCain enfraquece oposição a Trump

por Tatiana Teixeira

Uma das figuras mais emblemáticas do Congresso americano, o senador John McCain (R-AZ) faleceu aos 81 anos, em 25 de agosto, após uma batalha de mais de um ano contra um glioblastoma (tumor cerebral). No Senado há mais de três décadas, estava afastado do cargo, mas se mantinha ativo nos principais debates em Washington e na oposição a vários itens da agenda do presidente Donald Trump, como a tentativa de pôr fim e substituir o Affordable Care Act, conhecido como Obamacare. Também foi um dos críticos da reunião entre Trump e o presidente russo, Vladimir Putin, em Helsinque. Em suas palavras, “uma das mais vergonhosas performances de um presidente americano” e um “erro trágico”. Ainda assim, não deixou de apoiar a confirmação do juiz Neil Gorsuch para a Suprema Corte feita no governo atual, ou de aprovar o corte fiscal de US$ 1,5 trilhão do governo Trump.

Capturado no Vietnã em 1967 e mantido como prisioneiro por cinco anos, McCain foi eleito representante da Câmara pelo estado do Arizona (R-AZ) em 1982 e chegou ao Senado em 1986. Nessa Casa, foi presidente do Comitê dos Serviços Armados e se envolveu, sobretudo, com questões de guerra, segurança nacional e assuntos dos veteranos. Foi a favor da guerra no Iraque e do reforço desse efetivo em 2007.

Trumpismo aumentou dissidência e disputas internas

As divergências e a incompatibilidade Trump-McCain não são novas. Sintomáticas, expõem parte das fissuras do GOP hoje, dividido principalmente entre o conservadorismo tradicional republicano e a America First trumpista, com discordâncias acentuadas em política externa, segurança nacional e comércio exterior. Outros nomes que completam a oposição mais aberta ao presidente, o senador Jeff Blake (R-AZ) e seu colega presidente do Comitê de Relações Exteriores da Casa, senador Bob Corker (R-TN), também deixarão o Congresso. E, apesar de mais moderadas e dependendo do que está em jogo, as senadoras Susan Collins (R-ME) e Lisa Murkowski (R-AK) também costumam adotar um posicionamento crítico às políticas de Trump.

Antecipando uma derrota nas urnas, Blake anunciou com um duro discurso em outubro passado que não disputaria a reeleição, em um momento de “destrutividade da política” e “quando parece que nossa democracia é mais definida por nossa discórdia e por nossa disfunção do que por nossos próprios valores e princípios”. Alguns colocam Blake na bolsa de apostas para desafiar Trump em 2020. Já Corker vai se aposentar.

Desde a campanha eleitoral de 2016, pelo menos, McCain é refratário ao nome de Trump no partido, crítico de seu estilo decisório e cético quanto a sua capacidade de governar. Ao longo da última corrida pela Presidência, condenou comentários de Trump sobre mulheres e imigrantes em situação ilegal e retirou seu apoio ao então candidato às vésperas da votação, após o vazamento de um polêmico vídeo com declarações do magnata nova-iorquino sobre assédio feminino. Outro ponto de atrito foi a declaração de Trump, desqualificando a passagem do senador pelas Forças Armadas. “Ele não é um herói de guerra. Ele é um herói de guerra, porque ele foi capturado. Gosto de gente que não foi capturada”, alfinetou o então pré-candidato em um comício em Iowa, em 2015.

Além do enfraquecimento da oposição a Trump nas fileiras republicanas, a morte do senador pelo Arizona foi apontada por muitos analistas como sinal do fim de uma era de cordialidade e respeito em um ambiente cada vez mais tóxico, polarizado e persecutório. “Em boa parte da história americana, a política parava quando você tinha a morte de um líder nacional, e o fato de isso não ter acontecido diz muito sobre o estado atual do nosso país e da nossa política e, em particular, sobre Donald Trump”, afirma o historiador especializado em presidências Michael Beschloss.

Eleitorado fiel a Trump

Ainda que o partido esteja dividido, boa parte do eleitorado republicano se mantém fiel ao presidente, como mostrou uma pesquisa de julho divulgada pelos veículos Wall Street JournalNBC News. Segundo a enquete, quase nove em cada dez eleitores republicanos apoiam Trump. Na história recente, esses números foram superados apenas por George W. Bush, no Pós-11 de Setembro, um momento de catarse e de união nacional forjado e cimentado pelo medo e pela necessidade de segurança no território.

A adesão à agenda do presidente confirma a consistência de uma mudança, registrada nos últimos anos, do perfil desse grupo, que reúne cada vez mais brancos sem ensino superior e brancos evangélicos. É com estes eleitores, portanto, que Trump conversa e ainda conta para desafiar e se impor aos caciques da sigla: além de baixa renda e baixa escolaridade, são indivíduos que desconfiam das minorias, dos acordos de livre-comércio e das instituições internacionais, opõem-se à imigração legal e clandestina e acreditam que os brancos são, crescentemente, alvo de discriminação.

Silêncio da Casa Branca

Sem deixar margem para dúvida sobre a péssima relação com o senador McCain, em um primeiro momento, Trump se limitou a divulgar um tuíte seco e muito breve, manifestando seus pêsames. “Minhas profundas condolências e respeito para a família do senador John McCain. Nossos corações e orações estão com vocês!”, escreveu o presidente, que teria, inclusive, vetado um comunicado da Casa Branca enaltecendo a biografia de um “herói”. Tampouco houve um gesto oficial sobre o falecimento. Inicialmente, a bandeira ficou a meio pau apenas no fim de semana, sendo hasteada por completo já na segunda-feira. Diferentemente de Trump, o vice-presidente Mike Pence declarou, no Twitter, que “honramos sua vida de serviço a esse país no nosso Exército e na vida pública”.

Diante da repercussão bastante negativa, Trump recuou e acabou divulgando um comunicado como determina o protocolo. “Apesar das nossas diferenças na política e em políticas, eu respeito o serviço do senador John McCain ao nosso país e, em sua homenagem, sancionei a proclamação para hastear a bandeira dos Estados Unidos a meio pau até o dia de seu enterro”, informou a nota divulgada pela Casa Branca. Nos Estados Unidos, pela lei, a bandeira deve ficar a meio mastro no dia da morte de um membro do Congresso e no dia seguinte. Por tradição e deferência, os presidentes a mantêm nessa posição até o funeral.

Há alguns elementos considerados intocáveis na cultura política americana. Um deles é a devoção e o respeito pelos veteranos de guerra, caso de John McCain. Embora pareçam corriqueiras desavenças washingtonianas sem importância, essa sequência de acontecimentos diz muito sobre a Casa Branca de Trump. Diz muito também sobre o momento de divisão do país, com um presidente pleno de suas próprias visões e convicções sobre o funcionamento da engrenagem política, nada conciliador e não muito interessado na liturgia do cargo e em suas tradições.

‘Rivalidades tribais’

Antes de falecer, o senador cuidou dos detalhes de seu funeral, especificando que Donald Trump não deveria ser convidado. Os ex-presidentes W. Bush (republicano) e Obama (democrata) não apenas foram chamados, como discursarão na cerimônia de despedida. McCain foi derrotado por Bush filho nas primárias do partido em 2000 e também por Obama, quando disputou a corrida pela Casa Branca em 2008. No funeral, a ser realizado na Academia Naval, em Anápolis, Trump será representado por seu chefe de gabinete, John Kelly, pelo conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, e pelo secretário da Defesa, James Mattis.

Em seu último ato, sua carta de despedida, McCain parece se referir à situação atual do país em diferentes trechos. Auto-evidente, a menção direta a Trump não foi necessária: “… Nós enfraquecemos nossa grandeza, quando confundimos nosso patriotismo com rivalidades tribais que semearam ressentimento, e ódio e violência em todos os cantos do globo. Nós a enfraquecemos quando nos escondemos atrás de muros, mais do que derrubá-los; quando duvidamos do poder dos nossos ideais, mais do que confiar neles para serem a grande força de mudança que sempre foram […] Não se desesperem com nossas dificuldades atuais. Acreditamos sempre na promessa e na grandeza da América, porque nada é inevitável aqui …”.

Vaga em aberto

De acordo com a legislação do estado do Arizona, caberá ao governador, o republicano Doug Ducey, indicar o nome de quem ocupará o assento de McCain no Senado até 2020. Neste ano, haverá uma eleição especial para os últimos dois anos deste mandato iniciado em 2016. O indicado deve ser do mesmo partido, ou seja, republicano. Na briga pela reeleição em novembro próximo, Ducey já descartou que vá indicar seu próprio nome para a vaga. Em 2022, acontece, então, uma eleição para um mandato de seis anos. Essa dança das cadeiras se dá em um período crucial para o GOP e para o governo Trump, com a expectativa de confirmação do mais novo juiz da Suprema Corte, Brett Kavanaugh, indicado pelo presidente. Com a morte de McCain, os republicanos contam com uma maioria ainda mais apertada na Casa, de 50 a 49, não podendo sofrer uma única deserção em suas próprias fileiras.

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