Proibição à imigração de muçulmanos entra em vigor

Após uma sequência de batalhas judiciais e em resposta ao Departamento de Justiça, a Suprema Corte americana autorizou, em 26 de junho, a implantação da polêmica ordem executiva Protecting the Nation from Foreign Terrorist Entry into the United States. Em sua segunda versão, de 6 de março, a norma estabelece restrições à entrada nos EUA de imigrantes e não imigrantes de seis países de maioria muçulmana – Irã, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen –, assim como de refugiados. Na primeira, sancionada em 27 de janeiro, o Iraque fazia parte da lista.

Ainda que o decreto passe a valer apenas de forma parcial e temporária, o veredicto foi muito celebrado por um governo atrapalhado, em busca de boas notícias e que, desde a posse de Donald Trump, tem sido marcado pela inconsistência e pelo improviso na tomada de decisões. Logo que a norma entrou em vigor, em 29 de junho, a Casa Branca teve de correr para explicar pontos cegos e imprecisos desta segunda versão do texto e se defender – mais uma vez – das acusações de preconceito contra muçulmanos e refugiados e de criminalização da imigração. Enquanto Trump celebrou a “clara vitória para nossa Segurança Nacional”, o diretor do projeto “Direitos do Imigrante” da American Civil Liberties Union, Omar Jadwat, ressaltou “o quão estreita é a parte da proibição que está sendo permitida”. A ACLU é uma das mais importantes e ativas organizações de defesa dos direitos civis do país.

O decreto de Trump

De acordo com o documento divulgado em janeiro (a Executive Order 13769), trata-se de “proteger o povo americano dos ataques terroristas cometidos por estrangeiros admitidos nos Estados Unidos” e de manter “terroristas radicais islâmicos fora” dos EUA. Para isso, o governo decidiu barrar por 90 dias cidadãos desses países, com ou sem visto de imigrante. Também barrava refugiados de qualquer lugar do mundo por um período de 120 dias, estabelecendo – no caso sírio – proibição por tempo ilimitado. O texto também expunha a preocupação do governo com estrangeiros nos EUA acusados de crimes ligados ao terrorismo, ou que tenham “se radicalizado” após sua entrada.

Remontando aos atentados do 11 de Setembro, em que todos os agressores tinham visto americano, o governo alega que o processo de concessão desse documento tem “papel crucial para detectar indivíduos com laços terroristas e para evitar sua entrada nos Estados Unidos”. Segundo o governo Trump, desde 2001, “vários indivíduos estrangeiros foram condenados, ou envolvidos, em crimes relacionados com terrorismo”, incluindo aqueles que entraram com visto de turista, estudante, ou trabalho, ou dentro do Programa de Admissão de Refugiados nos EUA (USRAP, na sigla em inglês).

Essa justificativa se sustenta com dificuldade. Embora um relatório sigiloso do Congresso, conhecido como 28 Pages, tenha descartado envolvimento oficial da Arábia Saudita nos atentados mais dramáticos já sofridos pelos EUA em seu próprio território, dos 19 sequestradores dos aviões, 15 eram nacionais desse reino. Os críticos mencionam ainda o atentado na maratona de Boston, ou o ataque em uma boate em Orlando, na Flórida, cometidos por pessoas de países que não aparecem na lista, como Arábia Saudita, Egito e Quirguistão. Do mesmo modo, não há qualquer alusão a agressores nascidos nos EUA. Em maio passado, aliás, em visita ao Oriente Médio, Trump assinou um polpudo acordo de cooperação militar e venda de armas com Riad, de US$ 110 bilhões.

Em um primeiro momento, nenhuma orientação foi dada sobre como autoridades aeroportuárias deveriam agir nos EUA e ao redor do mundo. Essa ausência de informação levou a protestos e ao caos em aeroportos de diversas cidades do país. Advogados de organizações dedicadas à luta pelos direitos civis e dos imigrantes fizeram plantão nos terminais aéreos para tentar amenizar o impacto para os recém-chegados. Refugiados e imigrantes se viram, de repente, mergulhados em um limbo jurídico, fruto da comunicação precária e descuidada entre Casa Branca, agências e departamentos envolvidos – sobretudo, os de Segurança Interna, Estado e Defesa, e o Diretor de Inteligência Nacional. Em meio ao acúmulo de confusão e de desinformação, esclarecimentos começaram a surgir apenas dois, três dias depois, por parte do governo, quando muitas pessoas já haviam sido detidas e/ou devolvidas para seus países de origem – algumas em clara situação de risco nesse retorno.

Reações e resistência nos tribunais

As críticas vieram de correligionários e de adversários politicos. No final de janeiro, os senadores republicanos John McCain (R-AZ) e Lindsey Graham (R-SC) alertaram que o decreto “pode fazer mais para ajudar o recrutamento terrorista do que para melhorar nossa segurança”. O líder da minoria no Senado, democrata Chuck Schumer (D-NY), disse se tratar de uma ordem “não americana”. No início de fevereiro, os ex-secretários de Estado Madeleine Albright e John Kerry e outros ex-integrantes do alto escalão do governo enviaram uma declaração à Corte de Apelações, alegando que “não existe um objetivo de segurança nacional para um entrave total à entrada de aliens dos sete países relacionados”. Além disso, acrescentaram, em termos de Segurança Nacional, o decreto foi “mal concebido, implementado de forma precária e mal explicado”. Nas palavras da líder democrata na Câmara de Representantes, Nancy Pelosi (D-CA), “o governo Trump tem mostrado continuamente que discriminação, e não Segurança Nacional, é a proposta desse veto”. A ACLU advertiu que o decreto viola a Primeira Emenda constitucional.

Por diferentes motivos, magistrados de vários estados bloquearam o decreto de Trump. Logo no fim de janeiro, do Tribunal Federal Distrital no Brooklyn, a juíza Ann Donnelly determinou que pessoas presas em aeroportos no país não poderiam ser enviadas de volta para casa. Seu gesto se repetiu nas cortes de Massachusetts, Virgínia, Washington, Minnesota, Oregon e Califórnia, com medidas semelhantes, ainda que com diferenças de abordagem e de alcance.

Nova versão

Para evitar a não aplicação do decreto por conta da enxurrada de ações judiciais, Trump liberou uma nova versão (Executive Order 13780) em 6 de março, excluindo o Iraque. Essa mudança teria decorrido da pressão dos secretários James Mattis (Defesa), Rex Tillerson (Estado) e John Kelly (Segurança Doméstica) em reconhecimento e pela manutenção da colaboração de iraquianos com americanos em Bagdá. Chamado de “caso especial”, o país é agraciado com um longo parágrafo sobre a “relação cooperativa” do “governo iraquiano democraticamente eleito” com os EUA e sobre seu “compromisso para combater o Estado Islâmico”. Lembra-se ainda da “forte presença diplomática” e da “significativa presença de forças dos EUA” nesse país.

Nesta segunda edição, os “protocolos e procedimentos de controle e verificação”, assim como o USRAP, ganham destaque como tão relevantes quanto a concessão de vistos para detectar potenciais ameaças terroristas. De acordo com o texto, os seis países listados são patrocinadores do terrorismo, funcionam como celeiros de organizações terroristas (o EI aparece com frequência no decreto), recusam-se a cooperar com os EUA nos esforços de contraterrorismo, ou são governos fracos, com Estados mergulhados em conflitos e sem condições de lidar com esses grupos. Cabe lembrar que, um dos suportes legais do decreto, a Lei de Nacionalidade e Imigração (INA, na sigla em inglês) afirma que ninguém pode ser “discriminado na concessão de um visto imigratório em função de raça, sexo, nacionalidade, local de nascimento, ou local de residência”.

Outras alterações importantes dizem respeito aos refugiados sírios – agora sem o veto “por tempo indeterminado” – e à permissão de entrada a quem tiver visto, ou green card, válidos. Refugiados e asilados vivendo legalmente nos EUA não serão afetados, e vistos já concedidos serão mantidos. O novo texto também é explícito quanto à possibilidade de que os Departamentos de Estado e de Segurança Interna analisem caso a caso, o que aumenta a brecha legal. Mais do que esclarecer, porém, o novo decreto se perde em uma extensa defesa da ordem anterior e reforça suas justificativas no âmbito da Segurança Nacional para restringir a entrada dos refugiados. Para o ano fiscal 2017, fica estabelecido o limite de ingresso de 50 mil pessoas nessa categoria. É menos da metade do que havia sido estipulado pelo então presidente Barack Obama para o presente ano – 110 mil refugiados. Esse teto é decidido pelo Executivo, anualmente, em consulta com o Congresso. De acordo com a imprensa americana, até maio deste ano, quase 46 mil haviam sido admitidos. Em 2016, foram 84.994, de acordo com o Migration Policy Institute. Os estados que mais recebem refugiados são Califórnia (10%), Texas (9%) e Nova York (6%).

Apesar das alterações, no Havaí e em Maryland, juízes federais suspenderam em março a aplicação de partes da segunda versão do decreto, alegando discriminação religiosa com muçulmanos. Segundo eles, Trump estaria tentando cumprir sua promessa de campanha de banir esse grupo dos EUA. O Havaí também advertiu contra o “dano imediato” à economia, ao turismo e às instituições educacionais locais.

A decisão da Suprema Corte

Ainda que os juízes conservadores Clarence Thomas, Samuel Alito e Neil Gorsuch preferissem deixar o travel ban entrar em vigor como estava, a decisão foi tomada de forma coletiva (per curiam) por uma Corte que optou por estabelecer limitações ao texto do Executivo. Assim, permitiu-se a entrada de estrangeiros com “laços confiáveis”, ou “de boa-fé”, com os EUA. Nesse grupo, estariam estudantes aprovados para cursarem universidades americanas, profissionais contratados por empresas locais, especialistas convidados para dar palestras e visitantes com parentes já vivendo no território.

O juiz Thomas antecipa problemas com a sobrecarga do Judiciário para esclarecer o que são os tais “laços confiáveis”, além de mais disputas nos tribunais contra o decreto. Diretrizes posteriores divulgadas pelo governo regulamentaram o assunto. Avós, netos, tios, sobrinhos e primos, por exemplo, não são considerados “parentes próximos“. Quem quiser entrar no país por motivos profissionais, ou para fazer negócios, precisa comprovar uma relação que seja “formal, documentada” e que não tenha sido forjada para burlar o decreto, explica o Departamento de Estado.

O texto valerá em sua forma atual até que a Suprema Corte decida, definitivamente, sobre sua legalidade. A mais alta instância do Poder Judiciário americano deve começar a ouvir argumentações sobre o decreto apenas a partir de 2 de outubro, quando retoma suas atividades após o recesso de verão. Os trabalhos seguem até 21 de dezembro.

por Tatiana Teixeira

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