Perspectivas sobre a eleição presidencial de 2024 e suas consequências imediatas

(Arquivo) Donald Trump discursa na CPAC 2011, em Washington, D.C. (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)
Quinto e último artigo de uma série sobre Donald Trump e seus eleitores em 2024
Por Wayne A. Selcher, PhD* [Informe OPEU] [Eleições 2024] [Trump 2.0]
Um vencedor claro e aceito para a presidência, mas polarização persistente
Muito apropriadamente, e com base na situação nacional e nas pesquisas de palavras dos usuários de seu dicionário online, o Merriam-Webster selecionou “polarização” como sua palavra para o ano de 2024, denotando “divisão em dois opostos nitidamente distintos; especialmente, um estado em que as opiniões, crenças ou interesses de um grupo ou sociedade não variam mais ao longo de um continuum, mas se concentram em extremos opostos”. Uma pesquisa de opinião pública da Associated Press observou o significado prático do termo nas eleições de novembro de 2024:
“A eleição foi tão divisiva que muitos eleitores americanos foram às urnas com a sensação de que o candidato adversário era uma ameaça existencial para a nação. De acordo com a AP VoteCast, uma pesquisa com mais de 120.000 eleitores, cerca de 8 em cada 10 eleitores de Kamala Harris estavam muito ou um pouco preocupados com o fato de as opiniões de Donald Trump – mas não as de Harris – serem muito extremas, enquanto cerca de 7 em cada 10 eleitores de Trump sentiam o mesmo sobre Harris – mas não Trump”.
De acordo com essa palavra do ano, os resultados do voto popular de novembro de 2024 para presidente foram bastante divididos, com Donald Trump com 77,303 milhões (49,8%) e Kamala Harris com 75,019 milhões (48,3%), mas Trump triunfou no decisivo Colégio Eleitoral, com 312 votos contra 226 de Harris. (Resultados a partir de 22 de janeiro de 2025; 270 votos do Colégio Eleitoral são necessários para a vitória.) Trump caracteristicamente reivindicou um “mandato poderoso e sem precedentes”, promovendo uma imagem de força para ajudá-lo a superar a resistência ao seu poder no partido e em Washington, e reivindicando um apoio público mais amplo do que ele realmente tem para as mudanças radicais que planeja para o governo e a sociedade americana. O controle republicano de ambas as casas do Congresso, embora com maiorias estreitas, tenderá a facilitar sua agenda política muito transformadora, pelo menos inicialmente.
Trump é o primeiro republicano a ganhar o voto popular nacional desde George W. Bush, em 2004. Os republicanos em todo o país sentiram uma grande mudança política a seu favor nos níveis estadual e local, enquanto os democratas ficaram consternados. Em novembro de 2024, o Pew Research observou que, “pela primeira vez desde 2016, mais americanos dizem que o Partido Republicano representa os interesses de ‘pessoas como eles’ muito ou um pouco bem do que dizem isso sobre o Partido Democrata (50% vs. 43%)”. Em relação às atitudes dos eleitores após a eleição, a Gallup resumiu no final de novembro de 2024:
“A reeleição de Trump está sendo recebida com grande otimismo, alívio, entusiasmo e orgulho dos republicanos, mas com medo, raiva, devastação e surpresa entre os democratas. Ainda assim, os democratas aceitam amplamente Trump como o presidente legítimo, ainda mais do que em 2016, quando ele derrotou Hillary Clinton. Após a vitória do Partido Republicano na Presidência e nas duas câmaras do Congresso, os americanos agora veem o Partido Republicano de forma mais favorável do que o Partido Democrata. No entanto, a lacuna na favorabilidade decorre de uma queda nas opiniões favoráveis do Partido Democrata em novembro, em vez de um aumento nas opiniões favoráveis do Partido Republicano após suas vitórias”.
O antigo, mais moderado establishment republicano nacional, incluindo os “never-Trumpers”, e sua versão tradicional de conservadorismo foram completamente esmagados e dispersos pelos populistas de direita. Há um establishment MAGA em ascensãohttps://thedispatch.com/article/a-new-maga-republican-establishment-rises/, totalmente favorável a Trump e mobilizando políticos republicanos a seu favor, com “grupos ativistas bem financiados e influentes figuras da mídia”. A esfera da mídia de direitahttps://www.allsides.com/media-bias/media-bias-chart, incluindo podcasts, foi crucial em sua campanha para mobilizar eleitores e foi energizada por sua vitória, descrevendo-a como outro duro golpe para a “mídia chapa-branca” liberal. As constantes postagens de Trump na Truth Social e em sua conta no X alcançam muitos milhões de seguidores direta e imediatamente, assim como suas postagens de campanha em um canal do YouTube.
Deixando de lado a ostentação de Trump de singularidade, de uma perspectiva estritamente estatística, a diferença de voto presidencial popular de 1,5% foi menor do que a porcentagem pela qual Joe Biden derrotou Trump em 2020. A margem de Trump no Colégio Eleitoral de 2024 foi superada por Barack Obama em 2008 e 2012 e por ambas as vitórias de Bill Clinton na década de 1990. A margem de vitória de Trump no voto popular foi “a quinta menor das trinta e duas corridas presidenciais realizadas desde 1900”. Além disso, em 24 de janeiro de 2025, a avaliação pública de Trump era em média 48,2% desfavorável e 46,5% favorável, ilustrando uma polarização quase simétrica. Outra medida da proximidade da eleição é o fato de que a maioria de 220 a 215 assentos que os republicanos conquistaram na Câmara dos Representantes foi possibilitada por um total de apenas 7309 votos em três distritos congressionais (em Iowa, Colorado e Pensilvânia) de um total de 148 milhões de votos expressos, de acordo com o Cook Political Report.
O retorno de Trump à Casa Branca representou um retorno histórico, porque apenas um outro presidente americano foi capaz de ganhar um segundo, mas não consecutivo, mandato. Grover Cleveland (eleito em 1884 e 1892). Depois de sobreviver a duas tentativas de assassinato em 2024 e de uma condenação criminal em 10 de janeiro de 2025 (com dispensa incondicional), Trump (aos 78 anos) também é o presidente mais velho a assumir o cargo. Sua idade levanta preocupações apropriadas sobre sua saúde física e acuidade mental e torna sua escolha vice-presidencial de J.D. Vance ainda mais importante, inclusive para o futuro do MAGA. A diferença de idade entre Trump e Vance, mais de 38 anos, é a maior entre um presidente e um vice-presidente na história dos EUA.
Ao agradecer a seus apoiadores em seu discurso de vitória em 6 de novembro, Trump novamente caracterizou grandiosamente seu movimento MAGA como “o maior movimento político de todos os tempos” e prometeu “transformar nosso país”. Em homenagem à sua conquista, a revista TIME nomeou Trump como sua “Pessoa do Ano” para 2024, como fizeram quando ele foi eleito pela primeira vez em 2016. Em sua longa entrevista ao veículo, ele se referiu à sua campanha entusiasmada e implacável como “72 Dias de Fúria” – “Não houve dias de folga. Não houve intervalo. Se você cometesse um erro, ele seria ampliado em níveis que ninguém jamais viu antes”.
Explicando a vitória de Trump
Existem muitos ângulos úteis para entender o contexto e os contornos da vitória de Trump. A NBC News examinou a crescente polarização por partido nas últimas décadas. O Gallup analisou a opinião pública e o contexto histórico por trás de sua vitória. Os gráficos da pesquisa da Fox News mostram de forma clara e perspicaz a demografia do apoio a Trump e Harris. Uma análise da NPR analisa os resultados da pesquisa de boca de urna, o voto de acordo com raça, etnia e idade, com foco nos estados indecisos. O Pew Research estabeleceu a demografia dos eleitores em geral, demonstrou as grandes diferenças de valores entre os apoiadores dos dois, avaliou as opiniões públicas sobre os pontos fortes e fracos relativos dos candidatos na campanha e descreveu as crenças e expectativas dos apoiadores de Trump. O YouGov publicou uma pesquisa sobre a percepção pública dos traços de personalidade dos dois candidatos. The Economist forneceu cinco gráficos sobre resultados e dados demográficos em nível de condado e uma análise dos efeitos de vários grupos étnicos na votação. A organização de pesquisas Morning Consult analisou vários fatores na vitória de Trump.
O Washington Post usou pesquisas de boca de urna para avaliar como diferentes grupos da sociedade votaram e forneceu algumas análises de como os níveis educacionais, os gastos do consumidor e os hábitos de leitura influenciam a evolução das diferenças partidárias. A Gallup oferece muitas perspectivas sobre a campanha e a eleição, incluindo lacunas partidárias. Uma pesquisa pré-eleitoral da CBS News/YouGov examinou questões de gênero e o que os eleitores pensavam e queriam nos dois candidatos. Educação e religião parecem estar eclipsando a classe social e a etnia na demografia da opinião e escolha dos eleitores, em grande medida, enquanto também contribuem para as divisões e debates culturais. A Pesquisa de Valores Americanos de 2024 do Instituto de Pesquisa de Religião Pública é uma excelente visão geral e análise dos valores, preocupações e questões que influenciaram a escolha do eleitor. O Council on Foreign Relations observa um contexto histórico mais amplo e os resultados da eleição, incluindo o fato de que “A eleição de 2024 foi a décima eleição presidencial consecutiva em que a margem de vitória no voto popular foi de um dígito. Isso é um recorde”. Uma análise completa da campanha, da eleição e de suas consequências por muitos estudiosos importantes está disponível no volume Análise Eleitoral dos EUA 2024: Mídia, Eleitores e a Campanha.
Um grande ponto positivo para Trump acabou sendo a energia robusta e a habilidade de sua campanha populista verbalmente agressiva, muitas vezes demagógica e machista. Ele usou as “novas mídias”, temas esportivos e feitos no estilo “gente como a gente” (como andar em um caminhão de lixo) para se relacionar mais de perto com seu público. Ele enfatizou a necessidade de “liderança forte” e de ser um “lutador”, em contraste com Biden-Harris, a quem sua campanha pintou como fraca e fora da realidade, mas radical e perigosa, “destruindo o país”. Ele fez campanha como se ainda fosse um “outsider” ou um “não-político”, falando em linguagem simples diretamente sobre as questões, desilusão, medo e raiva que importavam para milhões de eleitores frustrados e colocavam os democratas em grande desvantagem. A mensagem de Trump ressoou particularmente bem entre os grupos historicamente dominantes que sentem ressentimento – homens, brancos e cristãos – que se consideram patrióticos e uma parte importante da sociedade, mas agora se sentem discriminados ou desrespeitados, principalmente pelos liberais, por causa de seu gênero, identidade racial ou religiosa e papel na sociedade.
De acordo com a Ballotpedia, “A participação geral dos eleitores elegíveis nas eleições gerais de 2024 foi de 63,7%. Isso foi menor do que o recorde de 2020 de 66,6%, mas maior do que em todos os outros anos eleitorais desde pelo menos 2004”. A alta taxa de comparecimento (ou seja, onde aumentou e para quem) pode muito bem ter favorecido Trump e os republicanos, ao contrário da sabedoria convencional anterior de que tais taxas favorecem os democratas. Trump conquistou todos os sete “estados indecisos” decisivos, os únicos competitivos, depois de perder seis deles em 2020.
Seus ganhos em apoio dos eleitores em relação a 2020 foram de âmbito nacional e, notavelmente, entre todos os principais grupos étnicos minoritários (especialmente homens hispânicos), homens jovens, mulheres brancas e suburbanas, independentes e aqueles menos engajados na política. O único ganho significativo do setor social que os democratas obtiveram foi com graduados universitários brancos. Um mapa nacional dos resultados das eleições presidenciais por condado mostra um mar de vermelho (republicano) com ilhas azuis espalhadas (democrata), com um pôster comemorativo disponível. Uma análise da NBC observou um desempenho notável por parte de Trump:
“Em todo o país, 85,2% dos condados votaram em Trump. E, comparando como cada condado votou da eleição de 2020 para 2024, a margem média de votos no país mudou para a direita 3,2 pontos percentuais. A chave aqui é que Trump construiu em cima de seu desempenho de 2020 – mesmo em condados que perdeu –, enquanto a vice-presidente Kamala Harris lutou para igualar os números de 2020 do presidente Joe Biden, com desempenho inferior em 3 de cada 4 condados”.
Além disso, como observou The Economist, “Cerca de 90% dos eleitores americanos vivem em condados onde a participação de Trump nos votos aumentou em relação a 2020. Metade vive naqueles em que aumentou pelo menos 1,9 ponto percentual”. Tem havido uma tendência gradual em direção a visões mais conservadoras sobre questões sociais e econômicas entre o público. Serão necessárias mais uma ou duas eleições para ver se essa mudança representa algum nível de realinhamento persistente dos eleitores em relação aos republicanos, ou é apenas resultado das condições particulares de 2024 e do confronto Trump-Harris. A avaliação dos eleitores sobre o futuro histórico de Trump no cargo será crucial, porque suas promessas de campanha irrealistas (como a rápida redução dos preços dos alimentos e o fim rápido da guerra na Ucrânia) não serão cumpridas de acordo com as expectativas do MAGA e algumas de suas políticas mais radicais provavelmente afetarão negativamente seus próprios eleitores, como Elon Musk alertou.
As deficiências de Kamala Harris e dos democratas
Kamala Harris acabou sendo uma opção inadequada para o clima antiestablishment dominante de 2024 no eleitorado, uma vice-presidente da Califórnia liberal com um histórico muito liberal que entrou tarde na corrida, claramente uma parte do governo Biden, que era amplamente impopular. Em 5 de novembro de 2024, uma média de apenas 38,5% do público aprovava Biden, e 56,3% desaprovava, enquanto em janeiro de 2025 61% viam seu mandato como um fracasso. Em julho de 2024, após seu desempenho desastroso em um debate televisionado com Trump, apenas 24% do público descreveu Biden como “mentalmente afiado”. A oposição ao atual governo foi um dos principais motivos por trás dos resultados da votação. Trump era claramente visto como o candidato da “mudança” pelos eleitores de ambos os partidos, tanto em termos positivos quanto negativos, de modo que Harris teve a exigente tarefa de se diferenciar de Biden e de Trump. Embora tenha adotado um tom otimista em sua curta campanha, com uma enxurrada de contribuições de campanha, Harris estava muito comprometida com políticas de que um número crescente de eleitores não gostava e não conseguiu refazer sua imagem pública com credibilidade. Depois de ser questionada em uma entrevista amplamente divulgada sobre https://www.politico.com/news/2024/10/08/harris-biden-the-view-00182883o que ela teria feito diferente de Biden, ela respondeu: “Não há nada que venha à mente em termos de – e eu fiz parte da maioria das decisões que tiveram impacto”.
Ela não era conhecida pela eficácia como vice-presidente (falhando em criar uma imagem de líder capaz, inovadora ou dinâmica) e estava sobrecarregada pela identificação com a inflação dos preços ao consumidor e uma grande crise de fronteira que se tornou cada vez mais impopular à medida que 2024 avançava. Os indicadores macroeconômicos estavam melhorando, inclusive em comparação com outros países ricos após o impacto da pandemia, mas uma alta porcentagem de eleitores não sentiu efeitos positivos em suas próprias vidas, nos preços ao consumidor (incluindo alimentos, moradia e carros) e dívida pessoal versus poupança. Seu foco inicial em “preservar a democracia”, os cuidados de saúde e os direitos ao aborto não ressoou de forma tão eficaz nos eleitorados dos sete estados indecisos como foi antecipado por sua campanha. Uma pesquisa de resposta aberta pós-eleitoral com eleitores de estados indecisos que escolheram Trump mostrou que questões econômicas e questões de fronteira eram de longe suas principais preocupações, e aborto, saúde e democracia mal foram registrados como questões relevantes. Harris também sofreu com a menor participação eleitoral em áreas tradicionalmente democratas, em comparação com o desempenho de Biden em 2020.
O estrategista democrata James Carville acredita que a forte ênfase dos democratas nos últimos anos em questões culturais progressistas, com um ar enfadonho de superioridade moral, como a promoção de políticas de identidade, “wokeness” e iniciativas DEI (Diversidade, Equidade, Inclusão), com slogans controversos e excessivos como “defund the police” (pedindo o “fim do financiamento da polícia”), também foram negativos definitivos para muitos no público. A ênfase recente do partido em questões transgênero, como o uso do banheiro e a confusão sobre o uso dos pronomes pessoais “adequados” para a identidade de gênero de cada indivíduo, não foi uma vantagem líquida. Houve, essencialmente, uma rejeição dos eleitores à “marca democrata” e uma verificação adicional de seu distanciamento elitista urbano e desconexão cultural com os eleitores rurais e de cidades pequenas e a classe trabalhadora. Para milhões de americanos em pequenas cidades e áreas rurais, a impressão da qualidade da governança nas inúmeras grandes cidades administradas pelos democratas está longe de ser positiva.
(Arquivo) James Carville discursa na Politicon 2016 no Centro de Convenções de Pasadena, em Pasadena, Califórnia (Crédito: Gage Skidmore/Flickr)
Talvez a compreensão muito orientada para a manufatura dos democratas sobre o que a “classe trabalhadora” faz para ganhar a vida e deseja também esteja desatualizada. (A “classe trabalhadora” é frequentemente definida como aqueles com diploma de ensino médio ou menos em educação formal. Em torno de 62% da população de 25 anos ou mais não tem um diploma universitário de quatro anos.) A Blueprint, uma organização de pesquisa pró-democrata, observou que Harris não conseguiu persuadir os eleitores indecisos e resumiu seu fracasso como um repúdio em um relatório pós-eleitoral perspicaz: “Apesar do claro pivô de Harris nas mensagens econômicas, ela não conseguiu escapar de seu histórico, seu cargo (de vice) ou a reputação de seu partido. Os números dizem uma verdade implacável: os eleitores não queriam apenas que Harris se distanciasse das políticas de Biden; eles queriam que Harris se distanciasse do que eles acreditam que o Partido Democrata se tornou”.
Monica Potts, repórter sênior de política da ABC News, revisou extensos dados de pesquisas sobre as principais questões, inclusive de pesquisas de boca de urna. Sua análise completa e excelente concluiu claramente que “Trump venceu na imigração e na economia, enquanto perdeu no aborto e na democracia… Muitos americanos concordaram com suas posições linha-dura sobre a imigração e compraram sua mensagem sobre a economia, embora não pensassem necessariamente que ele agiria de acordo com suas declarações antidemocráticas mais extremas ou promulgaria restrições impopulares ao aborto”. Harris ganhou nas pesquisas em relação ao direito ao aborto, salvar a democracia, bom senso pessoal e “se preocupar com pessoas como eu”, mas Trump obteve classificações consideravelmente mais altas do que Harris nos quesitos de política externa e liderança. Muitos eleitores que não gostavam ou desconfiavam de Trump estavam preocupados com suas tendências autoritárias e o viam como mais extremo do que Harris, mesmo como orientado para a vingança, mas votaram nele de qualquer maneira: “Ao todo, se os eleitores gostavam ou mesmo confiavam em Trump não importava tanto quanto as políticas e mudanças que ele representava e o fato de que eles pensavam que ele estava pronto e capaz de fazer o trabalho, independentemente do que ele disse na campanha”.
Harris também pode ter sido prejudicada como mulher por uma crença negativa na cultura em evolução de que a sociedade se tornou muito “suave” ou “feminina”. Trump insinuou esse estereótipo em sua campanha, enfatizando repetidamente supostos perigos para a sociedade (imigração, crime, inflação, narcóticos, fraude eleitoral, ameaças estrangeiras etc.) e insistindo em que ela e os democratas eram todos “fracos demais” para lidar com eles adequadamente e manter os americanos seguros. Um resumo do Public Religion Research Institute de sua pesquisa muito útil e de grande amostragem “Challenges to Democracy: The 2024 Election in Focus” descobriu que “Mais de quatro em cada dez americanos (43%) concordam em que a sociedade como um todo se tornou muito suave e feminina, uma queda de 5 pontos percentuais em relação a 2023 (48%); a maioria dos americanos (54%) discorda. Desde que o PRRI fez essa pergunta pela primeira vez em 2011, a divisão partidária mais que dobrou, de 23 pontos percentuais para 57 pontos percentuais. Quase três quartos dos republicanos (73%) dizem que a sociedade se tornou muito suave e feminina, em comparação com 42% dos independentes e apenas 16% dos democratas”.
A imigração figurou em grande parte nas eleições de 2024 e continuará a ser uma das principais questões da política americana, porque muda a sociedade e remodela a força de trabalho de maneiras importantes. Como observa o Pew Research, “A população imigrante dos EUA cresceu acentuadamente ao longo das décadas, de 9,6 milhões em 1970 para 31,1 milhões em 2000 e quase 48 milhões em 2023. Esses totais representam os imigrantes no país legal e ilegalmente. Os imigrantes representam em torno de 14,3% da população do país, quase um recorde”.
As crescentes mudanças na opinião pública sobre a imigração durante o governo Biden-Harris foram particularmente negativas para Harris. Uma grande parte do público reagiu ao tamanho do influxo de imigrantes não autorizados pela fronteira sul, à dispersão dos recém-chegados por todo o país, à retórica de Trump sobre esse influxo maciço não regulamentado como uma “invasão” e seu constante retrato de Harris como a “czarina da fronteira fracassada” de Biden. Em 2019, uma margem de 48 pontos dos republicanos concordou com o conceito de que “um número crescente de pessoas de muitas raças, grupos étnicos e nacionalidades diferentes nos EUA” enriqueceu a cultura e a sociedade dos EUA em vez de ameaçá-la. Em setembro de 2024, 55% dos republicanos, 11% dos democratas e 32% dos independentes viram essa diversidade crescente como ameaçadora, todos os aumentos em relação a 2019.
As respostas do governo chegaram tarde demais e fracas demais para serem convincentes, já que pelo menos de 11,3 milhões de imigrantes não autorizados permaneceram no país. Em janeiro de 2025, uma pesquisa AP-NORC descobriu, em um formato de pergunta aberta, que cerca de 60% do público, por iniciativa própria, nomeou a imigração como uma questão que eles queriam fortemente que o governo abordasse, contra cerca de um terço no ano anterior. Em janeiro de 2025, a Gallup observou que o controle da imigração ilegal era a principal área política em que a maioria dos americanos (68%) disse acreditar que Trump terá sucesso.
Após a eleição: continuação de diferenças partidárias acentuadas
Ao contrário de 2020, não houve distúrbios pós-eleitorais significativos ou desafios legais, um sinal positivo para a democracia. No entanto, deve-se mencionar que os agentes de aplicação da lei e os estudiosos identificaram a principal ameaça de distúrbios pós-eleitorais em caso de perda como sendo da direita, como após a eleição de 2020. O Pew Research observou, como parte de uma ampla pesquisa sobre a avaliação dos eleitores sobre o processo eleitoral, que “uma esmagadora maioria dos eleitores americanos diz que as eleições de 2024 em todo o país e em suas próprias comunidades foram bem administradas este ano e expressam altos níveis de confiança de que os votos foram contados com precisão”. Após as reclamações de anos de “fraude eleitoral” nas eleições de 2020, e ainda levantadas por Trump e pela maioria dos republicanos, os adeptos desse partido ficaram satisfeitos com a justiça e precisão da votação de 2024, pelo menos parcialmente, porque seu partido ganhou de lavada. Mas o ceticismo sobre a honestidade das eleições ainda está ativo entre alguns republicanos, particularmente nos níveis estadual e local.
Antes da eleição, houve uma enxurrada de desinformação e de alegações nas redes sociais sobre suposta fraude eleitoral. Quase 90% dos eleitores de Trump viam a fraude eleitoral como um problema sério antes da eleição, mas apenas cerca de um terço se sentia assim após a eleição. Como observou uma pesquisa Reuters/Ipsos imediatamente após a eleição, “Em 2020, apenas 26% dos eleitores republicanos registrados disseram que a eleição foi legítima e precisa, em comparação com 91% agora – um aumento de 65 pontos”. Os democratas também não levantaram objeções em 2024, destacando o quanto a alegação de fraude de “eleição roubada” de 2020 completamente refutada e as alegações subsequentes de fraude eleitoral em geral tinham a ver com os republicanos, após a relutância personalista de Trump em aceitar uma derrota apertada em 2020. Isso mesmo quando se consideram os efeitos das dificuldades processuais causadas pela votação durante a pandemia. Um estudo publicado no Journal of Marketing de 2024 concluiu que, “Em situações politicamente polarizadas, os republicanos estavam significativamente mais dispostos a transmitir informações erradas do que os democratas para obter vantagem sobre o partido adversário”.
Pesquisadores da Annenberg School of Communication determinaram, a partir de um banco de dados de entrevistas excepcionalmente grande, que, embora por décadas a animosidade partidária tenha atingido o pico durante as campanhas eleitorais e depois diminuído, atualmente “a animosidade partidária parece estar profundamente enraizada na sociedade americana, em vez de ser uma resposta de curto prazo às campanhas eleitorais”. O partidarismo e a animosidade continuam a condicionar a percepção dos eventos, as expectativas e o papel apropriado do governo. As duas correntes contrastantes de preferências partidárias, heróis e vilões, informações e análises persistem, como parte fundamental da cultura política nacional. Cada questão, desastre natural e evento é pego em uma narrativa hiperpartidária pré-arranjada. Em janeiro de 2025, o Gallup observou que, no que diz respeito ao tamanho da lacuna de valores liberais-conservadores, “a ideologia de republicanos e democratas é a mais extrema em 30 anos… Em 2024, as parcelas de republicanos que se identificam como conservadores e democratas que se identificam como liberais atingiram níveis recordes… À medida que os partidários se tornam cada vez mais polarizados ideologicamente, o mesmo acontece com os candidatos eleitos para cargos públicos que representam esses partidos”. O Pew Research documentou essa tendência nos registros de votação de membros do Congresso dos EUA, observando que, no Congresso em 2022, “em média, democratas e republicanos estão mais distantes ideologicamente hoje do que em qualquer momento nos últimos 50 anos”. Esse extremismo prejudica o governo eficaz, em favor da “política de encenação” e da sinalização de virtude para o eleitorado do político.
O Gallup observou em dezembro de 2024 que, em relação aos 13 grandes desafios que a nação enfrenta em 2025, “nas 13 dimensões, as previsões positivas dos republicanos são de 30 a 79 pontos percentuais mais altas do que há dois anos, enquanto as dos democratas estão entre cinco e 59 pontos mais baixas”. Uma pesquisa da Economist/YouGov descobriu que, em relação à confiança do consumidor sobre a economia, “o percentual dos sentimentos para os democratas caiu 27% desde a eleição, enquanto o percentual dos republicanos aumentou 63%”. Os partidários tendem, consistentemente, a serem mais favoráveis à economia quando seu lado está no poder, mas agora “a lacuna partidária nas percepções econômicas é maior do que costumava ser”. Uma pesquisa da Universidade de Monmouth em dezembro de 2024 mostrou diferenças partidárias importantes, mas usuais, sobre o grau de divisão dentro do país em vários momentos, com cada partido definindo a “unidade” nacional em seus próprios termos:
“No final do primeiro mandato de Trump, quase todos os democratas (90%) e cerca de 3 em cada 4 independentes (73%) disseram que o país ficou mais dividido sob Trump, enquanto pouco menos da metade dos republicanos (49%) concordaram. Isso contrasta com a opinião pública atual, onde quase 9 em cada 10 republicanos (86%) dizem que o país ficou mais dividido sob Biden, enquanto cerca de 6 em cada 10 independentes (62%) e democratas (56%) sentem o mesmo”.
As diferenças partidárias também se estendem ao que está em jogo na política e ao que são consideradas ações legítimas em uma democracia, às vezes de maneiras inquietantes que podem ameaçar os princípios e procedimentos estabelecidos e indicar a crescente aceitação da supremacia da vantagem partidária e lealdade personalista a Trump sobre a adesão às normas constitucionais. Um estudo da Universidade de Cambridge feito com o YouGov determinou que “quase nove em cada dez eleitores que apoiaram Donald Trump para presidente dos EUA acreditam que os valores, tradições e prosperidade econômica futura da América estão ameaçados – o dobro do número de apoiadores de Kamala Harris”. Em seus comícios e com mais regularidade, Trump encorajou a visão de que os Estados Unidos estão falhando gravemente, que não existe um Estado de direito objetivo, que o então atual establishment federal e as instituições do governo americano eram “corruptos” e que tudo é apenas partidário, até mesmo o sistema judicial. Ele descreve a política não como um compromisso para benefício mútuo baseado em valores compartilhados, mas como uma luta urgente e sombria de soma zero pelo futuro do país, na qual ele se apresenta como o salvador nacional divinamente ungido. Em seu discurso de posse de 20 de janeiro de 2025, referindo-se aos dois atentados contra sua vida em 2024, Trump afirmou: “Fui salvo por Deus para tornar a América grande novamente”.
Os republicanos, de acordo com Trump, são muito mais propensos do que os democratas e independentes a minimizar a importância do ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio por apoiadores de Trump e a rejeitar a legitimidade e as conclusões da investigação subsequente do Congresso. Um relatório provisório de dezembro de 2024 do Subcomitê de Supervisão do Comitê de Administração da Câmara de Representantes, dominado pelos republicanos, criticou fortemente os procedimentos e conclusões dessa investigação. Em janeiro de 2025, o presidente da Câmara, Mike Johnson, anunciou a criação de um novo subcomitê para reinvestigar os eventos de 6 de janeiro, para expor ainda mais “as falsas narrativas divulgadas pelo Comitê Seleto de 6 de janeiro politicamente motivado durante o 117º Congresso”, com a intenção óbvia de reformular a narrativa de maneiras favoráveis a Trump e ao Partido Republicano.
Os republicanos também tendem a acreditar que os muitos processos judiciais movidos contra Trump eram apenas esquemas partidários dos democratas, nos quais ele era uma vítima inocente de uma “caça às bruxas” por um establishment “corrupto”, não o objeto de um impulso honesto para a responsabilidade ou para “salvar a democracia”. Portanto, sua opinião sobre o Departamento de Justiça dos EUA se tornou mais crítica nos últimos anos. Infelizmente, em um sistema bipartidário sob polarização, nenhuma das partes provavelmente investigará suas próprias ações, portanto, muitas tentativas de responsabilização serão lideradas de alguma forma pela outra parte e, portanto, podem ser descartadas com credibilidade por muitos como meras manobras partidárias ou “pontos de discussão” contra o lado investigado.
Os republicanos são muito mais desdenhosos das repetidas ameaças que Trump fez (mais de 100) para usar ou permitir que o governo federal processasse uma ampla variedade de seus oponentes políticos e aqueles no sistema de justiça que tentaram responsabilizá-lo legalmente. Isso inclui a mídia tradicional, o Google e o comitê do Congresso que investigou o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio, entre muitos outros. Essas diferenças partidárias acentuadas em questões básicas, nas regras e nas normas aceitas e na compreensão da realidade, com o estilo personalista altamente perturbador de Trump agora na Casa Branca novamente, com uma equipe completa de leais dedicados, levantam preocupações cada vez mais sérias sobre a unidade nacional, integridade institucional, governança e a saúde e o futuro da democracia americana.
Mais do autor no OPEU
Informe OPEU “Perspectives on the 2024 Presidential Election and its Immediate Aftermath”, 16 abr. 2025
Informe OPEU “Trump, MAGA, and the United States Face the November 2024 Presidential Election and Beyond”, 10 out. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Wayne Selcher]
Informe OPEU “A Profile of Trump Voters: The Demographics of his MAGA Enthusiasts and Their Relationship to Him”, 18 set. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Gabriel Moura e Wayne Selcher]
Informe OPEU “A Profile of Trump Voters: Values and Policy Preferences”, 23 ago. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Tatiana Teixeira, pesquisadora de Pós-Doutorado (INCT-INEU/CNPq) e editora-chefe do OPEU]
Informe OPEU “The Appeal of Donald J. Trump”, 24 jun. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Tatiana Teixeira, pesquisadora de Pós-Doutorado (INCT-INEU/CNPq) e editora-chefe do OPEU]
Resenha “Eric Hoffer’s ‘The True Believer: Thoughts on the Nature of Mass Movements’”, 11 mar. 2024 [Versão em português disponível aqui, com tradução de Andressa Mendes, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP)]
Estudos e Análises “American Political Culture in Transition: The Erosion of Consensus and Democratic Norms”, 29 fev. 2024
Estudos e Análises “Is the United States ‘Exceptional’?”, 3 ago. 2021
Divulgação “Virtual Library: The Ultimate Online Research Guide”, 26 abr. 2021
Informe OPEU “Suggested Cost-Free Online Sources for U.S. Politics and Foreign Policy”, 2 jun. 2021
* Wayne A. Selcher, PhD, é professor Emérito de Estudos Internacionais no Departmento de Ciência Política, na Elizabethtown College, PA, USA, e colaborador regular do OPEU. É fundador e editor da WWW Virtual Library: International Affairs Resources, um guia para pesquisa on-line sobre os mais diversos tópicos. Contato: wayneselcher@comcast.net.
** Tradução, revisão e edição final: Tatiana Teixeira, com conferência do autor. A versão original em inglês deste artigo foi publicada em 16 abr. 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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