A verdadeira razão por que Trump matou o acordo com o Irã

por Gregory R. Copley
Traduzido do OilPrice.com*

Em 8 de maio de 2018, o presidente Donald Trump cumpriu uma grande promessa de campanha, retirando os Estados Unidos do Plano de Ação Conjunto Abrangente (JCPOA) de 2015, no qual havia entrado com o Irã, os outros membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha (P5+1), a fim de acabar com a perspectiva de o Irã desenvolver capacidade para armas nucleares próprias até, pelo menos, 2028.

Mas é improvável que a ação de Trump melhore a situação de segurança dos Estados Unidos, de Israel ou do Oriente Médio em geral, ou que prejudique significativamente as capacidades estratégicas do Irã.

O movimento do presidente Trump, no entanto, jogou muitos aspectos da política estratégica global dos Estados Unidos numa área de incerteza, apesar de prometer esperar cerca de seis meses antes que o presidente tome algumas decisões importantes em relação à retirada do acordo.

O período tampão pode, de fato, ser o tempo para se negociar com o Irã, a Coreia do Norte, a Europa e outros. Certamente, um aspecto da medida de Trump é que ela muda algumas das dinâmicas em relação à esperada cúpula do presidente com o líder norte-coreano, Kim Jong-Un, que foi programada para ocorrer dentro desse período de “confusão” criado por Trump.

Não foi por acaso que Kim Jong-Un se reuniu com o presidente Xi Jinping em Dalien, na China, em 8 e 9 de maio de 2018 – a segunda reunião em dois meses -, sabendo que a decisão de Trump sobre o Irã estava próxima.

A boa vontade na relação EUA-Irã é um elemento crítico nas opções abertas à Coreia do Norte nas negociações sobre um acordo para “desnuclearizar” a Península da Coreia. Tanto Pequim quanto Pyongyang estão cientes de que, ao colocar o acordo EUA-Irã 2015 “em jogo”, Trump lhes trouxe incerteza sobre a elaboração de planos que demandem a coordenação com o Irã – e a possível armazenagem “congelada” de armas estratégicas. A decisão de Trump de encerrar a participação dos Estados Unidos no JCPOA passou à Coreia do Norte e à China a mensagem de que o presidente americano cumpriria suas promessas de campanha, independentemente de pressão interna ou externa. Também mandou um recado a Teerã sobre o “processo de negociação” já ter começado e que os próximos seis meses de carência serão um período fundamental para manobras.

Portanto, a decisão unilateral de Trump é parte de um processo expressivo, com ramificações em muitas áreas. Não tem nenhum resultado pré-concebido. Em outras palavras, existem riscos para muitas partes.

Não há dúvida de que Trump achava o JCPOA impraticável do ponto de vista dos Estados Unidos. Ele havia sinalizado para Teerã que o acordo precisava ser atualizado, renegociado ou que um arranjo suplementar tinha que ser alcançado. Indiretamente, Teerã respondeu que não estar preparado para reconsiderar qualquer aspecto do acordo, e, presumivelmente, sentiu que as potências europeias poderiam persuadir o presidente dos Estados Unidos de que uma política de “superação” poderia ser desenvolvida.

Na falta de qualquer sinal de uma possível negociação com Teerã, o presidente Trump tinha apenas uma carta para jogar, que era a saída do JCPOA. Mas isso não significou o fim de todas as opções, nem para o Irã, nem para outros jogadores.

Não há indicação de que a decisão levará, necessariamente, à expansão do conflito no Golfo Pérsico. De fato, a atitude de Trump deu tempo para alguns dos Estados na Península Arábica se reagrupar. O que é significativo é o fato de que quaisquer restrições potenciais ao Irã, por meio de sanções dos Estados Unidos, poderiam afetar a capacidade do país de vender petróleo na maior parte do mercado mundial, o que poderia elevar os preços, dando à Arábia Saudita algum alívio econômico.

Também poderia ajudar positivamente a economia russa, que é fortemente dependente das exportações de petróleo e gás e, portanto, sensível aos preços do petróleo no mercado mundial.

Há também, como a liderança iraniana afirmou em 8 de maio de 2018, o fato de que novas sanções americanas não colocariam seriamente em risco a economia iraniana, embora mesmo pequenos retrocessos – juntamente com a piora das expectativas da população – pudessem afetar o humor público.

A verdadeira consequência estratégica seria que as corporações europeias fossem forçadas a decidir, nos próximos seis meses, se gostariam de continuar fazendo negócios com os Estados Unidos ou se optariam por continuar a buscar oportunidades comerciais no Irã. Isso afetaria principalmente a Airbus, no que diz respeito às empresas da União Europeia, mas também a Boeing nos Estados Unidos. A Boeing teria que renunciar à venda de 110 aviões comerciais para a Iran Air – alguns dos quais estavam sendo produzidos para entrega em 2018 – e para a Aseman Airlines. A Iran Air também se comprometeu a comprar 118 aeronaves da Airbus, incluindo 12 Airbus A380 de fuselagem larga. Mas já em fevereiro de 2018, o Irã já procurava alternativas, incluindo o jato russo Sukhoi Superjet-100, de 98 assentos, na categoria de avião de corredor único. Algumas aeronaves da Airbus – 11 transportes com dois turbopropulsores ATR – já haviam sido entregues ao Irã no final de 2017. As vendas da Rússia e da China para o Irã não seriam afetadas pelas sanções americanas.

O significativo é que as sanções, quase certamente, iriam acelerar as transações iranianas em renminbi e rublos com fornecedores estrangeiros. E, com a perspectiva da Arábia Saudita também considerar algumas vendas de petróleo em renminbi, o fim do domínio total do mercado de energia em dólares – petrodólares – parece cada vez mais provável, após quase meio século de dominação total da economia global pelo dólar americano como moeda de reserva universal. É improvável que isso tenha impacto negativo nos Estados Unidos no curto prazo, mas fortaleceria as economias da China e da Rússia, e, gradualmente, serviria para erodir a influência dos Estados Unidos nos mercados globais.

Enquanto isso, embora não haja evidência imediata de que a decisão de Trump leve necessariamente ao aumento de conflito no Oriente Médio no curto prazo, é possível que ela permita ao Irã maior latitude no desenvolvimento de suas capacidades estratégicas, incluindo assumir uma posição clara sobre seu programa de armas nucleares.

No entanto, o presidente iraniano, Hojjat-Eslam Hasan Fereidun Rouhani, disse, em 8 de maio de 2018, em resposta à decisão de Trump, que o Irã permaneceria com as outras partes do acordo no JCPOA. A questão é saber qual será o significado do JCPOA sem os Estados Unidos e com estes em posição de impor sanções ao Irã que efetivamente penalizem corporações não americanas que tentem fazer negócios com os iranianos, independentemente do fato de suas leis domésticas e de seus países aceitarem o JCPOA e permitirem tal comércio. Os Estados Unidos, no entanto, ainda têm alavancagem econômica suficiente para garantir que a maioria das grandes empresas comerciais não queira comprometer sua capacidade de fazer negócios nos EUA em troca de comércio com o Irã.

A realidade subjacente de todo o processo – tanto do JCPOA quanto do subsequente repúdio de Trump – era que, na verdade, nada impedia o Irã de desenvolver e implantar armas nucleares.

Mesmo sem a inteligência oferecida por Israel, que mostrou o compromisso histórico do Irã com o desenvolvimento de armas nucleares – desde 1990, sabe-se que o Irã adquiriu armas nucleares ex-soviéticas (de estoques do Cazaquistão), e, posteriormente, outras armas nucleares da Ucrânia e da Coreia do Norte e, finalmente – trabalhando com os norte-coreanos – desenvolveu e testou uma arma nuclear de design próprio.

O JCPOA não impediu o desenvolvimento contínuo de sistemas de mísseis balísticos iranianos. Eles foram consistentemente desenvolvidos e implantados. Portanto, o JCPOA não fez nada para desfazer essa realidade; apenas fez com que o Irã concordasse em restringir sua crescente capacidade para criar grandes quantidades de materiais físseis.

O governo israelense do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o governo do Reino da Arábia Saudita deram boas-vindas à decisão de Trump de sair do JCPOA, mas, em termos significativos, é incerto qual benefício a medida teria para esses Estados. Há pouca dúvida de que a ação encerrou um período de hipocrisia, já que foi em grande parte um “acordo pelo bem do negócio”. Mas deu ao Irã e a seus detratores a oportunidade de encerrar um período de hostilidade mútua que poderia ter aberto o caminho para uma reaproximação séria.

Poderia ter sido uma oportunidade para os Estados buscarem novamente influência no Irã, algo em falta desde que o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, deliberadamente minou o Xá do Irã em 1978-79. Os Estados Unidos tiveram a oportunidade de compensar parte da influência da Rússia no Irã (e, até certo ponto, da China), iniciando um processo para normalizar as relações. Não o fez, nem o governo clerical iraniano tirou proveito da abertura.

Indiscutivelmente, era  necessário um catalisador adicional, o que o JCPOA não conseguiu dar.

Enquanto isso, Rússia, China e Turquia são os que vão agir rapidamente para preencher o vácuo criado pelo novo regime de sanções que os Estados Unidos introduziram. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, em particular, tentarão reconstruir a credibilidade estratégica na esperança de que o Irã seja constrangido pelas sanções e reduza suas missões militares regionais e de guerra por procuração. Mas eles correm o risco de ver o Irã, agora fora da “benefícios” da abertura para os Estados Unidos e o Ocidente, expandir sua projeção, uma vez que hoje existem menos motivos para restrições.

Há também pouco espaço na ação dos Estados Unidos para melhorar significativamente sua influência e posição no Oriente Médio.

No curto prazo, a única vantagem estratégica para qualquer lado é a remoção dos aspectos hipócritas do JCPOA. É possível que a medida force a Turquia a avançar na cooperação com o Irã, acelerando assim as decisões políticas dos Estados Unidos sobre como lidar com o fato de que Ancara se tornou estrategicamente hostil a Washington e à OTAN. De fato, os eventos estão aproximando jogadores que tinham suspeitas mútuas: Irã, Rússia e Turquia. Mas não há abertura para nada disso nos Estados Unidos.

Assim, as principais motivações para a medida do presidente Trump parecem ser o cumprimento da promessa de campanha de acabar com o JCPOA e a introdução de um novo nível de alavancagem nas próximas negociações com Kim Jong-Un.

Em resposta à decisão de Trump, o presidente Rouhani disse que os EUA “nunca aderiram aos seus compromissos”, fundamento com certo fundo de verdade, dado que o histórico de que cada governo dos Estados Unidos muitas vezes contradiz os compromissos de administrações antecessoras. Mas Trump deixou claro que iria cumprir seus próprios compromissos. A televisão estatal iraniana falou que a decisão do presidente dos Estados Unidos de se retirar do JCPOA era “ilegal, ilegítima e prejudicial aos acordos internacionais”. Talvez prejudique os acordos internacionais, mas não há provas de que a retirada do JCPOA tenha sido ilegal. Ainda assim, será mais difícil para os Estados Unidos construir futuras alianças ou empreendimentos que dependam fortemente da confiança mútua.

 

Traduzido por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 09/05/2018, em https://oilprice.com/Geopolitics/International/The-Real-Reason-Trump-Killed-The-Iran-Deal.html

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