América Latina

Disputa China-EUA e o caso latino-americano

Crédito: Marco Verch/Flickr/Creative Commons

Por Eduardo Mangueira* [Informe OPEU]

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Crédito da arte: Tatiana Carlotti

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) promoveu seu seminário internacional anual no dia 30 de novembro de 2023, em São Paulo. Esse encontro reuniu diversos pesquisadores para debater o tema “Encruzilhada: a América Latina frente à disputa hegemônica global”. Dentre as várias mesas que compuseram o evento, a segunda tratou do fim da ordem unipolar americana e da disputa entre China e Estados Unidos na região da América Latina.

Globalização e o caso mexicano

O século XXI é uma era de diversas transformações. Dentre elas, o acadêmico Roberto Zepeda Martínez (UNAM) destaca o debate acerca do fim da chamada “era da globalização”, segundo o qual se argumenta que o período foi marcado por sucessivas crises que questionam o modelo de globalização propagado pelos Estados Unidos enquanto potência unipolar no Pós-Guerra Fria. Juntamente com o surgimento de líderes pelo mundo que questionam a eficácia desse fenômeno para a solução do estado desigual do sistema internacional, a erosão da hegemonia estadunidense se torna vetor para a disseminação da regionalização enquanto modus operandi generalizado. A partir daí, observa-se um mundo multipolar.

Segundo Martínez, tal nova era da globalização é marcada pela regionalização das cadeias de valor, de modo a maximizar a competitividade, reduzir custos e gerar uma maior integração regional. Essas tendências são acentuadas pela pandemia da covid-19, bem como pelos conflitos geopolíticos, como a invasão russa à Ucrânia, e econômicos, como a guerra comercial iniciada em 2017 entre China e EUA, a partir dos quais os países buscam diminuir os riscos em suas economias.

SBS Mexico Visiting Scholars | SBS Mexico Initiatives

Roberto Martínez (Fonte: University of Arizona)

Ao explorar o caso norte-americano, e tendo o México como ponto focal, o professor afirma que essa dinâmica se dá com o objetivo de impedir a penetração de países asiáticos – sobretudo a China – no mercado norte-americano. O México, com sua proximidade com o mercado estadunidense, tem atraído empresas estrangeiras. Carece, no entanto, de governança, infraestrutura e incentivos fiscais para usufruir deste fenômeno de near shoring. Ademais, as relações entre os dois países são também condicionadas por fatores como a questão da entrada de migrantes pela fronteira e de segurança, mais especificamente no combate ao tráfico de drogas – temas pelos quais os EUA têm feito muita pressão.

Malgrado estes desencontros, é nítido para Martínez o fortalecimento das cadeias de valor regionais, sendo o México o maior parceiro comercial dos EUA. Além disso, nota a necessidade de que o México se aproveite das oportunidades e dos recursos dispostos a partir dela, de modo a suprir as deficiências em sua infraestrutura e promover seu desenvolvimento, e que os problemas enfrentados nas relações com os EUA sejam uma corresponsabilidade.

China, Estados Unidos e América Latina

O professor (Unesp-Marília) e pesquisador do INCT-INEU Marcos Cordeiro Pires apresentou, por sua vez, os contornos mais gerais da perspectiva dos Estados Unidos para, posteriormente, expor a maneira pela qual o conflito entre as duas potências é encarado pelas lideranças latino-americanas. Inicialmente, observa-se que o crescimento da China se deu sob o sistema estadunidense, e que havia nele o entendimento, considerado por Pires como ilusório, de que a China 1) cresceria e se tornaria um gigante industrial, mas sem se desenvolver de forma autônoma, ou participar mais ativamente das cadeias de valor globais, e 2) de que o desenvolvimento econômico seria traduzido em uma conversão do sistema político chinês ao liberalismo político. Ambas as suposições se mostraram equivocadas: não somente a China visava a uma presença e influência condizentes com o tamanho de sua economia, como o crescimento e o desenvolvimento econômico experimentados reforçaram a legitimidade do Partido Comunista Chinês (PCC).

Latino Observatory

Prof. Marcos Pires (Fonte: Latino Observatory)

Dessa forma, a China cresceu, de modo a se tornar a maior parceira comercial de mais de 150 países, apresentando iniciativas em campos como o da oferta de “bens públicos internacionais”, por meio da Belt and Road Initiative; o da segurança internacional, com a reaproximação entre Irã e Arábia Saudita; e o do desenvolvimento global. Isso se torna parte da promoção de uma nova ordem internacional, que se destaca pela aceitação de outros modelos que não a democracia liberal.

A partir dessa ameaça a sua ordem vigente, os Estados Unidos passam a se concentrar na contenção da China, desde o foco do governo de Barack Obama na Ásia em 2011. Desde então, foram criadas alianças de segurança, cujo alvo não declarado é a China, como o AUKUS – formado por Austrália, EUA e Reino Unido – e o Diálogo Quadrilateral de Segurança (Quad) – formado por Austrália, EUA, Índia e Japão. A importância de frear a crescente influência global chinesa é, hoje, um consenso bipartidário nos EUA, e os principais métodos de ação são a sanção de funcionários e empresas chinesas, além da guerra comercial, que tem por objetivo o atraso da China. No entanto, Pires remonta ao debate, mencionado na fala anterior, acerca da dificuldade de manutenção da hegemonia estadunidense.

Na região latino-americana, Pires estabelece uma dicotomia entre o momento da Guerra Fria, no qual a região se aliava econômica e ideologicamente com os Estados Unidos, e a era atual, na qual as relações econômicas com a China não podem ser sobrepujadas por ligações ideológicas com os EUA. No caso brasileiro, mesmo discursos contrários à presença chinesa são, por vezes, sublimados pelos esforços da bancada ruralista para a diminuição de tensões. Nesse cenário, a posição estadunidense é de disputa, mediante a promessa de benefícios similares à participação no projeto Belt and Road, remontando à “cenoura” da doutrina do “bastão e cenoura”. Observa-se um movimento de friend shoring, no qual as cadeias de valor são voltadas para países alinhados politicamente. Essas promessas não se concretizaram, porém, tal qual as anteriores, de políticas feitas para a região: o combate às drogas e a migração ilegal.

Pires afirma que a desconexão entre o “bolso” e o “coração” das elites impede um alinhamento automático para qualquer lado. Por fim, o doutor destaca a importância de que o Brasil saiba aproveitar as oportunidades trazidas por essa disputa.

Vídeo das discussões da Mesa 2 disponível aqui

 

* Eduardo Mangueira é colaborador do INCT-INEU/OPEU e bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Pesquisa as relações dos EUA com o Indo-Pacífico. Contato: eduardo.a.mangueira@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 23 dez. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mailtatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mailtcarlotti@gmail.com.

 

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