Internacional

Além das manchetes: mídia, geopolítica e o conflito Israel-Hamas

Fonte: Honest Reporting

Por Leonardo Martins de Assis* [Informe OPEU]

No atual cenário de conflito entre Israel e o grupo Hamas, a situação é altamente crítica, com impactos significativos na região e além. A escalada do conflito, desencadeada por um ataque surpresa do Hamas, já resultou em uma devastação impressionante, com um número de mortos superior a 2.000 pessoas. Israel declarou formalmente guerra ao Hamas em resposta a esse ataque, levando a um aumento dos combates que ameaça englobar toda a região.

Os eventos que levaram a essa crise são complexos e envolvem uma série de ações provocadoras e respostas violentas. Militantes do Hamas dispararam milhares de foguetes em direção às cidades israelenses, antes de conseguirem romper a fronteira fortemente fortificada e penetrar profundamente em território israelense. Lá, os combatentes do Hamas causaram a morte de centenas de pessoas, incluindo civis e soldados, além de terem feito reféns, inclusive crianças e idosos – em alguns casos, retirados de suas casas.

A situação é ainda mais delicada, devido à ameaça de ataques retaliatórios de Israel e está atingindo alvos suspeitos do Hamas e da Jihad Islâmica em Gaza. Este conflito é particularmente alarmante, porque Israel não enfrentava seus adversários em batalhas nas ruas de seu próprio território desde a Guerra Árabe-Israelense de 1948 e nunca havia enfrentado um ataque terrorista de tamanha magnitude que causou a morte de tantos civis.

O Hamas denominou sua operação de “Tempestade de Al-Aqsa” e a justificou como resposta a ataques israelenses contra mulheres, à profanação da mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém e ao cerco contínuo a Gaza. As tensões entre israelenses e palestinos são antigas, mas a violência tem aumentado, com uma crescente quantidade de palestinos, tanto militantes quanto civis, sendo mortos nas regiões ocupadas da Cisjordânia.

A situação em Gaza é especialmente crítica, devido ao bloqueio israelense que começou após o Hamas tomar o controle da região em 2007, deixando mais de dois milhões de palestinos presos em uma área com escassos recursos e acesso limitado a bens essenciais. Com o aumento das hostilidades, a situação humanitária está se deteriorando rapidamente, pois falta eletricidade, comida, combustível e água em Gaza.

Destruction in Gaza following conflict between Israeli forces and militants during August 2022.(Arquivo) Destruição em Gaza após conflito entre forças israelenses e militantes palestinos, em agosto de 2022 (Crédito: Ziad Taleb/ONU)

Este conflito não apenas tem consequências devastadoras para israelenses e palestinos, mas também coloca a região em um estado de crescente tensão e incerteza, com o potencial de se espalhar para além das fronteiras de Israel e Gaza, envolvendo outros atores na região, como o Irã, conhecido por apoiar o Hamas. A comunidade internacional está acompanhando de perto a escalada e os desdobramentos desta crise em evolução.

O conflito devastador entre Israel e o Hamas, que eclodiu com uma intensidade sem precedentes, está tendo um impacto humanitário avassalador em ambas as partes envolvidas. A cidade de Gaza e suas populações estão enfrentando uma terrível crise. As noites são preenchidas com o som ensurdecedor dos bombardeios, enquanto os dias são marcados por buscas frenéticas por abrigos e assistência médica.

Até o momento, 1.100 palestinos foram mortos, conforme o Ministério palestino da Saúde. Do outro lado, em Israel, mais de 600 pessoas morreram, a maioria delas civis. Além disso, relatos da imprensa israelense indicam que mais de 100 reféns, entre civis e soldados, estão nas mãos de militantes na Faixa de Gaza.

Para os habitantes de Gaza, essa tragédia se desenrola em um cenário de privações constantes. Conforme mencionado, cerca de dois milhões de pessoas vivem sob um bloqueio marítimo, terrestre e aéreo, imposto por Israel e apoiado pelo Egito desde 2007. A população enfrenta níveis alarmantes de pobreza, com oito em cada dez habitantes vivendo nessa condição e a falta de acesso regular à água potável é uma realidade para 95% dos habitantes de Gaza,  segundo as Nações Unidas.

As instalações médicas estão sobrecarregadas e enfrentam escassez de medicamentos e combustível para os geradores, uma vez que o fornecimento de eletricidade foi interrompido pelo governo israelense. Isso coloca em risco a vida dos feridos e a capacidade de prestar assistência médica adequada.

Como a cobertura da mídia e o papel dos EUA afetam o futuro do conflito?

O papel dos Estados Unidos neste conflito é significativo. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd J. Austin III, anunciou o envio de um porta-aviões, caças e embarcações equipadas para destruir mísseis teleguiados em apoio a Israel. Isso demonstra o compromisso dos EUA de fortalecer a capacidade de Israel de se defender contra os ataques do Hamas.

Ademais, nos últimos anos, tem sido cada vez mais evidente o papel da mídia estadunidense na cobertura dos conflitos no Oriente Médio, em particular, o conflito entre Israel e a Palestina. A análise de notícias e reportagens revela um padrão preocupante de viés ideológico e tendenciosidade.

Um estudo intitulado “50 Anos de Ocupação”, realizado pela empresa de análise de dados 416Labs, lançou luz sobre essa questão. O estudo analisou quase 100.000 manchetes de notícias sobre o conflito Israel-Palestina publicadas em cinco importantes jornais americanos: Chicago Tribune, Los Angeles Times, The New York Times, The Washington Post e Wall Street Journal. Os resultados foram surpreendentes e indicam um claro favorecimento à perspectiva israelense nas manchetes, em detrimento da perspectiva palestina.

Termos como “Israel diz” apareciam 2,5 vezes mais do que equivalentes palestinos nas manchetes. Além disso, manchetes com foco em Israel eram quatro vezes mais frequentes do que as que tinham foco nos palestinos. Termos como “terror” eram mencionados três vezes mais do que “ocupação”. Esses números demonstram claramente uma inclinação em favor da perspectiva israelense na cobertura midiática.

Outra questão importante é como a mídia estadunidense tende a dar mais destaque ao conflito durante períodos de violência intensa. Isso não é surpreendente, já que a cobertura de notícias frequentemente se concentra em eventos dramáticos. No entanto, o que torna essa dinâmica preocupante é o fato de que o governo dos Estados Unidos desempenha um papel significativo na manutenção do status quo no conflito Israel-Palestina, fornecendo apoio militar maciço a Israel e apoio diplomático.

Além disso, é importante destacar como a cobertura da mídia sobre o conflito muitas vezes se limita a detalhes superficiais, como iniciativas diplomáticas fracassadas e violência intercomunitária no terreno. Questões mais profundas e contextuais, como o papel dos Estados Unidos no processo de paz, a questão dos refugiados palestinos e os assentamentos israelenses, muitas vezes são negligenciadas. Isso deixa o público estadunidense sem informações importantes sobre por que o conflito permanece tão intratável.

Para saber mais, assista ao vídeo de The Intercept Brasil

A questão central aqui é como a mídia influencia a percepção pública e, consequentemente, a política externa dos Estados Unidos. Essa cobertura tendenciosa e superficial do conflito pode moldar a opinião pública de maneira inadequada e influenciar a tomada de decisões do governo dos Estados Unidos, favorecendo os interesses políticos e econômicos do país.

Uma reflexão crítica sobre mídia e geopolítica

Nesse contexto complexo da cobertura midiática do conflito entre Israel e o Hamas, torna-se evidente a necessidade de uma reflexão crítica sobre o papel da mídia e seus impactos nos interesses geopolíticos dos Estados Unidos.

A análise realizada ressalta a tendência da mídia ocidental em minimizar a violência do Estado de Israel contra os palestinos, muitas vezes rotulando eventos desproporcionais como simples “conflitos”, ou “tensões”, atribuindo responsabilidades de forma equânime às duas partes. Essa abordagem distorcida ignora a realidade de um desequilíbrio gritante de poder, em que as forças militares israelenses têm uma vantagem esmagadora.

Essa cobertura contrasta de forma acentuada com a abordagem adotada pela mídia em relação a outros conflitos, como a guerra na Ucrânia, onde a agressão russa é identificada e o povo ucraniano é retratado como resistente. No entanto, no caso do conflito Israel-Palestina, a mídia muitas vezes omite nomear o agressor, contribuindo assim para um retrato distorcido da situação.

A influência dos Estados Unidos nesse cenário é inegável, manifestando-se por meio de apoio militar substancial a Israel e por sólidas e históricas relações políticas. Isso levanta sérias preocupações sobre a objetividade da mídia dos EUA, que, em algumas instâncias, parece favorecer seus próprios interesses geopolíticos, também cedendo à pressão de um lobby bastante poderoso em Washington, D.C., em detrimento de uma cobertura justa.

É importante compreender que a mídia exerce um papel fundamental na formação da opinião pública e, por conseguinte, na busca por uma solução justa para o conflito. Quando os meios de comunicação deixam de contextualizar de maneira apropriada a violência cometida pelo Estado de Israel, acabam por permitir que o governo israelense prossiga com suas políticas sem prestar contas. Portanto, é imperativo que a mídia assuma a responsabilidade de suas práticas e escolhas, buscando uma abordagem plural que inclua a ampliação da representação de vozes palestinas e a consideração das implicações de longo prazo desse conflito.

Em última análise, este não é apenas um debate de manchetes, ou de agendas políticas, mas sim uma questão de vidas humanas em jogo. A mídia tem a obrigação de reportar com precisão e imparcialidade, visando à busca da verdade e à promoção da paz em uma região que há muito tempo sofre com conflitos. O desafio é enfrentar influências externas e garantir que a cobertura jornalística reflita a realidade multifacetada do Oriente Médio, de modo a contribuir para uma compreensão mais profunda e para uma solução duradoura.

 

* Leonardo Martins de Assis é graduando do curso de Relações Internacionais da Unesp e pesquisador do Latino Observatory, sob coordenação e orientação de Marcos Cordeiro Pires e Thaís Lacerda. Contato: lm.assis@unesp.br.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 10 out. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Para mais informações e outras solicitações, favor entrar em contato com a assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti, tcarlotti@gmail.com.

 

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