Internacional

Sobre intenções e atos: as pequenas expectativas para a cúpula do G20 na Índia

Líderes mundiais na abertura da Cúpula do G20, sessão I: “Uma Terra”, em Nova Délhi, em 9 set. 2023 (Crédito: Ricardo Stuckert/PR)

Por Marcos Cordeiro Pires* [Informe OPEU]

Entre os dias 9 e 10 de setembro, a Índia sedia a 18ª Cúpula do G20. O tema da reunião, “Uma Terra, Uma Família, Um Futuro”, foi extraído do antigo texto em sânscrito de Maha Upanishad, que ressalta o valor de toda a vida – humana, animal, vegetal e microrganismos – e sua interligação no planeta Terra e no Universo. O país recebe o encontro em meio ao clima de um grande ufanismo, já que a Índia conseguiu fazer o primeiro pouso de uma sonda no polo sul da Lua.

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O G20 foi criado em 1999 na esteira da crise financeira que abalou a Ásia dois anos antes. Em princípio, era uma reunião de ministros da Economia e de presidentes de bancos centrais dos países com maior representatividade econômica do mundo. Ele foi idealizado como um fórum para a cooperação econômica internacional e para impulsionar os mecanismos de governança global. Em 2008, na esteira da crise financeira que se espalhou após da quebra do Lehman Brothers, o fórum foi elevado a uma reunião de chefes de Estado.

A reunião de cúpula anterior ocorreu em Bali, na Indonésia. O tema principal do encontro deveria ter sido a superação dos efeitos recessivos da pandemia e a recuperação econômica, mas, naquele momento, as atenções dos líderes mundiais se voltavam para a guerra na Ucrânia e seus impactos. Alguns líderes defenderam a exclusão da Rússia, mas a ideia foi rejeitada pela maioria dos membros. A declaração final fez menção à guerra, mas evitou condenar explicitamente o governo de Vladimir Putin. A solução encontrada para se conseguir aprovar uma declaração conjunta foi a de reiterar as posições de cada membro do G20 na Assembleia Geral da ONU (Resolução n.º ES-11/1 de 2 de março de 2022) e, ainda, citar a preocupação com os danos provocados pela guerra, como a restrição ao crescimento do PIB mundial, o aumento da inflação, a piora da insegurança energética e alimentar e, por fim, a elevação dos riscos para a estabilidade financeira. Outras menções foram feitas acerca da cooperação internacional para o combate de pandemias, a importância da ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento e o enfrentamento dos efeitos da mudança climática.

Para a cúpula de Nova Délhi, além dos 20 membros tradicionais, foram convidados os líderes de Bangladesh, Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Ilhas Maurício, Países Baixos, Omã, Singapura e Espanha. Também participam dos debates representantes de organizações do Sistema ONU, FMI, Banco Mundial e dirigentes de fóruns regionais, como a ASEAN. Dentre os chefes de Estado, chamam atenção as ausências de Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), López Obrador (México) e do rei Salman Bin Abdulahziz Al Saud (Arábia Saudita).

Vale destacar que os trabalhos do G20 têm início bem antes da reunião de Cúpula. Eles são realizados pelos chamados “sherpas” (uma alusão ao povo tibetano que auxilia montanhistas a subir o pico Everest), que são os representantes diplomáticos de cada país no grupo. Os sherpas estão distribuídos em diversas comissões que tratam temas como economia, desenvolvimento, corrupção, turismo, comércio e investimentos, meio ambiente e mudança climática, agricultura, educação, emprego etc. Posteriormente, o trabalho dos sherpas é refinado pelos ministros das Relações Exteriores com vistas a obter um consenso mínimo entre os chefes de Estado. Paralelamente ao G20, são organizadas reuniões com membros da sociedade civil, como líderes sindicais, empresários, acadêmicos, cientistas, ativistas sociais, lideranças femininas etc.

Em tese, os temas e as discussões do G20 têm uma importância global, pois se discute, exaustivamente, uma série de problemas candentes e de grande impacto social. Para além da declaração final, são produzidos diversos relatórios que podem servir de guia para a ação dos governos e da sociedade. Vale a pena acessar o conjunto de documentos emitidos pelo G20 da Indonésia, onde foram apensados vários relatórios setoriais.

A última etapa de preparação, o refino dos trabalhos dos sherpas, deu-se entre 3 e 6 de setembro, quando os chanceleres dos respectivos países buscaram estabelecer um consenso sobre o conteúdo do “comunicado conjunto” a ser divulgado após a reunião dos chefes de Estado. Até o momento em que foi escrito este texto, 8 de setembro, as partes encontravam muitas dificuldades para se chegar a um acordo, particularmente no que tange à guerra na Ucrânia. No entanto, já havia consenso sobre outros temas, ainda que de forma genérica, como a retomada do crescimento econômico e o enfrentamento da mudança climática.

Um aspecto a ser considerado será o papel dos países do chamado Sul Global, que ganharam um novo protagonismo com a recente expansão do Grupo BRICS. Cabe destacar que, na cúpula da Índia, além dos cinco membros atuais do BRICS, participarão os recém-adicionados: Argentina e Arábia Saudita (já membros do G-20) e Egito e Emirados Árabes Unidos. Existe uma forte expectativa de que a União Africana seja admitida no G20. Por fim, é preciso considerar que a maior parte do crescimento do PIB mundial nos próximos anos virá, justamente, dos países em desenvolvimento.

(Arquivo) Primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e presidente Lula. Brasil assumirá presidência do G20 pela 1ª vez, após cúpula na Índia (Crédito: Ricardo Stuckert)

Um tipo de reunião como a do G20, que congrega países de diversos níveis de desenvolvimento, de distintos modelos econômicos e com diferentes graus de articulação política, não tem como oferecer medidas práticas e imediatas contra os grandes problemas globais, como o subdesenvolvimento, a fome, a mudança climática, os direitos humanos, ou o fim de conflitos armados. Basta recordar a lacuna entre intenções e atos de eventos como as Conferências sobre Meio Ambiente (COPs) e mesmo a reunião do G7. As declarações finais são sempre repletas de promessas e de boas intenções, mas, na falta de uma efetiva autoridade internacional para fazer cumprir e fiscalizar as metas acordadas, os textos servem apenas como peça de literatura e tema de estudo para alunos de Relações Internacionais. O presidente Lula, por exemplo, continua cobrando os US$ 100 bilhões prometidos pelos países ricos para a proteção de florestas tropicais na COP de Paris, em 2015.

Na prática, os interesses nacionais, as disputas partidárias e o poder dos grandes grupos econômicos levam à quase paralisia de cada governo com relação aos termos acordados. Nesse aspecto, cabe perguntar: o presidente dos EUA, Joe Biden, já conseguiu aprovar no Congresso de seu país a colaboração de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia prometida pelo Assessor para Meio Ambiente John Kerry?

De forma geral, as reuniões de mecanismos internacionais de cooperação, como o G20, têm importância em trazer à tona os grandes problemas enfrentados pela humanidade. Também têm relevância por serem um fórum, em que os dirigentes dos principais países possam debater frente a frente suas posições sobre diferentes tópicos. Entretanto, o “locus” para a efetiva transformação da realidade continua sendo o espaço nacional de cada país, onde se confrontam os interesses de grupos e classes sociais. Do ponto de vista do Brasil, uma solução efetiva para grande parte dos temas debatidos no G20 depende de organização e força política no Congresso e na sociedade.

Por fim, é importante acompanhar os recentes avanços obtidos no Grupo BRICS para ver se conseguimos superar a lógica até aqui verificada nas inúmeras conferências e cúpulas internacionais. Mas, ainda assim, não podemos esquecer que os avanços em qualquer tipo de cooperação entre diversos países dependem da nossa ação doméstica, seja para enfrentar a mudança climática, seja para eliminar a miséria, seja para superar o atraso econômico e tecnológico. Está em nossas mãos transformar as intenções em atos.

 

* Marcos Cordeiro Pires é Professor da Unesp. Docente dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Marília) e Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp-Unicamp-PUC-SP). Pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 8 set. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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