Internacional

Pressão Estadunidense na Política Paquistanesa

(Arquivo) Asad Majeed Khan, embaixador do Paquistão nos EUA (à esq.); e embaixador Richard Olson, conselheiro sênior no U.S. Institute of Peace, em 8 de julho de 2021 (Fonte: Wikimedia Commons)

Por Eduardo Mangueira* [Informe OPEU]

O vazamento de um documento paquistanês, publicado pelo jornal on-line independente The Intercept, apresenta a conversa entre o secretário de Estado adjunto para Assuntos da Ásia Central e do Sul da Ásia, Donald Lu, e o embaixador paquistanês nos Estados Unidos, Asad Majeed Khan, no dia 7 de março de 2022. Essa conversa parece demonstrar o exercício de pressão por parte de Lu sobre o governo paquistanês para a saída do então primeiro-ministro Imran Khan, retirado do poder um mês após essa conversa. Muitas vezes indicado pelo próprio durante comícios, o documento, finalmente revelado, pode trazer efeitos contraproducentes para as relações entre os dois países e, por conseguinte, para os interesses estadunidenses na região.

O vazamento

A conversa também contou com presença do vice-secretário adjunto de Assuntos da Ásia Central e Paquistão, Leslie Viguerie, e com autoridades paquistanesas. Em sua fala, Lu alude à postura de não-alinhamento “agressiva” em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia como “desagradável” para EUA e Europa. Essa posição, segundo Lu, arriscaria um isolacionismo frente às “forças ocidentais”. Apesar de criticar a visita de Khan a Moscou, o que gerou indignação nos EUA, disse que essa viagem foi vista pelo Departamento de Estado como um movimento pelo qual o primeiro-ministro é responsável, e que “se o voto de desconfiança for bem-sucedido, tudo será perdoado”. Isso não acontecendo, “[o relacionamento entre EUA e Paquistão] teria dificuldades de continuar”.

Isto se deu em um contexto de percepção paquistanesa de relutância por parte dos EUA em dialogar com sua liderança, de desconsideração dos assuntos mais caros a eles enquanto esperavam apoio total. Um mês depois, o voto de desconfiança aconteceu, e a saída de Khan foi assegurada. Embora não se possa afirmar um envolvimento direto nesse sucesso, é clara uma predileção, expressa por um representante dos EUA, à sua saída do poder. Em coletiva de imprensa, o Departamento de Estado negou veementemente as acusações de encorajamento ao voto de não-confiança.

A entrada do novo primeiro-ministro, Shehbaz Sharif, representou uma maior aproximação entre o Paquistão e os Estados Unidos, com o envio de auxílio financeiro ainda maior e a renovação da frota de jatos estadunidenses F-16. No entanto, a enorme popularidade de Khan foi demonstrada por diversos protestos em massa organizados no país, duramente reprimidos pelas forças policiais. A eventual prisão de Khan e de seus aliados políticos, e a crescente censura na imprensa são fenômenos observáveis após o ocorrido.

Khan afirmava, inicialmente, que sua retirada do poder se deu a partir de um conluio entre os Estados Unidos e as forças militares do país. Posteriormente, mudou seu discurso, afirmando que os militares manipularam os Estados Unidos para apoiá-los em seu movimento golpista, enfatizando a importância de boas relações, caso volte ao poder. Em tese, a retórica anti-EUA seria uma forma de atacar os militares paquistaneses indiretamente. Lembramos aqui que a história do Paquistão é marcada por disrupções no processo democrático, principalmente por forças militares, de modo que o primeiro mandato ininterrupto, e com uma transição de governo democrática, deu-se em 2013.

Shehbaz Sharif | Flickr
(Arquivo) Shehbaz Sharif, em 2018 (Fonte: Flickr do próprio)

Os militares na política paquistanesa e os Estados Unidos

As Forças Armadas paquistanesas têm uma influência considerável na política do país, praticamente tomando as rédeas da política externa e de segurança interna e externa. Desde sua independência em 1947, a formação de um governo de minoria pela Liga Muçulmana tornou-a dependente do apoio militar para se manter no poder. Além disso, a insegurança gerada pela rivalidade com a Índia exacerbou consideravelmente a importância dos militares na sociedade. Assim, acreditando que a unidade nacional seria imprescindível para o enfrentamento da Índia, e considerando o governo civil incapaz de obtê-la, os militares passaram a exercer um papel “tutelar” na política, efetivamente controlando – seja por envolvimento direto, seja por apoio a determinadas pessoas– a política do país.

O caso de Imran Khan não foi diferente: sua chegada ao poder foi possível por meio do apoio dos militares, e sua derrocada se deu por sua falta.

Esse papel foi adquirido também em razão da rápida modernização das forças militares do país, trazida pelo apoio dos Estados Unidos no contexto de combate da Guerra Fria. Com a independência, o Paquistão buscou uma aproximação com o governo de Harry Truman, que os apoiaram com o envio de armas durante o combate às forças indianas. A partir do século XXI, as relações EUA-Paquistão se resumem a movimentos de cooperação pontual voltados, principalmente, para a Guerra ao Terror, no oferecimento de logística e no combate direto, além de cooperar para o assassinato de Osama bin Laden. No entanto, o país é considerado um “porto seguro” para algumas células terroristas, sendo Bin Laden encontrado em seu território.

Nesse contexto, é observável a influência dos Estados Unidos na política paquistanesa, tanto no estabelecimento de regimes políticos, quanto na alocação de políticos no governo.

O Paquistão é um aliado tradicional da China, em razão de sua rivalidade comum com a Índia, a principal aliada dos Estados Unidos na região. É, por vezes, considerada a aliança mais estável da China, que hoje se encontra em uma disputa em nível global com os Estados Unidos. Como tal, uma maior aproximação com o país, de maneira a diminuir a influência chinesa, seria altamente relevante para a posição estadunidense no Sul da Ásia. O Corredor Econômico China-Paquistão, bem como o eventual acesso chinês ao porto de Gwadar, são fontes de insegurança para a Índia, bem como empecilhos para sua projeção como potência marítima no Oceano Índico.

Consequências

Após a confirmação da veracidade do documento pelo atual primeiro-ministro, torna-se imperativo entender seu significado. De forma geral, não é esperado que as relações sejam prejudicadas de maneira significativa em nível estatal. No entanto, a alta popularidade de Imran Khan leva a um desgaste considerável para a legitimidade do governo atual. Embora o próprio ex-primeiro-ministro tenha afirmado que, independentemente da realidade do documento, isso estava no passado, o pedido de Imran Khan de que os Estados Unidos se manifestassem acerca das violações dos direitos humanos foi respondido com a afirmação de que se tratavam de assuntos internos.

Esta situação exacerba ainda mais a fragilidade da retórica do governo de Joe Biden acerca da suposta importância maior dada à defesa dos direitos humanos, concedendo à China mais uma arma retórica à sua disposição para tecer críticas à “hipocrisia” dos Estados Unidos. Não somente isso, a imagem dos Estados Unidos no Paquistão se desgasta, tornando um aprofundamento de relações com a China mais aceitável para a população, de modo a fazer frente à influência estadunidense em sua política.

 

* Eduardo Mangueira é colaborador do OPEU, bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Pesquisa as relações dos EUA com o Indo-Pacífico. Contato: eduardo.a.mangueira@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 16 ago. 2023. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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