Eleições

A disposição das forças políticas no primeiro mandato de Biden

Partidos e seus símbolos: o burro democrata e o elefante republicano (Crédito: TeddyandMia/ Depositphotos.com)

Por Augusto Scapini* [Informe OPEU] [Divulgação]

Nos dias 7 e 8 de dezembro de 2022, na PUC-SP, aconteceu o seminário anual do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU), desta vez intitulado “Tempos Difíceis: o primeiro tempo do Governo Biden e as Eleições de Meio de Mandato”.

Conduzido de forma remota e presencial, o evento contou com a participação de diversos pesquisadores afiliados ao instituto, incluindo os autores do livro De Trump a Biden: partidos, políticas e eleições e perspectivas, organizado pelos professores Sebastião Velasco e Cruz e Neusa Maria Bojikian (Editora Unesp, 2021). Sequência da obra Trump: primeiro tempo: partidos, políticas, eleições e perspectivas (Editora Unesp, 2019), contém dissertações e análises da política americana no momento de transição para o atual governo, do democrata Joe Biden (2021-).

O primeiro dia do encontro foi marcado por apresentações de temas referentes à política doméstica dos Estados Unidos, como os resultados das eleições de meio de mandato de 2022 (midterms), as projeções para as eleições presidenciais de 2024, os movimentos sociais das minorias e a revogação do direito ao aborto pela Suprema Corte (e suas possíveis consequências para a sociedade).

O que aconteceu com o Partido Democrata?

Abrindo a mesa para as exposições, Camila Feix Vidal* dedicou sua pesquisa à avaliação dos primeiros dois anos de mandato do presidente democrata Joe Biden (2021-2022), assim como dos avanços e retrocessos de seu partido. A pesquisadora inicia sua fala contextualizando o momento político vivido pelo país, caracterizado por altos índices de rejeição da população ao atual governante e pela insatisfação com as recentes ações do governo.

Entre os sucessos desse novo período, destaca-se a aprovação do acordo bipartidário de infraestrutura e de acordos climáticos. Já os desafios enfrentados estiveram relacionados, principalmente, com a pandemia da covid-19, as altas taxas de desemprego e os elevados índices de inflação econômica. Quanto à agenda climática de Biden, o aumento da produção de veículos elétricos não somente contribuiu para a redução das emissões de gás carbônico na atmosfera, como também desempenhou um papel economicamente estratégico, visto que o país foi capaz de dinamizar sua competição com a China na produção desse tipo de automóvel.

A pesquisadora Camila verificou, ainda, que o atual presidente cumpriu diversas promessas declaradas como prioridade em sua campanha, como a nomeação de juízas e juízes negros e latinos e, também, o perdão de dívidas estudantis. Já em relação à sua política externa, o fortalecimento das relações diplomáticas com os líderes cubanos, venezuelanos e nicaraguenses mostrou um maior compromisso do governo ao diálogo com a comunidade latina.

Assista à mesa 1 na íntegra

Em relação às eleições de 2022, Camila Vidal afirma que os resultados foram vistos como uma grande vitória para o partido de Biden, indo contra as tendências históricas que demonstram um maior desempenho, nas eleições de meio de mandato, do partido oposto ao do presidente recém-eleito.

Uma das razões para essa quebra de expectativa, explica Vidal, foi a participação ativa dos jovens no ato de sufrágio. Mesmo demonstrando insatisfação com ambos os partidos, esse grupo optou por votar nos democratas. A outra razão está na divisão do eleitorado dos chamados swing states (estados que ora elegem políticos republicanos, ora democratas). Nesses locais, grande parte dos votantes escolheu candidatos democratas. Isso se deu não por um apoio propriamente dito ao partido, mas por uma rejeição dos políticos republicanos aliados ao ex-presidente Donald Trump, cuja credibilidade sofreu impactos negativos após suas tentativas frustradas de contestar os resultados das eleições de 2020.

Ao mesmo tempo, a pesquisadora lembra que, apesar da vitória eleitoral, o Partido Democrata também enfrentou perdas em certas áreas. De acordo com pesquisas da CNN, além dos baixos índices de aprovação do presidente (chegando a cair para 39% em 2022), os democratas também sofreram com a perda de apoio de jovens, mulheres, latinos e dos eleitores de partido independente, em comparação com dados das midterms de 2018. Essa grande rejeição, identifica a pesquisadora, está centrada na insatisfação da população com a ineficácia do governo em resolver problemas como a inflação, a falta de amplo acesso à saúde pública e o desemprego.

Dessa maneira, os democratas – incluindo Biden – passaram a ser caracterizados como desconectados da realidade e dos problemas materiais do povo americano, principalmente da classe trabalhadora. Um dos indícios disso é o foco da política democrata em questões consideradas abstratas e, muitas vezes, elitistas por uma parcela do eleitorado (como o perdão de dívidas estudantis que, fundamentalmente, beneficiou mais a camada intelectual do país). A falta de liderança dos democratas cria, assim, um vazio político que, como argumenta a pesquisadora, é preenchido pelos candidatos republicanos e por figuras autoritárias de extrema direita.

Com ou sem Trump? O GOP na oposição

Seguindo as exposições, Flávio Contrera e Karina Mariano* utilizam o Partido Republicano como objeto de análise, verificando o desempenho de seus candidatos nas eleições de meio de mandato, suas pautas durante o governo Biden e possíveis projeções para as eleições presidenciais de 2024.

Desde 2021, o Partido Republicano se via em uma desvantagem institucional em relação à oposição, que detinha a maioria dos assentos na Câmara de Representantes (222) e foi capaz de aprovar diversos projetos de lei progressistas, como a John R. Lewis Voting Rights Advancement Act of 2021. Já no Senado, os democratas encontraram maiores desafios, pois, com somente 48 legisladores, fazia-se necessário o alinhamento dos dois senadores independentes, junto ao desempate da vice-presidente Kamala Harris, para a aprovação de projetos progressistas.

Ainda assim, alguns desses tiveram apoio bipartidário na Câmara: reforma postal; infraestrutura; antilinchamento; produção de semicondutores; segurança de armas; proteção ao casamento interracial e entre pessoas do mesmo sexo; acesso à saúde para veteranos do Exército; e proteção às vítimas de má conduta sexual. Os republicanos opuseram-se, por sua vez, veementemente às leis climáticas e de combate à desigualdade social.

Partindo para a análise das midterms, os pesquisadores concluíram que, em meio aos escândalos da insurreição de 6 de janeiro, Trump assumiu o papel de liderança do GOP. O ex-presidente chegou a endossar cerca de 130 candidatos que, por regra, apoiaram sua narrativa de que as eleições de 2020 haviam sido fraudadas. Em suas campanhas, os candidatos se colocaram críticos, principalmente, às questões de raça, gênero e do direito ao aborto, refletidas nos projetos introduzidos pelo partido no Congresso. Mesmo assim, após o dia 8 de novembro, a “onda vermelha” esperada pelos líderes conservadores não se materializou. Os democratas mantiveram o controle do Senado – assegurando 50 assentos – e ganhando disputas acirradas, como na Pensilvânia.

File:Donald Trump (51335302261).jpgEx-presidente Donald Trump no ‘Comício para proteger nossas eleições’, em Phoenix, Arizona, em 24 jul. 2021 (Crédito: Gage Skidmore/The Star News Network/WikiCommons)

Contrera e Mariano atribuíram essa grande derrota dos republicanos à fraca liderança de Trump, que, além de escolher candidatos “ruins” em estados importantes, dividiu o partido entre aqueles que aceitaram e negaram a vitória de Joe Biden. Esse fato criou, por sua vez, um receio no eleitorado de votar nos políticos trumpistas, com medo da fragmentação da democracia.

Apesar disso, Trump anunciou que concorrerá como presidente para as eleições de 2024, resgatando, em seus discursos, a nostalgia pela prosperidade vivida pela sociedade americana durante seu mandato. A parcela dos republicanos (ainda divididos) que busca se opor ao ex-presidente se vê, então, no dever de encontrar novos líderes para evitar a repetição do fiasco das midterms. Entre os principais concorrentes cotados para as primárias do partido estão Mike Pence, ex-vice de Trump que ainda é muito odiado por seus aliados; Mark Esper, ex-secretário de Defesa; Paul Ryan (R-WI), ex-presidente da Câmara de Representantes e trumpista “arrependido”; e, finalmente, Ron DeSantis, governador da Flórida ultraconservador e considerado o principal rival em potencial de Trump na disputa pelo cargo.

Contrera e Mariano consideram, portanto, que o principal desafio do GOP na preparação para 2024 está na criação de alternativas a Trump para garantir a atração dos eleitores republicanos não radicalizados que acabaram indo para o caminho da oposição em 2022.

Disputas pelas regras do jogo: a regulamentação do voto e os direitos políticos das minorias

Celly Cook* segue a rodada das apresentações com sua pesquisa centrada nos ataques aos direitos políticos das minorias, no que se refere às regulamentações eleitorais.

A Lei dos Direitos de Voto de 1965 foi promulgada durante o auge do movimento negro dos Estados Unidos, a fim de assegurar o acesso dessa parte da população aos direitos eleitorais, em um contexto pós-segregação. Sabe-se, porém, que essa lei vem sendo alvo de recentes ataques por parte de grupos conservadores, que afirmam que o racismo não é mais um problema no país e, portanto, as regulamentações eleitorais devem desconsiderar o fator racial.

Para Cook, essa argumentação não é fundada em bases lógicas, pois a lei em questão não funciona como um decreto finito e desatualizado, mas sim demanda que suas provisões sejam constantemente revistas e renovadas, fato que ocorreu nos anos de 1970, 1975, 1982 e 2006. A pesquisadora chama atenção para um ponto de encontro na visão liberal que passa a ser adotada pela argumentação conservadora: a romantização da Lei como algo que cumpriu seu propósito de criar uma sociedade plenamente igualitária, usando, como exemplo disso, a eleição de políticos negros, como Barack Obama. Sendo assim, não haveria necessidade da continuidade do decreto, do ponto de vista conservador.

Para ilustrar este quadro, Cook observa o caso concreto Merrill v. Caster, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, no qual foi utilizada a retórica do colorblindness. Esse caso discutiu uma importante e polêmica questão no estado do Alabama: o plano de redistritamento eleitoral que impediria a criação de um segundo distrito de maioria negra no estado. Enquanto movimentos sociais alegavam que o novo mapa distrital diluía o poder de voto da população negra e que o modo como foi aprovado era inconstitucional, o então secretário de Estado, John H. Merrill, defendia que o mapa não considerava o fator racial, com base no princípio de igualdade entre os cidadãos.

All sizes | Supreme Court | Flickr - Photo Sharing!Suprema Corte dos EUA,em Washington, D.C. (Crédito: Mark Fischer/Flickr)

A Corte, de maioria conservadora, posicionou-se, então, contrária à Lei dos Direitos de Voto, esvaziando ainda mais seções de seu estatuto. Isso, claro, afetou diretamente a população do Alabama, que viu seu eleitorado negro dividido em distritos de maioria branca. A pesquisadora traz, por fim, uma reflexão sobre como o ataque ao direito mais fundamental da cidadania americana – o do voto – não somente tem um peso simbólico alarmante, visto que representa um ataque à própria democracia, como também tem efeitos materiais, pois pode significar a destruição de outros direitos para camadas minoritárias no país.

Usos do corpo: a luta pelo direito ao aborto e a agenda de costumes

Encerrando a rodada da mesa, Débora Prado e Isabella Fontaniello* trazem sua pesquisa sobre os direitos reprodutivos que, no ano de 2022, sofreram ataques em diversas frentes (judiciária, executiva e legislativa) nos Estados Unidos. Para contextualizar o tema, as pesquisadoras apresentaram, primeiramente, a ideia do modelo federalista de governo que vigora no país e permite que os estados tenham autonomia para formular políticas que representem seus próprios interesses. Neste ano, esse modelo foi visto, na prática, com um dos assuntos mais controversos na política doméstica do país: o aborto. Isso porque, em 24 de junho, a Suprema Corte americana revogou o precedente estabelecido pelo caso Roe v. Wade, de 1973, que assegurava o direito ao aborto e os demais direitos reprodutivos.

Desde sua instalação, o precedente jurídico já vinha sendo atacado e esvaziado por meio de diversas ferramentas legais. Com a decisão definitiva deste ano, os estados de população mais conservadora foram, porém, capazes de promulgar legislações ainda mais restritivas, ou completamente proibitivas em relação ao aborto. Isso, afirmam as pesquisadoras, dá-se, principalmente, pelo fato de não haver uma legislação, ou política pública, que proteja esse direito em nível nacional.

Prado e Fontaniello seguem demonstrando os efeitos reais dessa decisão na população americana e citam vários exemplos das dificuldades encontradas pelas gestantes para terem acesso ao aborto de maneira segura. Ressalta-se que essa dificuldade é, frequentemente, maior entre mulheres negras e de classes sociais mais baixas. Além disso, nos estados mais restritivos a esse direito, as pesquisadoras identificaram uma maior lacuna de políticas públicas para que as mulheres tenham acesso à saúde, um ponto presente nas promessas de campanha de diversos candidatos republicanos durante as eleições de meio de mandato. Ainda que, no momento da apresentação, não existissem muitos dados relacionados ao peso que a pauta do aborto exerceu nas midterms, as pesquisadoras constataram que houve um aumento significativo da diferença de gênero na composição do eleitorado americano, com mais mulheres se dirigindo às urnas.

No mais, nos cinco estados que incluíram essa questão em plebiscitos e referendos estaduais – Kentucky, Michigan, Vermont, Califórnia e Montana –, os eleitores optaram por apoiar os direitos reprodutivos das mulheres, incluindo o acesso ao aborto. Estados conservadores como Texas e Flórida elegeram, por sua vez, líderes que já haviam se posicionado de modo extremamente contrário a essa questão. As pesquisadoras encerraram a apresentação chamando atenção para o acompanhamento de dados e para as pesquisas em curso que deverão, no futuro, ampliar ainda mais o estudo dessa área.

 

* Augusto Scapini é pesquisador bolsista de Iniciação Científica do OPEU (INCT-INEU/PIBIC-CNPq) e graduando em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: augusto.scapini@ufrj.br.

Camila Feix Vidal é professora no Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), membro do INCT-INEU e do GEPPIC. Contato: camilafeixvidal@gmail.com.

Flávio Contrera é pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), além de pesquisador do INCT-INEU e do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA). Contato: flavio.contrera@unesp.br.

Karina Lilia Pasquariello Mariano é Professora Titular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), na qual coordena o Grupo de Estudos Interdisciplinares em Cultura e Desenvolvimento (GEICD) e participa do Observatório de Regionalismo (ODR), que integram a Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Também é pesquisadora do INCT-INEU. Contato: karina.mariano@unesp.br.

Celly Cook Inatomi é colunista do Opeu e pesquisadora colaboradora da Unicamp. Especialista em relações entre política, direito e judiciário, é autora de As análises políticas sobre o Poder Judiciário: Lições da ciência política norte-americana (Editora Unicamp, 2020). Contato: celoca05@yahoo.com.br.

Isabella Fontaniello é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (PPGRI-UFU), graduada em Relações Internacionais pela PUC Minas, Poços de Caldas, e bolsista do Instituto de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Contato: fontaniello@ufu.br.

Débora Figueiredo Mendonça do Prado é pesquisadora do INCT-INEU, professora associada no Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU) e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Relações Internacionais (GENERI-UFU). Também integra a equipe do podcast Chutando a Escada. Contato: deboraprado@ie.ufu.br.

 

** Primeira revisão: Simone Gondim, jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mais de 20 anos de experiência profissional, entre redações, assessoria de imprensa e produção de conteúdo para Internet e redes sociais. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 12 abr. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas Newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.

 

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