Republicação

Latinos mostraram sua força nas midterms 2022

Crédito: Freepik

Por Marcos Cordeiro Pires, João Felipe R. de Carvalho e Thaís Caroline Lacerda, do Latino Observatory*

No dia 8 de novembro aconteceram as eleições legislativas de meio de mandato, ou as “Midterms”, nos Estados Unidos. Os resultados das eleições foram surpreendentes, pois, ao contrário das apostas e pesquisas eleitorais, e até mesmo a própria tradição política dos Estados Unidos, o partido governista não sofreu uma acachapante derrota como se imaginava. Pelo contrário, o Partido Democrata conseguiu garantir a maioria no Senado. A derrota na Casa dos Representantes foi por pequena margem, e não um tsunami “vermelho” como se imaginava.

A título de exemplo, em 2010, no governo de Barack Obama, os republicanos conseguiram uma virada de 60 deputados na Câmara. Em 2018, durante o governo de Donald Trump, os democratas obtiveram um ganho de 40 cadeiras. Vale informar que “vermelha” é a cor do Partido Republicano, enquanto o “azul” caracteriza os democratas.

De acordo com o Latino Rebels, a situação mais favorável ao governo Biden se deveu a um aumento “histórico” da participação de eleitores latinos em 2022. Exceto na Flórida, onde a comunidade latina votou em favor dos republicanos, os eleitores latinos seguiram tendências históricas, ou seja, dois terços votando nos democratas, enquanto um terço votou nos republicanos. Ainda de acordo com a publicação, estima-se que 34,5 milhões de latinos foram elegíveis para votar nas eleições de 2022, tornando os latinos o grupo racial e étnico que mais cresce nos EUA desde as últimas eleições. Os latinos representaram em torno de 14% de todos os eleitores elegíveis nas eleições de 2022.

Nós tratamos previamente em nosso Latino Observatory da importância do voto latino em disputas acirradas no Senado e na Câmara dos Representantes. Especialmente na análise do dia 2 de novembro, concentramo-nos em algumas corridas que poderiam decidir o controle de ambas as Casas e onde o voto latino seria essencial. Nesta análise, vamos comentar sobre o resultado naqueles distritos sobre os quais havíamos nos debruçados, a seguir:

Senado Nevada: Catherine Cortez Masto foi reeleita com vantagem de 0,7% dos votos

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Senadora Catherine Cortez Masto (Crédito: U.S. Senate Photographic Studio-Rebecca Hammel/Wikipédia)

A senadora Masto foi reeleita no estado de Nevada com 48,8% dos votos, superando seu concorrente, Adam Laxalt, por menos de 1%, uma importante vitória na cadeira democrata que estava mais ameaçada. Vale lembrar que, em 2020, os democratas obtiveram a metade das cadeiras, no entanto, dois senadores (Kirsten Sinema e Joe Manchin) em alguns momentos bloquearam as iniciativas do governo Biden. Nestas eleições, das 35 cadeiras disputadas no Senado apenas 14 foram vencidas pelos democratas, e 20, pelos republicanos. Apenas um estado ainda não teve o nome definido. A cadeira do estado da Georgia será definida no segundo turno, já que não há nenhum candidato com mais de 50%. O novo pleito será realizado em 6 de dezembro.

Por conta disso, havia muita expectativa sobre o resultado da eleição em Nevada. A senadora Catherine Cortez Masto enfrentou uma disputa difícil, pois poderosos grupos de lobby conservadores investiram na campanha de Adam Laxalt para o Senado. Ademais, parte da população estava descontente com os elevados níveis de inflação, algo que afeta especialmente esse estado. Lá, a popularidade de Joe Biden e dos democratas estava em baixa. Apesar disso, uma forte participação dos latinos conseguiu garantir a cadeira da primeira latina eleita senadora nos Estados Unidos. Em 2 de novembro, a NPR chamava a atenção para a importância da mobilização dos eleitores latinos, particularmente por parte de grupos mais progressistas.

A vitória de Catherine Cortez Masto garante o controle do Senado e uma certa estabilidade para o presidente Biden. A possibilidade de um processo de impeachment aprovado pela maioria republicana na Câmara seria rechaçada na Casa Alta do Congresso. Caso consigam vencer no estado da Georgia, os democratas garantem o controle do Senado sem precisar do “voto de Minerva” da vice-presidente Kamala Harris.

Câmara dos Representantes – Texas 15th: Monica De La Cruz se elege com 53,3% dos votos

Monica De La Cruz foi eleita no 15º distrito texano com 53,3% dos votos. O Estado é o maior reduto republicano, com 25 cadeiras republicanas eleitas de um total de 38 assentos. O 15º distrito era o único em que, independentemente do candidato vencedor, teria uma mulher latina como representante na Câmara. Michelle Vallejo foi a candidata democrata que alcançou 44,8% dos votos. A disputa foi caracterizada por uma forte polarização política, pois De La Cruz apresentou uma pauta muito conservadora, contrária ao direito ao aborto, em favor do porte de armas, em defesa da família tradicional e contrária à flexibilização da política migratória. Em contrapartida, a campanha de Vallejo foi pautada no feminismo, no direito ao aborto, na saúde pública, em defesa da legalização de imigrantes indocumentados, contrária à violência policial e em defesa do aumento do salário-mínimo.

O êxito De La Cruz representa a primeira vitória republicana no distrito, mesmo que não seja uma surpresa. O Texas 15th foi um dos distritos que passaram pelo Redistricting, ou seja, alterou-se a área de abrangência do distrito depois que o Estado ganhou mais duas cadeiras na Câmara após o censo de 2020. A nova configuração favorece, porém, os republicanos na Câmara dos Representantes, já que passam as cidades mais democratas para os distritos vizinhos, 28º e 34º, e dão vantagem republicana para o 15º. O assunto sobre o Redistricting já foi tratado no LatinoObservatory.

Câmara dos representantes – Texas 34th: Vincente Gonzalez vence com 52,7% dos votos

A cadeira do 34º distrito foi vencida por Vincente Gonzalez, candidato democrata, hoje titular do 15º distrito. Gonzalez venceu com 52,7% dos votos contra a titular da cadeira, Mayra Flores. Ela havia sido eleita por uma eleição especial em junho, que foi convocada para encerrar o mandato do ex-deputado americano Filemon Vela, D-Brownsville, que renunciou em março para trabalhar para a empresa de lobby Akin Gump. Mesmo tendo o apoio do ex-presidente Donald Trump e do governador texano Greg Abbott, Flores foi derrotada em uma região fronteiriça do Texas de maioria latina e tradicionalmente democrata. O novo deputado Gonzalez será o representante do distrito que abrange cidades como Brownsville e Corpus Christi. Vale destacar que Gonzalez pertence a uma ala mais conservadora do partido, é contrário ao direito ao aborto.

Câmara dos Representantes – New Mexico 2nd: Gabriel Vasquez vence por ‘flip’ (virada) com 50,3% dos votos

Gabriel Vasquez, do Partido Democrata, venceu a eleição à Câmara dos Representantes no 2º distrito do Novo México, derrotando a atual titular da cadeira, Yvette Herrell. O distrito faz fronteira com o México e tem maioria de ascendência latina. Gabriel, ou Gabe, como é chamado em sua campanha, defende uma plataforma progressista. Ele é oriundo de uma família de imigrantes e busca soluções para os problemas climáticos, conservação de terras e recursos naturais na região e, especialmente, busca uma reforma no sistema de imigração do país. Parte dessa vitória também advém do fato de o democrata ter conseguido retratar a opositora Herrell como antidemocrática por ter contestado a eleição de Joe Biden em 2020.

Desde março de 2022, Vasquez faz parte do grupo “Red to Blue” (Vermelho para Azul), uma pequena seleção de candidatos do Partido Democrata em distritos tradicionalmente “vermelhos” que o DCCC (Sigla em inglês para o “Comitê de Campanha do Congresso Democrata”) selecionou para impulsionar as midterms deste ano.

Gabe Vasquez HeadshotGabriel Vasquez, ou Gabe (Crédito: Assessoria de imprensa da campanha)

Câmara dos Representantes – Colorado 8th: Yadira Caraveo vence com 48,8% dos votos

Yadira Caraveo, democrata e filha de imigrantes mexicanos venceu no 8º distrito de Colorado que abrange Denver, capital do Estado, sobre a opositora Barbara Kirkmeyer com diferença de menos de 1% dos votos. Yadira que é médica, tem pautas progressistas ligadas a saúde pública, além de transporte, custos de vida e pessoas em situação de rua. Yadira Caraveo, chamada de underdog (azarão) por diversos veículos de mídia da região, foi a primeira latina a vencer uma cadeira congressional no estado, mesmo que quase 40% da população de seu distrito tenha origem étnica latina.

A derrotada Kirkmeyer, republicana, é a atual senadora estadual do Colorado e foi eleita em 2020 nas eleições legislativas estaduais. Com a corrida tão acirrada, com popularidade prévia de Kirkmeyer e com a tradição regional republicana, o Comitê Nacional Democrata também adicionou o distrito a lista de Red-to-Blue, impulsionando a médica à vitória.

Outros Congressistas Latinos

As disputas que analisamos previamente pelo Latino Observatory tiveram os resultados apurados no presente texto, com exceção do 22º distrito da California que até 18 de novembro não havia sido completamente apurado. Não foram mencionadas, porém, todas as regiões que escolheram latinos como seus representantes no Legislativo, já que enfatizamos apenas as corridas mais acirradas.

Por isso, é interessante destacar alguns latinos vencedores das midterms de 2022 como Alex Padilla, filho de imigrantes mexicanos e eleito para o Senado representando a Califórnia. Um grande expoente do Partido Democrata na região, foi indicado para suprir a vaga de Kamala Harris, que saiu do assento para cumprir a função de vice-presidente do governo de Joe Biden. Padilla conseguiu alongar seu cargo nas eleições deste mês e dar continuidade a seus projetos para o estado. É o primeiro senador latino eleito pela Califórnia.

É necessário mencionar também a democrata Delia Ramirez, eleita à Casa dos Representantes com 2/3 dos votos pelo 3º distrito de Illinois. Filha de trabalhadores imigrantes guatemaltecos, foi a primeira latina eleita para o cargo no estado, fato este enfatizado em seu slogan de campanha: “Help elect the first Latina Congresswoman from the Midwest” (“Ajude a eleger a primeira congressista latina do Centro-Oeste”).

No Estado de Oregon, na Costa Oeste, o desempenho das mulheres latinas também foi notável, com a republicana Lori Chavez-DeRemer, descendente mexicana, vencendo a cadeira congressional do 5º distrito, bem como a democrata Andrea Salinas, que também é descendente de mexicanos, e que venceu a disputa para o 6º distrito.

Além disso, é interessante destacar o democrata Robert Garcia, homem gay peruano que será o primeiro imigrante e LGBTQIA+ a ocupar uma cadeira no Congresso americano, sendo eleito pelo 42º distrito da Califórnia, região notadamente progressista. Garcia é prefeito da cidade californiana de Long Beach e, após perder sua mãe e padrasto para a covid-19, expandiu o sistema de saúde da cidade e lançou uma campanha de vacinação municipal elogiada e copiada nacionalmente.

Por fim, trazemos o democrata Maxwell Alejandro Frost, que venceu a cadeira do 10º distrito da Flórida com apenas 25 anos e será o primeiro congressista da “Geração Z”. Frost tem ascendência porto-riquenha e haitiana e foi adotado ainda recém-nascido por cubanos. Tem como focos principais a igualdade social e racial, questões ambientais, planos de saúde públicos e, especialmente, o combate à violência policial e aos atentados armados. Sobre o último assunto, quando questionado publicamente sobre sua alegação de estar há dez anos como líder político, mesmo que tenha apenas 25 anos, respondeu: “Comecei a me organizar (politicamente) com 15 anos, porque não queria levar tiros na escola”. Ele começou sua carreira política em um protesto desarmamentista, após o tiroteio escolar brutal de Sandy Hook E.S., em Newtown, Connecticut, em 2012.

Em síntese, observando as eleições de meio de mandato de 2022, é importante notar os avanços que os candidatos latinos tiveram no pleito. No entanto, a comunidade ainda está distante de se ver representada no poder político de acordo com o peso demográfico dos latinos. Por fim, apesar dos avanços de alguns candidatos republicanos, os latinos dos Estados Unidos continuaram votando expressivamente nos candidatos do Partido Democrata. Em disputas mais acirradas, eles foram uma variável importante para a vitória do partido de Joe Biden.

 

Marcos Cordeiro Pires é coordenador do Latino Observatory, professor de Economia Política Internacional (UNESP-Marília) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU). João Felipe R. de Carvalho é bolsista PIBIC na Unesp. Thaís Caroline Lacerda é coordenadora do Latino Observatory e doutora em Ciências Sociais (Unesp-Marília). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org.

** Publicado originalmente no site Latino Observatory, em 20 nov. 2022. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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