OPEU Entrevista

Roberto Moll ao OPEU: ‘Fracasso de Biden pode levar EUA e mundo a cenário ainda mais sombrio’

Crédito da arte: Natália Constantino (Bolsista de IC/INCT-INEU/PIBIC-CNPq)/Equipe Opeu

Por Lucas Amorim*

Prof. Roberto Moll (Crédito: Arquivo pessoal)

Doutor em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e graduado em Relações Internacionais pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), Roberto Moll Neto tem interesse e experiência de pesquisa em história dos Estados Unidos e sua relação com a América Latina, métodos e teorias em História das Relações Internacionais e História Global, História do Neoliberalismo e do Neoconservadorismo nas Américas.

Atualmente, leciona História da América na UFF, onde também atua na Pós-Graduação em Estudos Estratégicos de Defesa e de Segurança (PPGEST). Já participou do programa de qualificação e pesquisa Students of United States Institutions, na área de Política Externa dos Estados Unidos, oferecido na Bard College, em Nova York, a convite do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Também é pesquisador no Laboratório de Pesquisas e Documentação em História Econômica e Social (LAPEDHE – UFF), na Rede de Estudos dos Estados Unidos (REEUA) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).

Em conversa com o OPEU Entrevista, o professor aborda sua agenda de pesquisa e sua obra mais recente, o capítulo “Os Estados Unidos da América e a América Latina e o Caribe na era Trump (2017-2021): uma análise sobre a tragédia anunciada” no livro De Trump a Biden: partidos, políticas, eleições e perspectivas, organizado por Sebastião Velasco e Cruz e Neusa Maria Bojikian e publicado pela Editora Unesp.

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OPEU: Sua experiência de pesquisa perpassa os campos da História e das Relações Internacionais. Como foi a trajetória acadêmica que o levou a essa interseção entre as duas áreas e de onde veio o interesse em estudar as relações entre Estados Unidos e América Latina?

Eu queria fazer arqueologia, ou paleontologia. Mas, como eram coisas muito distantes, fiquei entre História, Biologia, Ciências Sociais, Comunicação Social e até Alemão-Português. Então, no meu último ano na escola, fomos todos surpreendidos pelos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Eu, que já tinha muito interesse em História e Política Internacional, fui muito impactado por todo contexto da época. Naquele momento, apenas a Universidade Estácio de Sá oferecia uma graduação em Relações Internacionais no Rio de Janeiro. Ficou no meu radar. A Universidade Estácio de Sá também tinha uma Graduação em Arqueologia, mas fechou, ou teve matrícula suspensa. Daí me restou Relações Internacionais. Entrei no segundo semestre de 2002.

No primeiro semestre de 2003, entrei para História na Universidade Federal Fluminense. Nesse momento, ainda estava dividido entre História Antiga, que me levaria à Arqueologia, e compreender a dinâmica do mundo contemporâneo, que provocou os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Na Universidade Federal Fluminense, comecei a participar de um grupo de pesquisa sobre Oriente Médio, com o professor Paulo Hilu Pinto (hoje o grupo permanece ativo e se chama Núcleo de Estudos do Oriente Médio – NEOM).

Naquele momento, e depois de ter tido uma experiência ruim com História Antiga, decidi que queria mesmo pesquisar Estados Unidos, Oriente Médio e Ásia Central. Fiz até aulas de árabe. Logo depois, consegui uma bolsa de iniciação científica com o professor Marco Antônio Pamplona, um dos poucos historiadores que estudavam Estados Unidos no Brasil. O projeto de pesquisa era sobre intelectuais liberais nas Américas no final do século XIX e suas perspectivas acerca da nação e do nacionalismo. O projeto incluía a pesquisa sobre textos de um punhado de intelectuais liberais, como Jose Enrique Rodó, Domingo Faustino Sarmiento, Rui Barbosa e Edwin Lawrence Godkin.

cartas de inglaterra - Rui Barbosa - 19662357 | MegaleitoresPrimeiro, analisei os escritos do Rui Barbosa, me concentrando no “Cartas da Inglaterra”. Fiquei muito interessado nos textos do Rui Barbosa sobre a Guerra Civil Estadunidense. Depois, passei a analisar os textos do Godkin, estadunidense que fundou a revista The Nation, em circulação até hoje. Percebi, então, que eu estava interessado mesmo na relação dos Estados Unidos com o mundo, especialmente nos interesses econômicos e nas ideias políticas que moveram essas relações no passado recente. Levei as duas graduações juntas até o final. Em Relações Internacionais, fiz uma pesquisa monográfica sobre Estados Unidos e Angola, cujo foco era compreender como o nacionalismo angolano, durante a luta de independência, se construiu em relação de oposição (e dependência) aos Estados Unidos. Em história, fiz uma monografia para analisar as abordagens da The Nation acerca da Guerra do Iraque e do Afeganistão, mostrando como a revista adotou uma posição dissidente, com uma narrativa nacional e liberal heterodoxa. Como não poderia deixar de ser, nessa pesquisa, o neoconservadorismo, atribuído ao George W. Bush, surgiu como um objeto de destaque.

De certa forma, em algum momento dessa trajetória, eu tinha a compreendido que, para entender os Estados Unidos do século XXI, eu precisava pesquisar a crise dos anos 1970 e a ascensão do neoconservadorismo, materializado no governo de Ronald Reagan e expresso na política econômica e nas intervenções na América Central. Nesse momento, eu já estava muito mais interessado na História dos Estados Unidos, especificamente, e nas relações entre EUA e América Latina e Caribe. Com esse tema, fiz meu mestrado em História na UFF entre 2008 e 2010 sob a orientação da professora Cecília Azevedo, pesquisadora que abriu muitos caminhos para as pesquisas sobre História dos Estados Unidos e sobre história dos Estados Unidos e América Latina no Brasil.

Meu projeto era enorme. Envolvia análise da ascensão do neoconservadorismo e o governo de Ronald Reagan, englobando a política econômica, as políticas públicas, a política internacional e o discurso nacionalista. Claro, não deu para fazer tudo isso. E queria continuar a pesquisa, mais amadurecida, colocando foco sobre o neoconservadorismo, o discurso nacionalista e a política internacional do governo Ronald Reagan. Logo, busquei me reaproximar da área de Relações Internacionais.

Um colega de trabalho na época me falou do edital do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas. Nessa altura, eu dava aula para o curso de Relações Internacionais na Universidade Cândido Mendes em Campos dos Goytacazes-RJ, e de História, na rede pública municipal de uma cidade muito pequena, mas elegante, no interior do Estado do Rio de Janeiro. Seria uma loucura, porque o programa era em São Paulo, eu morava em Niterói e lecionava em outras duas cidades diferentes. Mas o PPGRI do San Tiago Dantas me interessou muito, sobretudo porque vi que o professor Luis Fernando Ayerbe fazia parte do corpo docente. O livro dele Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia era, e ainda é, uma referência para mim, justamente porque articula História com Relações Internacionais para analisar as relações entre Estados Unidos e América Latina.

Estados Unidos e América Latina: A construção da hegemonia | Amazon.com.brEntrei na primeira turma do doutorado do San Tiago Dantas em 2011 e desenvolvi a pesquisa sobre o neoconservadorismo, o discurso nacionalista e a política internacional do governo Ronald Reagan. No início, eu visitava quatro cidades por semana, rodando, ou voando (quando tinha promoção), por mais de 1000 km para lecionar História e Relações Internacionais e fazer o doutorado. Mas, ainda nesse período, comecei a lecionar História de forma exclusiva no Instituto Federal Fluminense, o que me deu mais tranquilidade. Depois, já em 2018, passei a lecionar História da América II (1850 – 2000) na UFF, em Campos dos Goytacazes-RJ e, no ano seguinte, passei a compor o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança (PPGEST) na mesma universidade, em Niterói-RJ. Então, do começo ao fim, minha trajetória articula História e Relações Internacionais.

OPEU: Você participa de diversas redes e grupos de pesquisadores, como o LAPEDHE, a REEUA e o INEU. Quais são os próximos projetos de sua agenda de pesquisa e como eles se articulam com essas parcerias institucionais?

Eu sempre vou engavetando muitos projetos para realizar em algum momento (que às vezes nunca chega!). Meu projeto de pesquisa principal busca compreender a relação entre os Estados Unidos e a Bacia do Caribe (que compreende o Caribe, Golfo do México e América Central) no contexto de crise do capitalismo, nas três últimas décadas do século XX. Eu estou observando como essa relação se comportou no período de crise, buscando compreender as oscilações e as consequências, a partir de uma perspectiva global/transnacional.

Nesse sentido, estou tentando analisar e correlacionar variáveis socioeconômicas (como investimentos, imigração, violência, etc.), a difusão de ideias econômicas através de programas políticos (como a Caribbean Basin Initiative, entre outros) e a movimentação militar na região. É um projeto grande, porque envolve a articulação de muitos dados. Estou, junto com a bolsista PIBIC Stephaniy Henriques, levantando e sistematizando os dados nesse momento. Felizmente é possível encontrar quase tudo em arquivos digitais.

Depois, confirmada a viabilidade da pesquisa, pretendo correlacionar esses dados, com a ajuda de softwares estatísticos, e analisar. Portanto, é um projeto sobre Estados Unidos e América Latina e Caribe que dialoga com a razão de ser da Rede de Estudos do Estados Unidos (REEUA) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), bem como com trabalhos que meus colegas desenvolvem nesses grupos de pesquisa. É um projeto de História Global/Transnacional, mas também é um projeto de História Econômica e Social, que, na prática, é realizado no Laboratório de Pesquisa e Documentação em História Econômica e Social (LAPEDHE) da UFF, que divido com outros colegas pesquisadores, que se dedicam a outros temas longe dos Estados Unidos e da América Latina.

Em paralelo, tenho investigado o fenômeno Trump, sobretudo, em sua articulação com a história recente dos Estados Unidos, como parte do fim do sonho americano expresso nas políticas econômicas neoliberais, que atingiram o operariado estadunidense. Desse modo, também é um projeto que se articula com o REEUA e com o INEU. Por fim, estou tentando terminar um texto teórico-metodológico sobre História das Relações Internacionais em perspectiva Global, Transnacional e crítica. É um texto que se tornou interminável. Além disso, analiso a conjuntura atual das relações entre Estados Unidos e América Latina.

OPEU: Sua obra mais recente é um capítulo no livro De Trump a Biden sobre as relações entre EUA e América Latina no governo de Donald Trump. Ele prometeu uma política agressiva em relação aos países latino-americanos, mas essa promessa não foi cumprida integralmente. Em sua leitura, quais os motivos para esse desdobramento?

De forma contraditória, a administração Trump representou o descontentamento e a preocupação de diferentes setores da sociedade estadunidense com a posição da América Latina no cenário político e econômico internacional. Por um lado, representou o descontentamento dos trabalhadores brancos estadunidenses, que, desde os anos 1970, sofrem com os incentivos e as facilidades que o capital estadunidense transnacional encontra para exportação de plantas industriais para a região. Por outro, a administração Trump representou a preocupação de setores do capital estadunidense transnacional com as políticas econômicas dos governos da chamada Onda Rosa e a penetração de competidores no continente, sobretudo, o capital chinês.

Logo, a administração Trump transformou a preocupação com projetos heterodoxos e com a presença da China e de outros competidores na região em uma questão de segurança militar. Todavia, a administração Trump, envolta em problemas mais urgentes na Eurásia, não dispôs de recursos políticos e econômicos para empreender intervenções diretas e mais agressivas na América Latina. Mesmo assim, isso não significa que os Estados Unidos passaram a negligenciar a região. Pelo contrário. Há indícios da participação de agente estadunidenses no golpe de Estado na Bolívia e na desestabilização de outros países. Além disso, os ataques e as ameaças de Trump aos países da América Latina, sobretudo ao México, funcionaram mais como uma peça de propaganda política.

Tinha o objetivo de reforçar a construção de uma identidade nacional, em especial entre os trabalhadores brancos, em oposição aos latino-americanos, imigrantes e trabalhadores em seus países, que, supostamente, estariam roubando o emprego dos estadunidenses. Em paralelo, reforçou a construção de uma identidade nacional, retratando a Venezuela e Cuba como grandes ameaças aos Estados Unidos. Vale ressaltar que essa construção nacionalista também é uma estratégia de extrema violência simbólica, com efeitos perversos sobre a vida dos trabalhadores latino-americanos na América Latina e nos Estados Unidos, inclusive com a legitimação do exercício permanente da violência física e dos ataques à democracia.

OPEU: Seu capítulo sugere que a eleição de Trump é resultado de um período longo de decadência da hegemonia estadunidense, iniciado nos anos 1960, para o qual as instituições do país não conseguiram formular resposta. Como esse cenário dialoga com a eleição de Biden em 2020?

Eu sustento que a crise do capitalismo e a crise hegemônica que tem início nos anos 1970 e as políticas econômicas neoliberais apoiadas no desenvolvimento tecnológico para salvar o capitalismo desarticularam o arranjo político-econômico construído no New Deal e consolidado nos anos 1950 e 1960, sobretudo o poder dos sindicatos na relação entre capital e trabalho. Como mencionei anteriormente, diversos setores do capitalismo estadunidense aproveitaram as políticas econômicas neoliberais, nos Estados Unidos e na América Latina, e os avanços tecnológicos para aprofundar o processo de transnacionalização a partir da exportação de plantas industriais e de outras atividades econômicas e financeiras. Este cenário aumentou a insegurança econômica, a precarização, a decepção com sindicatos, a desconfiança sobre a política e os políticos e as desigualdades sociais nas últimas quatro décadas, principalmente entre trabalhadores brancos.

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New Deal: trabalhador recebe pagamento da Administração do Progresso de Obras (Fonte: National Archives)

Em paralelo, os movimentos sociais, principalmente aqueles organizados por negros e por outras minorias que estavam incluídos marginalmente no arranjo político-econômico do New Deal, conseguiram importantes conquistas, rapidamente fragmentadas pelo neoliberalismo. Logo, uma fração significativa dos trabalhadores brancos precarizados reavivaram todo tipo de racismo estrutural enraizado na sociedade estadunidense e encararam essas conquistas como privilégios, sem perceber que essas minorias também sofreram com as políticas neoliberais. Esses trabalhadores brancos passaram a perceber a democracia como um conluio entre o grande capital transnacional e as minorias. Outra fração menor não caiu na tentação racista e abraçou o “socialismo democrático” encarnado em Bernie Sanders (senador independente por Vermont e pré-candidato à presidência dos EUA pelos democratas, em 2020).

Trump foi o que soube compreender esse cenário. Conseguiu se apresentar como um herói dos trabalhadores brancos precarizados contra essa elite transnacional, contra as minorias e contra o “socialismo democrático”, retratado com as cores da Guerra Fria. Trump conseguiu isso de forma surpreendente, porque ele próprio é parte dessa elite transnacional e recebeu enormes recursos dessa mesma elite transnacional para se eleger. Mas, como mencionei na resposta anterior, Trump apresentou um projeto político embrulhado em uma redefinição da identidade nacional que prometeu resolver os problemas dos trabalhadores brancos precarizados, reforçando o racismo e a xenofobia. Como era esperado, ele não conseguiu resolver os problemas estruturais causados pela crise dos anos 1970 e pelo neoliberalismo. Isso, somado à mobilização das minorias, fez Trump perder apoio e não conseguir a reeleição, apesar de ainda manter um enorme poder político.

Biden, por sua vez, só conseguiu se eleger porque incluiu, ainda que de forma muito limitada, pontos importantes da agenda de Bernie Sanders. Mas, até agora, Biden não parece ter conseguido oferecer respostas para a crise estrutural e seus desdobramentos. Não conseguiu consolidar o apoio dos trabalhadores brancos precarizados, nem penetrar no eleitorado de Trump. Biden e o núcleo do Partido Democrata continuam presos às amarras de setores do capital transnacional. O fracasso de Biden neste sentido pode levar os Estados Unidos e o mundo para um cenário ainda mais sombrio.

OPEU: Trump não hesitou em utilizar a ajuda oficial ao desenvolvimento e até mesmo acordos comerciais, como o NAFTA, como moeda de negociação com países da América Latina em temas migratórios. Essa tendência deve continuar no atual governo?

Acredito que sim. Tanto o Partido Democrata quanto o Partido Republicano utilizam essa estratégia para conter a migração de latino-americanos desde os anos 1980, com algumas nuances. A migração de latino-americanos para os Estados Unidos esgarça as fraturas dentro das elites e entre os trabalhadores. Consequentemente, tem reflexo nos partidos e nas políticas migratórias dos governos. Entre as elites, é possível encontrar xenófobos nativistas, progressistas e oportunistas, que veem os imigrantes, sobretudo, aqueles mais precarizados, como fonte de mão de obra barata para ocupar os postos de trabalho degradante. Entre os trabalhadores, é possível encontrar progressistas que enxergam os imigrantes como trabalhadores iguais, e xenófobos que aliam o nativismo ao discurso de salvaguarda do mercado de trabalho, acusando os imigrantes de roubarem postos de trabalho. Entre essas posições ainda é possível encontrar diversos tons de cinza.

A estratégia de promover ajuda e investimentos na América Latina para gerar emprego e melhores condições de vida e, como efeito, desestimular a imigração, busca congregar posições progressistas e nativistas, promovendo o distanciamento e até o retorno de imigrantes com uma arquitetura humanitária. Em geral, essa estratégia está articulada ao maior controle das fronteiras, com emprego de violência. Em termos humanitários, essa estratégia é um fracasso retumbante. As políticas de promoção de investimentos e a ajuda humanitária exigem a adoção de políticas neoliberais, que aprofundam as contradições das economias locais, causando mais problemas sociais como precarização, desigualdade e violência. Ademais, transformam e consolidam novos padrões de consumo, costumes e objetivos de vida atrelados aos fluxos transnacionais e simbolicamente aos Estados Unidos. Portanto, alimentam ainda mais os fluxos migratórios e a violência na fronteira. Para piorar, nos últimos anos, como vimos anteriormente, essa estratégia ajuda a impulsionar o nativismo, o racismo e a xenofobia entre os trabalhadores brancos precarizados que sustentam o trumpismo.

OPEU: As intervenções estadunidenses no período 2017-2021 não se restringiram às questões econômicas, mas também adquiriram uma dimensão securitária, em especial na oposição a países fora da esfera de influência dos Estados Unidos, como Bolívia, Cuba e Venezuela. Há sinais de reversão nessa política?

Sim. Mas, é difícil de dizer, sem o devido distanciamento histórico. Aparentemente, a administração Biden está tentando rearticular linhas de contato menos tensas com forças políticas de diferentes matizes ideológicos na região. Me parece que a administração Biden enfrenta um grande dilema. De um lado, não consegue construir internamente a aproximação com líderes e projetos do campo progressista, que buscam atenuar a dependência em relação aos Estados Unidos atraindo novos parceiros, como a China. De outro, a administração Biden não quer se aproximar de líderes e projetos aliados ao trumpismo na região. Atravessando esse dilema, estão as forças sociais que dão sustentação ao governo Biden: trabalhadores organizados e progressistas, minorias e frações do empresariado, que encaram a relação com a América Latina de diferentes formas. O resultado é uma política claudicante.

Recentemente, ensaiou uma tímida aproximação diplomática com o regime de (Nicolás) Maduro na Venezuela no bojo da guerra na Ucrânia. E, ao menos publicamente, não endossou nenhuma liderança de extrema direita, como seu antecessor. Entretanto, também não retomou o processo de aproximação com Cuba, sustentou a exclusão de Cuba, Nicarágua e Venezuela de eventos como a Cúpula das Américas e não deu sinais claros de que não apoiará nenhuma aventura autoritária de extrema direita na região.

OPEU: Em tempos de ataques às instituições de ensino e pesquisa, como você vê a importância da publicação desse livro e da divulgação da produção científica dos pesquisadores e das pesquisadoras do INCT-INEU?

Acima de tudo, vejo como um ato de coragem. Não é fácil fazer pesquisa científica no Brasil sob as circunstâncias em que estamos vivendo. Os recursos são escassos em todas as áreas. Mas as ciências humanas e sociais sofrem duplamente. Primeiro, com os cortes de recursos com fundamento, supostamente, técnico, que é intrínseco ao projeto econômico neoliberal. Segundo, com cortes de recursos com fundamentos puramente autoritário, com o objetivo explícito de diminuir as possibilidades e o alcance das pesquisas. Além disso, este livro é uma ferramenta fundamental para alimentar o debate sobre os Estados Unidos, desconstruindo excepcionalismos positivos, ou negativos, que embasam a opinião pública e até políticas públicas e política externa no Brasil.

OPEU: Professor, agradecemos o tempo dedicado a esta entrevista. Há mais alguma questão que você gostaria de abordar?

Nenhuma. Só agradecer. Obrigado.

 

* Lucas Silva Amorim é pesquisador do OPEU e doutorando pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Contato: amorimlucas@usp.br.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 21 jun. 2022. Esta entrevista não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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