América Latina

Desigualdade e resistência das mulheres latinas nos Estados Unidos

(Arquivo) “Eu valho um dólar inteiro”, diz cartaz da vereadora Jackie Ortiz (Rochester, NY), cofundadora da Pay Equity Coalition (“Coalizão Equidade Salarial”, em tradução livre), durante entrevista coletiva em 13 ago. 2020, em Rochester (Crédito: Tina MacIntyre-Yee/Rochester Democrat and Chronicle/via USA TODAY Network)

Por Marcos Cordeiro Pires e Thaís Caroline Lacerda, do Latino Observatory*

A população de origem latina/hispânica nos Estados Unidos é aquela que apresenta a maior taxa de crescimento. Entre 2010 e 2020, o número de latinos aumentou de 16% para 20% do total. Estima-se que, em 2050, este percentual supere 25%. Apesar do crescente peso demográfico, as condições sociais da população latina são muito desfavoráveis em comparação a outros grupos étnicos, principalmente dos brancos. E, quando se observa especificamente a situação das mulheres latinas, a situação fica ainda pior.

Fontes: US Census/Pew Research Center

Segundo o blog do Departamento do Trabalho, a situação desse segmento no mercado de trabalho pode ser assim resumida:

a) As latinas representam uma parcela crescente da força de trabalho dos EUA. O número de latinas na força de trabalho saltou para 12,5 milhões, superando as mulheres negras. Agora, elas representam 16% da força de trabalho feminina, e esse número deve crescer dramaticamente. As latinas de ascendência mexicana representam a maior parcela da força de trabalho, seguidas por aquelas que se identificam como porto-riquenhas, ou cubanas.

b) A participação da força de trabalho das latinas, especialmente das mães latinas, está aumentando. Historicamente, a participação das latinas na força de trabalho é inferior à de outras mulheres, mas agora atinge 56,4%, em linha com as taxas para todas as mulheres. Em torno de dois terços das latinas empregadas trabalham em período integral. A participação da força de trabalho entre as mães latinas também aumentou e agora é de 62,8%, em comparação com 71,2% para todas as mães.

c) Embora as latinas representem uma parcela crescente da força de trabalho dos EUA, seus salários ficam para trás. Para cada dólar que um homem branco não latino ganha, as mulheres hispânicas ganham apenas 55 centavos — a maior diferença salarial experimentada por qualquer grande grupo racial, ou étnico, nos Estados Unidos.

d) Apesar das melhorias gerais em termos de pobreza, as latinas estão entre as mais propensas a serem “trabalhadores pobres”.

Quase 1 em cada 10 (8,7%) latinas que trabalham 27 horas, ou mais, por semana estão vivendo abaixo da linha da pobreza — quase o dobro da taxa de mulheres brancas não hispânicas (4,5%). Ao mesmo tempo, entre todos os latinos, a pobreza diminuiu acentuadamente, mas permanece alta, em 15,7%. A história é a mesma para as famílias latinas chefiadas por uma mãe solteira. Aqui, a taxa de pobreza é, hoje, metade do que era no início dos anos 1980, mas esse percentual (28,7%) permanece entre os mais altos experimentados por qualquer grande grupo racial, ou étnico.

As discussões que envolvem a segurança econômica das mulheres latinas, a questão da desigualdade de gênero e a consequente disparidade salarial entre homens e mulheres afetam, em maior medida, as mulheres latinas no país, como já mencionamos anteriormente. Segundo a American Association of University Women (Associação Americana de Mulheres Universitárias, em tradução livre), se a desigualdade de renda persistir da forma como está, as latinas precisarão esperar ao menos 176 anos para que a paridade salarial se concretize. As mulheres latinas ganham desproporcionalmente menos do que os homens brancos e não hispânicos, uma disparidade que está deixando uma parcela crescente da nossa população mais vulnerável à pobreza e às suas implicações.

O estudo do Center of American Progress nos dá a informação de que, em 2013, as mulheres latinas recebiam US$ 549 por semana, média inferior em comparação com às mulheres brancas e não latinas, de US$ 718. Além disso, entre 2007 e 2012, a proporção de mulheres latinas que ganham um salário mínimo, ou menos, mais do que triplicou, apesar de o número de mulheres latinas pobres que trabalham ser mais do que o dobro do de mulheres brancas, com 13,58%, em comparação com 6,69%.

No quesito “liderança política”, embora as latinas tenham uma rica história de liderança em suas comunidades, elas ainda estão sub-representadas em todos os níveis de governo. Do mesmo modo, apesar da alta representatividade na força de trabalho, as mulheres latinas são apenas 3% nas duas câmaras legislativas no Congresso dos Estados Unidos. Conforme demonstramos em recente análise, na Câmara dos Representantes, apenas 13 (10 democratas e 3 republicanos) dos 435 membros votantes são latinos. Como membro não votante na representação de Porto Rico, há uma latina republicana atuando e, na outra câmara legislativa, também há apenas uma senadora latina.

Embora essa seja uma realidade desafiadora, muito antes de a deputada Alexandria Ocasio-Cortez ganhar destaque nas mídias de todo país, algumas latinas pioneiras na política abriram caminho para que algumas mudanças nesse cenário político fossem possíveis. Em 1946, Felisa Rincón de Gautier se tornou a primeira mulher prefeita de uma capital quando foi eleita em San Juan, Porto Rico. Em 1989, Ileana Ros-Lehtinen foi a primeira latina a servir no Congresso dos Estados Unidos. Quase três décadas depois, em 2017, Catherine Cortez Masto se tornou a primeira senadora latina no país e, apenas dois anos depois, Alexandria Ocasio-Cortez foi a mulher mais jovem a servir no Congresso.

Importante notar, ainda, que um número recorde de latinas concorreu a cargos no Congresso nas eleições de 2020. Foram 75 candidatas latinas ao Congresso, incluindo aquelas que perderam as eleições primárias. Foi o maior número de latinas a concorrer por ambos os partidos (Democrata e Republicano) em um único ano eleitoral.

De acordo com o Center for Americans Women and Politics, “candidatas que se identificam como latinas, ou em combinação com outra(s) raça(s), são pelo menos 12,3% de todas as mulheres que concorreram à Câmara dos EUA em 2020. As latinas somaram ao menos 11% das candidatas democratas, e 14,5%, das mulheres republicanas, percentagens semelhantes aos ciclos recentes”. As latinas representaram 5% (3 dentre 60) de todas as mulheres candidatas ao Senado em 2020, 5,4% (2 dentre 37) das mulheres democratas candidatas ao Senado, e 4,3% (1 dentre 23) das mulheres republicanas candidatas ao Senado.

Apesar de os números recentes ainda não refletirem o peso político das latinas na política, é possível perceber os avanços contundentes de grupos organizados pela maior representatividade política e da diminuição da lacuna socioeconômica e cultural que é motivo de perpetuação de desigualdades históricas.

Nesse sentido, destacamos algumas organizações sociais de destaque nos Estados Unidos que desenvolvem ações em prol das mulheres latinas e suas particularidades:

  1. Hispanic Womens’ League Inc., ou “Liga das Mulheres Hispânicas”, no português, foi fundada há 42 anos por mulheres que se uniram em prol das famílias hispânicas/latinas na comunidade estabelecida em Buffalo, Nova York. O grupo se constituiu em 1978, graças a uma iniciativa de Carmen Faccio, estabelecendo um grupo de mulheres profissionais para atuarem nos serviços considerados negligenciados dentre as latinas. No site da instituição, consta o planejamento da inauguração de um instituto dedicado à preservação e à celebração da história, da arte e da cultura hispânicas, chamado “Hispanic Heritage Cultural Institute”, cuja localização será em Niagara & Hudson Streets. Entre alguns patrocinadores oficiais da organização estão: M&T Bank Corporation, Evergreen Health and Pharmacy, o escritório de advocacia Wolfgang & Weinmann e Diane Y. Wray, juíza do tribunal distrital de Nova York.
  2. 100 Hispanic Women National, Inc. é uma organização sem fins lucrativos e sem ligação partidária, fundada por Shirley Rodríguez-Remeneski no intuito de desenvolver e apoiar profissionais latinas. Com o objetivo de ajudar estas mulheres a terem acesso à faculdade e ao emprego, surgiram em 2002 o Young Latina Leadership Institute e a Bronx Global Leadership Academy for Girls, que orienta e auxilia jovens latinas no início dos estudos. Dentre seus apoiadores e parceiros, estão: NBC Universal (conglomerado de mídia e entretenimento), Toshiba Corporation, Bronx Care Health System, Lehman College, The City University of New York, Sunrise Medical Laboratories, Every Woman, Consolidated Edison, Inc. e a empresa de energia Con Edison (ou ConEd).
  3. Hispanic Women’s Organization of Arkansas (HWOA), ou “Organização das Mulheres Hispânicas do Arkansas”, no português, é uma organização sem fins lucrativos fundada em julho de 1999 por um grupo de mulheres, principalmente latinas. Formou-se, devido às necessidades surgidas pelo crescimento da população latina no noroeste do Arkansas. Segundo a organização, desde 2004, a “HWOA é uma afiliada da UnidosUS, cuja missão é construir uma América mais forte, criando oportunidades para os latinos”. Em 2001, a HWOA foi selecionada para participar da Emerging Latino Communities Initiative (ELCI), da UnidosUS, e se envolve em atividades, cujos objetivos são promover oportunidades educacionais para mulheres hispânicas e suas famílias e valorizar a cultura latina com o envolvimento das comunidades locais.
  4. Hispanic Women’s Network of Texas (HWNT), ou “Rede de Mulheres Hispânicas do Texas”, no português, é uma organização estadual sem fins lucrativos com sede em Austin, Texas, e que também se compõe por outras filiais localizadas em sete cidades neste mesmo estado, sendo elas: Austin, Corpus Christi, Dallas, El Paso, Fort Worth, San Antonio, Austin e Rio Grande Valley. Fundada em 1986, tornou-se a principal organização de mulheres latinas do estado e se originou por meio do reconhecimento da necessidade de se organizar lideranças estaduais latinas nas áreas públicas, corporativas e cívicas. Segundo o site da instituição, “a HWNT promove o bem-estar educacional, cultural, social, jurídico e econômico de todas as mulheres, por meio de uma consciência mais ampla de seu papel na sociedade, nos negócios e na família”. Também é um grupo filiado ao UnidosUS.
  5. Hispanas Organized for Political Equality® (HOPE), ou “Hispanas Organizadas pela Igualdade Política”, no português, é uma organização apartidária e sem fins lucrativos que busca garantir a paridade política e econômica para as latinas, por meio de liderança, advocacy e educação. Segundo o site da instituição, a HOPE® “se concentrou em capacitar nossas comunidades por meio de advocacy, treinamento de liderança latina e aumento do conhecimento sobre as contribuições que as latinas fizeram para promover o status das mulheres nos últimos 30 anos. Até o momento, a programação inovadora da HOPE atendeu 58.000 latinas e afetou a vida de milhares de outras, por meio de nossos esforços de advocacia”. No conselho consultivo da Hope, encontram-se representantes das seguintes organizações e/ou empresas: 360 Agency, City National Bank, NBC Universal Telemundo Enterprises, TELACU, Southwest Airlines, Almond Alliance of California, SoCalGas, NALEO, dentre outras.
  6. MANA, a National Latina Organization®, fundada em 1974, tem filiais em várias cidades do país: Albuquerque (NM); Chester County (PA); Colorado Springs (CO); Hidalgo County (TX); Imperial Valley (CA); Kansas City (MO); Metro Denver (CO); Metro Detroit (MI); N. County San Diego (CA); North Texas (TX); Portland (OR); San Diego (CA); Savannah at Armstrong (GA); Sonoma County (CA); Texas Gulf Coast (TX), e Topeka (KS). Seu objetivo é representar os interesses das mulheres (jovens e meninas) e famílias latinas em questões que impactam diretamente essas pessoas, com aquelas relacionadas às áreas de educação, saúde e bem-estar, assim como de igualdade, direitos civis e reforma da imigração. MANA também conta com o apoio de diversos afiliados que se constituem enquanto grupos atuando pelas mulheres latinas, em diversos aspectos, em suas comunidades, sendo algumas delas: Latinas Promoviendo Comunidad/Lambda Pi Chi Sorority, Inc., American GI Forum Women, The Circle of Latina Leadership, Adelante Mujer, Hispanic Women’s Network of Texas, Chic Chicana, Mas Mujer, 100 Hispanic Women e LIDERAMOS.
  7. Latino Women’s Initiative, ou “Iniciativa das Mulheres Latinas”, no português, oferece apoio financeiro e voluntário a várias organizações locais sem fins lucrativos. Conta, atualmente, com mais de 200 membros e promove campanhas de adesão com o evento “Junior League of Houston”, onde apresentam as arrecadações financeiras dos institutos contemplados no ano. Dentre seus apoiadores, destacam-se: NBC Universal Media, H-E-B Helping Here, Center Point Energy, Houston Methodist Leading Medicine, Reliant Energy, Trini Mendenhall Foundation e o escritório de advocacia Johnson Garcia LLP.
  8. Afroresistance, antigo The Latin American and Caribbean Community Center (LACCC) se constituiu enquanto uma organização comunitária, em 2004, para atender as diversas necessidades políticas, econômicas e culturais das crescentes populações latinas e caribenhas nos Estados Unidos, com ênfase especial nos mais marginalizados: a comunidade latina-afrodescendentes e indígenas. A organização se tornou conhecida por trabalhar nos maiores grupos de imigrantes afrodescendentes e latino-americanos econômico, social e culturalmente marginalizados não somente no país, mas em outras partes do mundo. Enquanto estratégia, a organização tem diferentes programas que perseguem justiça racial e, para tanto, concentram-se em três áreas de atuação: 1) Defesa: com análises, dados e relatórios sobre determinada região concentrados nas mulheres negras da América Latina e Caribe; 2) Solidariedade internacional: na construção de um movimento intencional, internacional e político pela justiça social e pelos direitos humanos nas Américas; e 3) Capacitação: constituição da “Escola Negra de Direitos Humanos”, um Instituto de direitos humanos dedicado a Raça, Gênero e Imigração para afrodescendentes.
  9. Latin Women in Action, Inc. (LWA), fundada em 1990 por Haydee Zambrana e outras mulheres da comunidade latina que constataram a necessidade de atender mulheres e famílias hispânicas no bairro do Queens, constituindo-se como uma agência de serviços sociais abrangentes para a comunidade latina de Nova York. Segundo a página oficial on-line, “a LWA oferece serviços de imigração, educação, prevenção de violência doméstica, prevenção de abuso infantil, aconselhamento e apoio, bem como encaminhamentos sobre outros serviços, como saúde mental e aconselhamento pós-operatório. […] A organização auxiliou cerca de 25.000 mulheres e suas famílias com serviços de imigração, inclusive ajudando residentes legais a se tornarem cidadãs dos EUA e ajudando-as no registro para votar”.

Tal como podemos verificar, o ativismo social das mulheres latinas é muito expressivo, fato que indica que, nos próximos anos, esta maior atuação significará uma maior representatividade para este segmento marginalizado.

 

* Marcos Cordeiro Pires é coordenador do Latino Observatory, professor de Economia Política Internacional (UNESP-Marília) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU). Thaís Caroline Lacerda é coordenadora do Latino Observatory e doutora em Ciências Sociais (Unesp-Marília). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org.

** Publicado originalmente no site Latino Observatory, em 27 fev. 2022. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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