América Latina

Biden inclui PCC e outras organizações criminosas em lista de sanções contra narcotraficantes

Detentos mostram lemas e sigla do PCC em penitenciária na cidade de São Paulo, em maio de 2006 (Crédito: inga-cidadao.com) 

Por Aline Regina Alves Martins e José Paulo Silva Ferreira*

Em 15 de dezembro passado, Joe Biden emitiu duas Ordens Executivas, impondo sanções contra pessoas e organizações de Brasil, China, Colômbia e México por narcotráfico. Entre os grupos citados, encontra-se o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma organização criminosa que surgiu nos presídios de São Paulo e que hoje é o grupo brasileiro mais poderoso do crime organizado. O  PCC é vinculado a redes transnacionais de tráfico e, como veremos ao longo deste Informe, as sanções de Biden têm potencial de afetar a dinâmica de funcionamento da organização e de como esta se relaciona com o sistema financeiro internacional.

Sanções para estrangeiros envolvidos no comércio global de drogas ilícitas

O contexto nos Estados Unidos para a imposição de sanções vinculadas a grupos que comercializam drogas ilícitas é o do maior número de mortes decorrentes do uso de drogas já registrado no país desde 1968, quando estas informações começaram a ser registradas. Dados do Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) indicam que, de abril de 2020 a abril de 2021, mais de 100 mil pessoas morreram por overdose. Isso representa um aumento de 28,5% do número de mortes em relação ao período de 12 meses que antecedeu a pesquisa mais recente. Dessa forma, as sanções surgem com a justificativa de defesa do interesse nacional, na medida em que se estaria protegendo a saúde do povo americano e evitando a violência associada ao tráfico de drogas.

O relatório do CDC menciona duas principais causas das mortes: opioides sintéticos, principalmente os derivados fentanil e psicoestimulantes, além de cocaína. De acordo com a Agência de Combate às Drogas nos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês), o fentanil é um poderoso analgésico de uso restrito, da mesma classe de drogas que a morfina e a heroína, sendo receitado para tratar dores severas. Nos últimos anos, porém, tem sido adquirido de forma ilegal, sobretudo, por usuários de metafetamina. Muitos usuários também compram a substância enganados por traficantes, pensando se tratar de heroína – já que é mais barata.

  Epidemia de opoiodes tem pior ano desde 1968 nos EUA (Crédito: Douglas Sacha/Getty Images)

A Ordem Executiva (OE) que menciona o PCC (Executive Order on Imposing Sanctions on Foreign Persons Involved in the Global Illicit Drug Trade, ou “Ordem Executiva para Imposição de Sanções a Pessoas Estrangeiras Envolvidas no Tráfico de Drogas Global Ilícito”, em tradução livre) se concentra nas drogas sintéticas. Este recorte fundamenta a inclusão de algumas empresas chinesas, as quais comercializam elementos à base do fentanil. Dez pessoas e 15 grupos foram citados no documento. Traficantes do México foram incluídos, pois, segundo a DEA, passaram a sintetizar o fentanil clandestinamente, e colombianos e brasileiros, sobretudo, pelo tráfico de cocaína.

A OE em questão evoca a Lei de Poderes Econômicos para Emergência Internacional (IEEPA, sigla em inglês), a Lei de Emergência Nacional (NEA, sigla em inglês) e a Seção 311 do Título III do Ato Patriota. A primeira corresponde a uma legislação que estende as capacidades do Poder Executivo de emitir sanções econômicas, mesmo em tempos de paz. A segunda gera um estado de emergência nacional que justifica o uso da IEEPA. Já a terceira trata de uma forma de sanção indireta que envolve o sistema financeiro internacional, podendo resultar no bloqueio de ativos.

No caso da Seção 311 do Ato Patriota, não se trata do bloqueio direto de contas. Nessa modalidade de sanção, o Departamento do Tesouro passa a identificar o alvo como uma ameaça ao sistema financeiro, de modo que bancos que detenham ativos desses indivíduos, ou organizações, tornam-se agentes colaboradores de atividades criminosas. Buscando evitar impedimentos no sistema financeiro dos Estados Unidos – o que seria fatal para qualquer instituição financeira, visto que o dólar é a moeda de reserva global –, os próprios bancos bloqueiam as contas sem a necessidade de ordem governamental direta.

Estátua do ex-senador Albert Gallatin perto do Departamento do Tesouro em Washington, EUA, 25 de abril de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 02.02.2022Departamento do Tesouro americano, em Washington, D.C. (Crédito:  Alexander Drago/Reuters)

Esse não é o primeiro movimento do governo americano contra o PCC. Em 2019, o Departamento de Estado e o de Segurança Interna incluíram, sem alarde, nomes de pessoas suspeitas de serem membros da facção em uma lista de indivíduos inelegíveis para visto estadunidense. Evocar estado de emergência nacional e impor sanções ao PCC como um todo indica, porém, um aumento da preocupação do governo americano com as atividades da organização.

Reforço no combate ao narcotráfico com criação de conselho especializado

Biden não se limitou a impor sanções. Sua outra OE, intitulada Executive Order on Establishing the United States Council on Transnational Organized Crime, criou um novo organismo, o Conselho dos Estados Unidos para o Crime Organizado Internacional (USCTOC, na sigla em inglês). Este órgão envolverá servidores de diferentes agências governamentais. A ideia é melhorar a colaboração entre os Departamentos de Justiça, Defesa, Segurança Interna, Tesouro e de Estado, além do Escritório de Inteligência Nacional, tendo em vista o combate ao narcotráfico.

A criação do conselho é justificada na Seção 1 da OE, partindo de um conceito amplo de segurança. Os narcotraficantes não estão envolvidos apenas no tráfico de substâncias ilegais. O crime organizado envolve toda uma cadeia de atividades, como lavagem de dinheiro, riscos de cibersegurança, tráfico de armamento e humano. Essas organizações criminosas agem em polos difusos em forma de rede. Assim, para desmantelar suas atividades, seria preciso contar com agentes com acessos a diferentes dados de Inteligência, sejam relativos à defesa, à imigração, ou à Inteligência financeira.

O USCTOC terá uma natureza preventiva e investigativa. A OE explicita ainda, em sua Seção 1, que mesmo as organizações de narcotráfico que não operam nos Estados Unidos, oferecem riscos à segurança nacional. Isso se daria por serem forças desestabilizantes de países aliados, pois estes grupos, à medida que se fortalecem, passam a desafiar a estabilidade democrática e a legitimidade estatal, por meio de intimidações, violência e corrupção. Este conselho especializado surge em substituição ao Threat Mitigation Working Group (TMWG), um grupo de trabalho que havia sido criado sob a OE 13773, de fevereiro de 2017.

A face transnacional e difusa do PCC

Como visto acima, apesar de o Primeiro Comando da Capital ter surgido em São Paulo nos anos 1990, ao longo das três últimas décadas, espalhou-se pelo Brasil e passou a operar internacionalmente. Primeiro, na esfera regional, dada a relevância de alguns países andinos na produção de narcóticos e, posteriormente, fora do triângulo sul-americano. Hoje, a organização é responsável, por exemplo, por exportar cocaína para a Europa.

À medida que o PCC se fortaleceu, não apenas sua zona de influência se expandiu, mas as atividades e as redes passaram a ser difusas. Além do narcotráfico, como mencionado em ambas as OEs, o crime organizado tende a abranger outros tipos de crime, como o tráfico de armas e o tráfico humano. Redes difusas, pois, apesar de haver uma hierarquização interna, o PCC precisou se relacionar com outros grupos que já dominavam o tráfico em outros países.

Pode-se refletir sobre o que ambas as OEs representam no contexto histórico das Relações Internacionais, como abordado, por exemplo, por autores como Abrahamsen e Williams (2009) e Didier Bigo (2016), em que, com a globalização, as ameaças locais passaram a se expandir e internacionalizar, sendo porosa a fronteira entre ameaças externas e domésticas. Isto é, ao longo das décadas, houve a adição de atores não estatais na pauta de segurança internacional e menor distinção do que pode ser tido como ameaça local, ou regional. Ademais, as OEs também traduzem uma manutenção da política de sanções norte-americana, com manifestação da tática de sanções indiretas, frequente na administração de Donald Trump.

A decisão de Biden é consequência da emergência de uma política mais incisiva no combate ao tráfico de drogas nos Estados Unidos. A possível implicação dessas sanções tende a ocorrer de médio a longo prazo e se trata de uma adaptação dos narcotraficantes à nova conjuntura. Conforme seus ativos não podem ser mais movimentados pelo sistema financeiro tradicional sem serem detectados pelo Departamento do Tesouro, gera-se incentivos para a adoção de meios alternativos de transações.

 

* Aline Regina Alves Martins é professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: alinermartins@ufg.brJosé Paulo Silva Ferreira é graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador assistente do Núcleo de Estudos Globais (NEG). Contato: josepaulosilvaferreira@gmail.com.

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 7 fev. 2022. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Para mais informações e outras solicitações, favor entrar em contato com a assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: tcarlotti@gmail.com.

 

 

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