China e Rússia

Disputa de soberania no Mar do Sul da China preocupa governo Biden

Ministro vietnamita da Defesa, Phan Van Giang, recebe o secretário Lloyd Austin, em 29 jul. 2021 (Crédito: Pham Hai)

Por João Bernardo Quintanilha Chagas*

O secretário americano da Defesa, Lloyd Austin, começou em 26 de julho sua viagem pelo Sudeste Asiático, com o objetivo de reforçar os laços diplomáticos e as alianças estabelecidas entre os Estados Unidos e os países da região. Em seu primeiro discurso na região, em Singapura, Lloyd expandiu os projetos já apontados pelo governo Joe Biden para o Sudeste Asiático, como a doação de vacinas “sem letras miúdas”, planos de cooperação em defesa e em cibersegurança e a manutenção de alianças estratégicas. O principal tema foi, no entanto, a crescente presença chinesa sobre os mares do Pacífico, em especial sobre o Mar do Sul da China.

Ainda que talvez esta seja a região mais provável para a eclosão de um conflito entre os EUA e a China, trata-se de uma das menos comentadas e estudadas pelos analistas internacionais. O Mar do Sul da China constitui um território essencial no panorama do comércio exterior, é extremamente rico em recursos petrolíferos, além dos recursos pesqueiros, importantes para a economia de diversos países na região. Por suas águas, transita ⅓ de todos os produtos do mercado internacional, somando US$ 3,37 trilhões. A região engloba China, Macau, Taiwan, Filipinas, Brunei, Hong Kong, Malásia, Indonésia, Singapura, Camboja e Vietnã. Todos se relacionam de diferentes maneiras entre si e com a grande potência regional, a China.

Hong Kong e Taiwan têm relações historicamente dramáticas com o governo de Pequim. A promulgação da nova lei de segurança nacional sobre o território honconguês e as ambições continentais de anexar o governo de Taipei elevaram as tensões regionais. A República Popular da China clama soberania sobre todo Mar do Sul da China, o que inclui possessão sobre todas as ilhas, solo marítimo e seu espaço aéreo, com base em sua ocupação milenar. Essas reivindicações estão pautadas em um documento, posterior à Segunda Guerra Mundial, que ficou conhecido como a “Linha dos nove traços”. Durante o governo de Xi Jinping, entretanto, foi adicionado um novo traço, envolvendo a Ilha de Formosa, território da República Chinesa. Esse passo chamou a atenção dos governos ao redor do globo, principalmente o americano, responsável pela proteção da ilha.

Diante desse quadro, faz-se necessário considerar o posicionamento de outros países da região. Desde 1967, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) existe como uma organização internacional regional que busca integrar e melhorar a cooperação de seus países-membros (Brunei, Singapura, Tailândia, Laos, Camboja, Indonésia, Malásia, Mianmar, Filipinas e Vietnã). Nos últimos anos, ela tem tentado conciliar a questão do Mar do Sul da China, por vias diplomáticas. Ainda não há avanços significativos, porque nem todos os membros da organização querem se indispor com a China.

Esse não é, no entanto, um posicionamento unânime. Em 2016, as Filipinas levaram o governo chinês ao Tribunal Permanente de Arbitragem em Haia, em defesa de seu direito à utilização dos recursos naturais do Mar do Sul da China. O Tribunal decidiu a favor das Filipinas. Em sua decisão, observou que os direitos históricos chineses sobre a região não tinham valor legal, devido à incompatibilidade com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), ratificada pela China. Essa convenção, de 1982, arbitrou sobre a soberania marítima dos países, delimitando mares territoriais (12 milhas náuticas além da costa) e Zonas Econômicas Exclusivas (até 200 milhas náuticas do litoral do país). O Vietnã também tem-se posicionado contra as reivindicações chinesas, buscando uma resolução diplomática dentro da Asean.

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A ação dos Estados Unidos no território

Além da multiplicidade de divisões marítimo-territoriais sobre a área, um novo grau de complexidade é adicionado, devido às alianças e ao posicionamento estadunidense concernente à região. As práticas de contenção do governo chinês variaram de ações diplomáticas, envolvendo aliados, até o posicionamento da Marinha americana na região. Durante o governo Obama, a principal manobra utilizada foi a formação do Acordo de Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), chamada posteriormente de “Estratégia de Rebalanceamento”. Essa estratégia foi um plano traçado para reaproximar os Estados Unidos dos seus aliados no Sul e no Sudeste Asiático, como forma de retomar a “liderança americana” (termo muito usado em discursos presidenciais estadunidenses) na região.

O TPP foi o principal desses meios, envolvendo 12 países banhados pelo Oceano Pacífico, sendo cinco deles dentro do contexto do Mar da China. O tratado buscava a criação de uma enorme zona de livre-comércio, facilitando os fluxos de investimento e serviço entre os países membros, sem a participação chinesa. Tratava-se, claramente, de uma forma de favorecer a projeção americana, em detrimento da chinesa, nesses países estratégicos. Segundo Obama, a resposta para reafirmar a liderança americana e conter a expansão chinesa seria: “garantir que a globalização e o comércio estejam trabalhando para nós, não contra nós”.

Com a entrada do republicano Donald Trump na Casa Branca, houve uma mudança radical na ação do governo americano sobre o tema. Uma de suas primeiras reformas foi retirar os Estados Unidos do TPP e, posteriormente, conduzir uma guerra comercial entre Estados Unidos e China. A Guerra Comercial – segundo a narrativa trumpista de Make America Great Again – buscava reverter o déficit comercial estadunidense com a China. Ao final de 2019, após aumentos mútuos de tarifas, houve um acordo para dar um fim à criação de novas taxas sobre o comércio entre os seus países. Foi, no entanto, apenas em uma conferência de imprensa em 2020, que o governo Trump se posicionou mais vigorosamente sobre o Mar do Sul da China.

Em julho de 2020, o então secretário de Estado americano, Mike Pompeo, declarou que todas as reivindicações chinesas eram ilegítimas, de acordo com o Direito Internacional, além de apoiar a decisão tomada pela Corte em Haia a favor das Filipinas. No mesmo período, o governo americano enviou dois porta-aviões para conduzir exercícios militares no Mar do Sul da China, o que foi visto pela imprensa internacional como um indicativo do aumento da tensão entre as duas potências. Ainda no começo daquele ano, Pompeo reafirmou sua posição sobre a irregularidade das práticas chinesas na região, e novas sanções foram impostas contra a China. Entre elas, a restrição de visto americano para cidadãos chineses, incluindo autoridades do Partido Comunista Chinês. Segundo o secretário de Estado, “Todas as nações, independentemente de seu poder militar ou econômico, devem ser livres para usufruir dos seus direitos e liberdades garantidos pela lei internacional, como representado na Convenção do Direito do Mar de 1982, sem medo de coerção”.

Um ano depois, em 11 de julho de 2021, o governo Biden se manifestou a respeito, apoiando o posicionamento da administração anterior sobre o Mar do Sul da China. Em seu discurso dos 100 dias, em sessão conjunta da Câmara de Representantes, o presidente já havia apresentado diferentes planos, tanto de política externa como interna, voltados para a contenção da China. Para além de um ponto estratégico que contribua para garantir a segurança americana, as recentes visitas de membros do alto escalão do governo (Lloyd Austin, Blinken e a secretária de Estado adjunta Wendy Sherman) aos países asiáticos mostram que, para Biden, a região é um passo essencial para o retorno dos Estados Unidos ao posto de líder mundial. Na lista de paradas, estiveram Índia, China, Japão e Vietnã, entre outros.

Como já foi mencionado, existem características e práticas constantes na atuação dos Estados Unidos no tabuleiro internacional. A mais evidente delas é a massiva presença militar em regiões estratégicas. Não seria diferente no Mar do Sul da China. Hoje, os americanos contam com bases em: Singapura, controlando indiretamente o estreito de Malaca, a porta de entrada ocidental do Mar do Sul da China; Filipinas, dominando o sudeste do Mar e a saída para o Mar de Celebes; ou ainda, Taiwan, fechando a saída mais ao norte do Mar Meridional da China. Além de possuir bases em Okinawa e na Coreia do Sul, que exercem influência americana sobre o Mar Oriental e o Mar Amarelo, as duas saídas chinesas restantes para o Oceano Pacífico.

Carta di Laura Canali, 2018.

Bases americanas no Sudeste Asiático (Fonte: Limes, Rivista Italiana di /Geopolitica)

A ‘Grande Estratégia’ para a China na história

A busca de contenção da China foi algo recorrente na história mundial, muito antes de se tornar o eixo da política externa americana. Desde a chegada dos portugueses ao Oceano Índico e, posteriormente, ao Mar da China, houve diversas tentativas de enquadramento da China no sistema de hierarquização econômica ditado pela Europa. Em momento posterior, com a atuação do Império Britânico, unida pontualmente com o Império Francês, a inserção do Império Chinês nesse sistema se completa, iniciando o período que seria conhecido como o Século da Humilhação.

Até o século XVII, a China era, em diversos aspectos, superior aos europeus, colocando-se não somente como uma potência político-territorial, mas também econômica. Diversas autoridades centrais europeias buscaram se inserir no mercado chinês, à procura de posições privilegiadas, de forma a maximizar seus lucros e diminuir a interferência do governo chinês em suas práticas comerciais. Foi, no entanto, somente com a brutalidade da Primeira Guerra do Ópio, que uma nação europeia – o Império Britânico – conseguiu conter o Estado chinês e se inserir de maneira privilegiada em seu território, forçando a abertura de portos aos seus produtos. A perda de soberania e os diversos massacres sofridos pela população chinesa contribuíram para moldar a identidade chinesa atual, reerguida com a ascensão do Partido Comunista Chinês, em 1949. Dessa forma, em certa medida, é possível tomar as ações do governo americano, sua inserção bélica, com posicionamento de bases cercando a costa chinesa, como herdeira da prática europeia ocidental desde as Grandes Navegações do século XVI.

Olhando-se para os elementos aqui descritos, compreende-se que as formas usadas para frear a expansão militar e econômica chinesa são diversas e têm causas históricas que perpassam as mais diferentes nações, em diversas épocas. Por isso, essa região deve continuar a ser efervescente no cenário internacional, digna, portanto, de mais atenção dos analistas internacionais, em especial no que se refere aos posicionamentos que serão adotados pelo governo Biden.

 

* João Bernardo Quintanilha Chagas é pesquisador colaborador do Opeu e graduando do curso de Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: joaobernardoqchagas@gmail.com.

** Recebido em 30 jul. 2021 e publicado com revisão e supervisão da editora do Opeu e professora colaboradora do IRID/UFRJ, Tatiana Teixeira, e do editor associado do Opeu, Rafael Seabra. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do Opeu, ou do INCT-INEU.

 

Assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: tcarlotti@gmail.com.

 

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