China e Rússia

OTAN 2021: competição global e os passos de Biden no reforço do multilateralismo

Presidente Joe Biden (à esq.) e o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, na sede da organização, em Bruxelas, em 14 jun. 2021 (Crédito: Patrick Semansky/Pool/AFP via Getty Images)

Por Maria Manuela de Sá Bittencourt*

Ocorrida em Bruxelas em 14 de junho de 2021 e liderada por seu secretário-geral, Jens Stoltenberg, a reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), abordou assuntos importantes para a renovação da agenda da Organização e para o reforço de sua relevância no multilateralismo. No cenário atual, a Aliança entende que precisa se adaptar à nova era da competição global e de ameaças imprevisíveis. Através do anúncio de sua Agenda 2030, busca-se transmitir uma mensagem de força e união entre os países-membros diante de assuntos como terrorismo, ciberataques, avanço de tecnologias, alterações climáticas e os “desafios” impostos por Rússia e China à ordem internacional com seus regimes considerados “autoritários”. Muitos analistas viram as iniciativas divulgadas como um conjunto de estratégias militares ambiciosas.

Para os membros da Aliança Atlântica, um novo capítulo parece se iniciar com a chegada de Joe Biden à Presidência dos Estados Unidos, que deixa para trás a retórica “antiglobalista” de Donald Trump. Além de questionar o papel da OTAN, o antecessor do democrata colocava em xeque a falta de engajamento dos demais membros e a distribuição desigual de responsabilidades entre americanos e europeus. O que também era visto por Barack Obama, mas este, ao contrário de Trump, entendia a importância da Organização e de sua adaptação ao mundo atual para unir forças e promover segurança, deter ameaças vitais e defender o povo americano na época.

No evento, o presidente estadunidense assegurou o comprometimento de seu país com os aliados da OTAN. Ao se referir à segurança coletiva da organização, Biden foi taxativo: “o artigo cinco é uma obrigação sagrada”.

“A OTAN é (…) Artigo Quinto. Nós consideramos uma obrigação sagrada. E recordo constantemente aos americanos que, quando a América foi atacada, pela primeira vez na sua costa, desde o que aconteceu lá atrás, no início da Segunda Guerra Mundial, a OTAN deu um passo à frente. A OTAN deu um passo à frente, eles honraram o Artigo Quinto. E eu só quero que toda a Europa saiba que os Estados Unidos estão lá”.

O novo presidente traz consigo a promessa de modernizar e revigorar alianças e parcerias, na tentativa de produzir uma visão mais unificada sobre regras, normas e regimes internacionais que sejam efetivos e em conformidade com os interesses dos EUA, assim como sobre seu cumprimento. Esse multilateralismo também já pôde ser visto em ação em outras duas vertentes: com a volta do país ao Acordo de Paris sobre o Clima e na reconciliação com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em um contexto de enfrentamento global do novo coronavírus.

China como ‘desafio sistêmico’ e a ‘ameaça’ russa 

Uma preocupação bem enfatizada durante a cúpula foi com o “regime autoritário” da China e com o crescimento de sua influência em diversos campos, com destaque para o militar e o político. Algo que esteve presente na fala de Biden, que, em seu discurso, afirmou que a competição global está ligada à “autocracia em si”, e não propriamente à China. Mesmo assim, na declaração final do encontro, a China não apareceu como uma “ameaça”, mas como algo que vai exigir atenção e disposição para se enfrentar, diante dos “desafios” que Pequim representa em diferentes áreas.

Entre eles, Stoltenberg menciona “os investimentos em novas capacidades modernas, ogivas nucleares, o comportamento coercitivo e também os desafios que isso impõe à ordem baseada em regras internacionais e à nossa segurança”. E acrescenta: “Portanto, se você comparar esses documentos, verá que percorremos um longo caminho para desenvolver uma posição comum sobre a China e o que isso significa para nossa segurança”.

NATO’s role in a transatlantic strategy on China

(Arquivo) Membros da Polícia Paramilitar marcham, na entrada da Cidade Proibida, na abertura do Congresso Nacional do Povo, em Pequim, 22 de maio de 2020. Ao fundo, pôster do presidente chinês, Xi Jinping (Crédito: Thomas Peter/Reuters)

O tom de seu discurso (mais ameno do que o esperado) buscou, com isso, acomodar as divergências existentes entre os países-membros da organização sobre o gigante asiático: diferenças tanto de opinião e de percepção sobre o nível de ameaça/desafio, quanto do perfil da relação bilateral cultivada por cada capital. A chanceler alemã, Angela Merkel, ressalta, por exemplo, o fato de o crescimento militar ser preocupante, mas que, ainda assim, os laços são importantes – e não apenas no campo comercial. Seguindo o mesmo raciocínio, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, declara que “ninguém quer uma nova guerra fria com a China”. Assim, a Aliança parece tentar estabelecer uma visão estratégica sob a nova conjuntura, mas com cautela.

Sobre a questão militar, pela primeira vez, a OTAN retratou, de forma potencialmente conflituosa, a expansão do arsenal nuclear chinês, com mais ogivas e materiais com nível tecnológico sofisticado, incluindo sua Marinha. Mencionou ainda armamentos voltados para uma nova corrida espacial, com Inteligência Artificial e o avanço da tecnologia 5G chinesa. Embora o cenário descrito não seja um segredo por parte de Pequim, a China foi acusada de “desinformação”, por não ser “transparente” sobre as atividades e as práticas militares que ocorrem no país.

Diante do que foi dito na cúpula, a China se declarou insatisfeita. A missão chinesa reagiu, dizendo-se “caluniada” e presa a uma “ideia de Guerra Fria” dentro do cenário internacional, além de estar sendo usada “como desculpa para se manipular a política de um grupo”.

Diferentemente dos chineses, os russos continuam sendo considerados como “ameaças”. Na cúpula, Biden considerou que a Rússia continua agindo de forma contrária ao esperado do comportamento de um regime democrata liberal. Por isso, acrescentou o presidente americano, Rússia e China andam juntas em parceria.

A OTAN diz que, há quase três décadas, tenta encontrar uma forma de cooperação com Moscou, sem sucesso, diante do que vê como discrepância de valores, princípios, confiança e comprometimento. O presidente russo, Vladimir Putin, descreve a Organização como uma relíquia da Guerra Fria, questionando sua existência até o presente. Em sua primeira reunião com a organização como presidente dos EUA e às vésperas de seu encontro com Putin, em Genebra, no dia 16, Biden teria pedido aos aliados europeus sugestões do que tratar com seu homólogo russo. A portas fechadas, também teria exposto o que planejava abordar com o presidente russo. Aqui, houve unidade, e vários líderes se mostraram receptivos.

 

* Maria Manuela de Sá Bittencourt é pesquisadora júnior do OPEU, bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/PIBIC-CNPq e graduanda em Defesa e Gestão Estratégica Internacional do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: mariamanuela.sb@outlook.com.

** Recebido em 16 jun. 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

Edição e revisão final: Tatiana Teixeira.

Assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: tcarlotti@gmail.com.

 

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