Economia e Finanças

Pandemia, eleições e economia: quem vai recuperar o dinamismo dos EUA?

Crédito da imagem: Andy Dean Photography, Shutterstock.com

Por Desiree Almeida e Thiago Dallaverde*

Entre 2001 e 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos apresentou um crescimento de 2,1% ao ano, o que indica um desempenho relativamente positivo da economia do país. A pandemia do novo coronavírus trouxe, porém, consequências devastadoras para a economia americana, que não conseguiu resistir aos impactos trazidos pelo lockdown. Como pode ser observado no Gráfico 1, a administração de Donald Trump apresentou taxas de crescimento superiores a essa média de 2,1%, em 2017 e 2018, com crescimento de 2,3% e 3%, respectivamente. Em 2019, o PIB convergiu para a média do período observado e apresentou aumento de 2,1% em relação a 2018.

 

Gráfico 1 – Taxa de crescimento do PIB (yoy, %) – EUA, 2001-2019

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do U.S. Bureau of Economic Analysis (BEA)

Na comparação das administrações desde 2001, o mandato de Trump apresenta a segunda maior taxa anual de crescimento, de 2,6%, inferior apenas ao primeiro mandato de George W. Bush, cujo crescimento foi de 2,8%. Em terceiro, pode-se observar o segundo mandato de Barak Obama, com crescimento de 2,4%. Vale lembrar que o atual candidato Joe Biden foi vice-presidente nos governos Obama.

 

Tabela 1 – Taxa Anual de Crescimento do PIB dos EUA, por mandato

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do BEA

O Gráfico 2 apresenta a taxa de crescimento trimestral do PIB dos EUA e ajuda a compreender os reflexos da pandemia na economia do país. A crise sanitária fez o PIB sentir seus efeitos já no primeiro trimestre de 2020, quando o produto estadunidense apresentou uma redução de 1,3% na comparação com o trimestre imediatamente anterior. No segundo semestre, em que todo período esteve sob influência das paralisações decorrentes da pandemia, a queda foi de 9%.

 

Gráfico 2 – Taxa de Crescimento Trimestral do PIB (%) – EUA, T12018-T22020

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do BEA

A abrupta queda do nível de atividade relatada no gráfico acima se refletiu rapidamente no aumento da taxa de desemprego. As taxas apresentavam uma trajetória constante de redução desde a grande crise de 2009, chegando a níveis históricos mínimos. No quarto trimestre de 2019, a taxa registrou 3,5% de desempregados. Com a queda do crescimento no primeiro trimestre de 2020, houve um aumento de 0,3 ponto percentual em relação ao trimestre imediatamente anterior. No segundo trimestre, porém, a taxa de desemprego foi de 13%, apresentando impressionantes 9,2 pontos percentuais de crescimento. No terceiro trimestre, com o relaxamento das restrições impostas pela pandemia, a taxa caiu para 8,8%, um nível ainda bastante elevado, comparado ao histórico recente, mas que registrou uma expressiva queda de 3,2 pontos percentuais em relação ao segundo trimestre.

 

Gráfico 3– Taxa de Desemprego Trimestral (dessazonalizada, %) – EUA, 2010-2020

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do U.S. Bureau of Labor Statistics (BLS)

Até o momento, o pacote de estímulo econômico dos Estados Unidos para o enfrentamento da crise somou 25,2% do PIB, que corresponde a um valor per capita de 16.480 dólares. Não há dúvida de que, sem a participação ativa do Estado, os números poderiam ser ainda piores. Mesmo com esse estímulo, o ineditismo das circunstâncias aliado ao alto grau de incerteza que ronda o processo de recuperação levantam questões quanto à velocidade da retomada da economia a níveis similares aos anteriores à crise.

Algumas experiências recentes indicam que a recuperação tem ocorrido em V, porém com algumas peculiaridades. Por se tratar de um choque exógeno à economia, a queda inicial expressiva do nível de atividade é compensada por uma taxa de expansão também considerável, a partir da reabertura gradual da economia. Entretanto, tem sido possível verificar que a taxa de crescimento da recuperação é incapaz de levar a economia aos níveis precedentes.

Outra verificação importante é que a retomada se dá de forma desigual, convencionando-se chamar esse tipo de crescimento de recuperação em K. Uma hipótese é que alguns setores estão sendo capazes de se recuperar a uma taxa superior a outros. Setores ligados à alimentação e ao turismo, por exemplo, estão-se recuperando a um ritmo muito inferior ao de setores de tecnologia. Esse impacto se faz sentir também no mercado de trabalho.

Esses resultados econômicos, em meio ao contexto de um país às vésperas da eleição presidencial, trazem para o centro do debate as propostas econômicas de Trump e de Biden para lidar com os efeitos negativos da covid-19 e recuperar tanto o crescimento econômico do país, quanto os níveis de emprego pré-pandemia.

‘Keep America Great’

Apesar de todas as controvérsias do governo Trump em relação a diversas questões, como migração e meio ambiente, o desempenho econômico dos EUA atingiu bons resultados, com crescimento do PIB e, simultaneamente, queda na taxa de desemprego.

É apoiado nesses resultados que Trump destaca, em sua campanha, as conquistas de seu primeiro mandato. Além dos já citados crescimento do PIB e criação de seis milhões de novos empregos com aumento de salários e queda do desemprego ao menor nível em 50 anos, o presidente exalta a aprovação da Tax Cuts and Jobs Act. O candidato reafirma, ainda, seu compromisso em proteger o comércio dos EUA, lutando contra o que ele considera práticas desleais de comércio internacional, de modo a resguardar os trabalhadores americanos.

Acrescentando “Fighting for You!” ao seu slogan do primeiro mandato, Trump elencou alguns planos que colocará em execução, caso seja reeleito. No que diz respeito à economia, entre as novas promessas, podem ser destacadas: a criação de dez milhões de empregos em dez meses; a manutenção dos empregos nos EUA; a criação de um milhão de pequenos negócios; o corte de impostos a fim de aumentar os salários líquidos; o estabelecimento de acordos comerciais justos que protejam os empregos do país; a devolução de um milhão de empregos, relacionados à manufatura, da China para os EUA; a concessão de crédito fiscal a empresas que recuperarem empregos que estão na China; e a permissão de deduções em despesas para empresas que trouxerem suas fábricas de volta aos EUA.

A woman looks at signs at a store closed due to COVID-19 in Niles, Ill., Wednesday, May 13, 2020.Mulher olha vitrine de loja que fechou as portas pela covid-19, em Niles, Illinois, 13 maio de 2020 (Crédito: Nam Y. Huh/AP)

Busca pela reconstrução pós-pandemia

Biden, por sua vez, concentra-se nos problemas recentes da economia, destacando a ineficiência de Trump em lidar com o caos sanitário e as consequências negativas dessa “má gestão” para a economia. Assim, a proposta de Biden para salvar a economia estadunidense apresenta três pontos principais: usar os mecanismos legais e institucionais disponíveis para reverter a pandemia; criar uma força-tarefa, diretamente subordinada ao presidente e responsável por garantir que os auxílios financeiros sejam destinados de forma rápida a quem deles precisa; e reunir os líderes do Congresso para elaborar um novo acordo.

Na proposta democrata, ganha destaque a necessidade de se planejar a retomada das atividades econômicas. A mensagem de Biden é que não há escolha entre saúde pública, ou economia: as duas questões são igualmente importantes. Por esse motivo, a reabertura econômica não deve ser feita de forma arbitrária, mas considerando-se o que defendem os especialistas em saúde pública. Para tanto, é preciso que os Estados Unidos disponham de equipamentos e que estes estejam acessíveis a todos.

Na proposta, o candidato lembra aos eleitores que esteve à frente da implementação da Recovery Act, por ocasião da crise financeira de 2007-2008 e, portanto, sabe que, em momentos de crise, prioridades devem ser estabelecidas. No caso de Biden, as prioridades para recuperar a economia do país incluem manter o maior número possível de pessoas nas folhas de pagamento, manter os pequenos negócios funcionando e supervisionar as grandes corporações.

Para que seja possível concretizar tais medidas, ele propõe: fornecer ajuda para os negócios que se comprometerem a manter seus funcionários mesmo durante a crise; estabelecer uma forma de seguro-desemprego, bem como aumentar o valor do auxílio e diminuir a burocracia demandada para sua implantação; fornecer auxílio adicional às famílias em necessidade; perdoar ao menos US$ 10 mil por pessoa em empréstimos federais a estudantes; aumentar em US$ 200 por mês o pagamento da Social Security; conceder licença médica emergencial a quem precisar – sem exceções; garantir que o teste de diagnóstico, o tratamento e a futura vacinação relativos à covid-19 não sejam cobrados; conceder US$ 377 bilhões em empréstimos rápidos e eficientes a pequenos negócios; e aumentar a supervisão sobre as grandes empresas, de modo a assegurar que a assistência fornecida a elas seja destinada aos trabalhadores, e não ao enriquecimento de CEOs e/ou shareholders.

As promessas serão suficientes?

Como dissemos, o desempenho recente da economia estadunidense é o grande trunfo da campanha de Donald Trump. Por esse motivo, sua campanha à reeleição não traz muitas novidades em relação ao que foi feito durante seu mandato. Promete, basicamente, continuar seguindo a linha econômica que permitiu que os EUA alcançassem os menores níveis de desemprego das últimas décadas e um dos maiores PIBs em 20 anos.

A pandemia mudou esse equilíbrio de forças, porém, ao trazer uma recessão abrupta e que demandou do governo uma capacidade de organização que não se concretizou. E é com base nesse momento de desorganização recente que Biden promete recuperar a economia, apoiando-se em planejamento e na delimitação de prioridades, para que as atividades econômicas sejam retomadas de forma segura, sem agravar a crise de saúde.

As incertezas que rondam a recuperação da economia devem guiar boa parte do último mês de campanha eleitoral e se somar a problemas estruturais da sociedade norte-americana. A grande indagação que se coloca é se as promessas de campanha serão efetivadas e, caso sejam, se serão suficientes para retomar o dinamismo econômico aos níveis anteriores à pandemia. Resposta que poderá ser obtida somente ao final do próximo ano pelo menos, quando o novo presidente dos EUA já tiver colocado suas promessas econômicas em prática.

 

* Desiree Almeida é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e pesquisadora do INCT-INEU, do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI-IE Unicamp) e do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI-IPPRI Unesp). Contato: d.almeidapires@gmail.com.

Thiago Dallaverde é doutorando em Economia pela Unicamp, professor das Faculdades de Campinas (FACAMP) e pesquisador do Núcleo de Estudos de Conjuntura da FACAMP. Contato: thiago.dallaverde@gmail.com.

** Recebido em 8 out. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

 

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