Fase 1 do acordo EUA-China: uma frágil trégua entre as maiores economias do mundo

* Por Aline Regina Alves Martins

No último dia 15 de janeiro, Estados Unidos e China fecharam, em Washington, a primeira fase de um acordo em que se visa diminuir os entraves advindos da guerra comercial iniciada em 2018. Intitulado “Economic and Trade Agreement between the Government of the United States of America and the Government of the People’s Republic of China”, o documento possui 91 páginas e está dividido em oito capítulos. O texto se concentra em temas relacionados à propriedade intelectual, transferência de tecnologias, comércio de produtos agrícolas, serviços financeiros, políticas macroeconômicas, taxas de câmbio e transparência nas políticas monetárias, expansão comercial, avaliação bilateral e resolução de conflitos.

No encontro com o vice-premier chinês, Liu He, o presidente Donald Trump afirmou que o acordo representa “um passo importante – nunca antes dado com a China” com a assinatura deste “histórico acordo comercial”. Segundo ele, “juntos, estamos corrigindo os erros do passado e entregando um futuro de justiça e segurança econômica para trabalhadores, agricultores e famílias americanos”.

Entre os diversos pontos apresentados no acordo, destaca-se aquele em que se aponta que a melhora nas relações bilaterais China-Estados Unidos perpassa a abertura chinesa aos produtos estadunidenses. Nele, conforme exposto na página 61, afirma-se que “[o]s Estados Unidos produzem e podem fornecer produtos de alta qualidade, bens e serviços com preços competitivos, enquanto a China precisa ampliar a importação de qualidade de bens e serviços acessíveis para satisfazer a crescente demanda dos consumidores chineses”. Neste sentido, a China se comprometeu a aumentar, de 1o de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2021, a importação de bens agrícolas, manufaturados, produtos do setor de energia e serviços em pelo menos US$ 200 bilhões (em referência aos valores de 2017).

Será, porém, que se pode afirmar que Estados Unidos e China estão pondo fim à guerra comercial? Apesar da pomposidade do encontro e do entusiasmo das palavras de Trump na ocasião, ao se analisar o documento do acordo, conclui-se que ele é ainda muito superficial. Ou seja, não há no horizonte o fim da guerra comercial China-Estados Unidos, mas, no máximo, uma frágil trégua entre as duas potências.

Uma das limitações do acordo é a descrença concernente à viabilidade de a China aumentar as importações de produtos americanos até o patamar declarado no documento. Ademais, mantiveram-se tarifas em cerca de US$ 360 bilhões em produtos chineses que entram nos Estados Unidos. Outro fator que alimenta o ceticismo é que a China tem metas de política industrial para liderar os mesmos setores industriais, dos quais se comprometeu a ampliar as compras dos norte-americanos. Outrossim, diversas promessas apresentadas na fase 1 do acordo já foram, pelo menos em parte, feitas anteriormente pela própria China.

Como exemplo, no capítulo 5 do documento, faz-se uma breve citação sobre o compromisso de se evitar desvalorizações cambiais para fins competitivos. Há alguns anos, no entanto, o governo chinês passou a adotar medidas para garantir que o valor de sua moeda siga as tendências de mercado, em uma garantia de evitar as acusações de desvalorizações competitivas. Interessante observar que dias antes da formalização do acordo, o Departamento do Tesouro americano retirou – em sinal de convergência com a então futura trégua – a China de sua lista de países “manipuladores de moedas”.

Outro elemento fundamental que sustenta este argumento se refere ao fato de o acordo não abordar temas mais sensíveis que incomodam o governo norte-americano, como os subsídios chineses às empresas nacionais e os casos de espionagem industrial.

Neste sentido, dada a dúvida que paira sob a factibilidade deste acordo, uma segunda rodada não parece viável, apesar de estar nos planos da Casa Branca.

Acordo bom para quem?

Pode-se afirmar, contudo, que nesta primeira fase do acordo Trump sai vitorioso. Embora não haja possibilidade de se realizar mudanças estruturais no sistema econômico chinês, o presidente norte-americano é bem-sucedido ao atenuar o conflito comercial com a China no ano de eleições presidenciais em casa. Ao criar um ambiente mais estável pelo menos até novembro, apazigua, principalmente, os mercados financeiros, e amplia suas chances de reeleição.

Há, porém, uma ressalva importante a ser feita. Conforme apontado, quem ganha é Trump, ao diminuir as tensões com os chineses neste ano de disputa eleitoral, mas não o povo norte-americano. Com este acordo, não se vislumbra a possibilidade de redução do déficit comercial com relação à China, apesar de forçar a compra chinesa de produtos americanos – compromisso, reitera-se, pouco factível de ser realizado nas proporções citadas. Não há nada relevante em relação à redução das tarifas, como já mencionado (o que Trump busca debater somente em uma possível segunda fase do acordo), e novas reversões tarifárias não estão previstas a curto prazo.

As relações China-Estados Unidos são responsáveis por cerca de 2,6 milhões de postos de trabalho nos EUA, o que inclui empregos gerados por empresas chinesas em território americano. As empresas estadunidenses vendem produtos de alto valor agregado à China (como equipamentos de construção, carros e caminhões) setores que geram empregos. Logo, além de não combater as consequências indesejáveis da guerra comercial nos Estados Unidos – como, por exemplo, o aumento do desemprego e de casos de falência entre fabricantes e agricultores –, a fragilidade do acordo firmado no último dia 15 de janeiro prolonga a possibilidade de escalada de novas tensões comerciais entre as duas maiores economias do mundo.

 

* Aline Regina Alves Martins é professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisadora do INCT-INEU.

** Recebido em 20 jan. 2020.

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