Senado desafia autoridade de Trump na guerra do Iêmen

por Solange Reis

 

O Senado dos Estados Unidos aprovou, no dia 13, uma resolução bipartidária que obriga o presidente Trump a interromper qualquer envolvimento direto ou indireto na guerra do Iêmen no prazo de 30 dias. Uma exceção, no entanto, foi aberta para operações contra a al Qaeda.

A determinação invoca a Resolução dos Poderes de Guerra de 1973, que permite ao Congresso suspender qualquer atividade militar hostil no exterior não embasada em declaração de guerra ou autorização legal. Instituído após a Guerra do Vietnã, o ato visa evitar abuso de poder por parte do Executivo.

São essas as circunstâncias da participação dos Estados Unidos no Iêmen, onde seu principal aliado árabe, a Arábia Saudita, lidera uma coalizão contra o que considera forças militares apoiadas pelo Irã.

Há cerca de quatro anos, os Estados Unidos têm fornecido serviços e equipamentos de inteligência, suporte logístico a ataques aéreos e armas para a guerra que já matou dezenas de milhares de pessoas, causou fome generalizada e levou o Iêmen a uma grave crise humanitária. Sem uma declaração de guerra pelo Congresso, órgão que tem a competência constitucional para isso, a intervenção americana pode ser considerada irregular. Para o senador Bernie Sanders, a guerra é também um desastre do ponto de vista estratégico.

Em dezembro, o Senado já tinha votado a favor da resolução, mas a medida não teve o sinal verde da Câmara dos Representantes, que era controlada pelos republicanos. Encaminhada novamente neste ano, a proposta saiu vitoriosa por 54 votos a 46 no Senado. A votação na Câmara, agora de maioria democrata, deve acontecer no dia 15.

Sendo aprovada na Câmara, a medida tem grande chance de ocasionar o primeiro veto de Trump. A oposição promete derrubar o veto presidencial, caso consiga reunir dois terços do Congresso. A anulação de um veto não é um ato corriqueiro. Barack Obama, cujas relações com o Congresso foi penosa, teve apenas um veto derrubado, quando tentou bloquear uma legislação que permitia às vítimas do 11 de setembro processar a Arábia Saudita em tribunais americanos.

Embora a maioria dos senadores republicanos tenha votado contra, o resultado da votação desta semana representa uma derrota política para Trump. Horas antes, o Escritório de Administração e Orçamento da Casa Branca disse que “A resolução conjunta geraria sérias preocupações constitucionais, na medida em que visa anular a determinação do presidente como comandante em chefe”.  A Casa Branca afirma que a resolução prejudicará as relações americanas no Oriente Médio e o combate a organizações extremistas.

No que diz respeito à Arábia Saudita, as relações entre Executivo e Legislativo andam abaladas desde a morte do jornalista dissidente, Jamal Khashoggi, no consulado da Arábia Saudita em Istambul, Turquia. Trump rejeita as conclusões das próprias agências de inteligência, que confirmam o assassinato de Khashoggi, bem como o desmembramento e o desaparecimento de seu corpo a mando do rei saudita, Mohammed bin Salman.

Em dezembro, o Congresso bloqueou a venda de armas a Riad em repúdio à eliminação do jornalista saudita, que era residente dos Estados Unidos. No mês passado, outra proposta conjunta para novas sanções foi apresentada ao Comitê das Relações Exteriores do Senado. O documento aguarda apreciação pelo Comitê, que é presidido pelo republicano Jim Risch, fiel ao presidente.

Trump, por sua vez, tenta manter a lealdade estratégica dos Estados Unidos à Arábia Saudita, um elo que remonta ao período final da Segunda Guerra Mundial, quando Franklin D. Roosevelt teria feito um acordo com o então rei saudita, Abdul Aziz Ibn Saud. Em troca de acesso de empresas americanas ao petróleo do país, pouco explorado até então, os Estados Unidos garantiriam segurança militar à monarquia saudita.

Em fins de fevereiro, o genro de Trump, Jared Kushner, foi recepcionado em Riad para tratar de assuntos de interesses mútuos, entre eles a transferência de tecnologia sensível para a Arábia Saudita construir usinas nucleares. No mesmo mês, Trump se reuniu com o IP3 International, um consórcio de produtores do setor de energia nuclear que faz lobby a favor da venda de equipamentos, serviços e tecnologia nucleares para países árabes. Críticos veem nessa aproximação um risco de desenvolvimento de armas nucleares naqueles países e de escalada nas tensões regionais.

Desautorizar  o presidente como comandante em chefe não é o único enfrentamento do Capitólio que poderá levar a uma reação de Trump na forma de veto. Nos próximos dias, o Congresso deverá bloquear a declaração de emergência nacional, que Trump pretende instituir a fim de conseguir os fundos para construir o muro na fronteira com o México.

Trump ainda conta com apoio de vários membros do Partido Republicano, mas a derrota na Câmara nas eleições de meio de mandato, o desgaste doméstico do presidente e a insatisfação dos políticos com a política externa errática prometem ser um teste para a aliança oportuna – e oportunista – entre um presidente “outsider” e um partido em crise de identidade.

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