EUA e os 70 anos da OTAN: de volta para o passado?

(E-D) Presidente chinês, Xi Jinping; chanceler alemã, Angela Merkel; secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg; presidente francês, Emmanuel Macron; e presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan (Arte: Sarah Grillo, do Axios)

Por Augusto W. M. Teixeira Júnior*

Quase que intuitivamente, a reemergência russa e a ascensão da China como polos de poder alternativos aos Estados Unidos e seus aliados sugerem um retorno da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a seu papel original como Aliança Militar em detrimento de sua função predominante nas últimas décadas como organização regional de segurança. A última cúpula da OTAN demonstrou, porém, que a adaptação da organização aos desafios da disputa estratégica entre grandes potências não será fácil.

Distinto do internacionalismo intervencionista prevalecente no pós-Guerra Fria, o comportamento internacional dos EUA sob a administração Trump indica uma retomada daquilo que autores como Walter Mead chamam de paradigma jacksoniano. Corrente de pensamento forte durante o predomínio do “isolacionismo” como orientação internacional de Washington, o governo Trump é percebido como buscando uma transição entre uma superpotência global que teria se superestendido e agora concebe formas de galgar um reposicionamento internacional que lhe reduza os custos de sua condição hegemônica de fiel da ordem liberal global.

A leitura de Trump como jacksoniano evidencia choques e contradições importantes na relação entre os Estados Unidos e seus aliados da OTAN. Primeiramente, ao passo que ambos percebem que a disputa estratégica entre grandes potências se torna cada vez mais manifesta, os membros da aliança não parecem próximos de alcançar patamares de coordenação estratégica similares aos observados durante a Guerra Fria.

Como afirmado anteriormente, a lógica estratégica por trás do comportamento internacional de Trump passa por uma ideia de retração estratégica. Distinto de um isolacionismo hemisférico, incorrendo no abandono de sua presença global, a visão de Trump passa por renegociar os termos e os custos de sua presença internacional, tal como o financiamento das externalidades positivas de segurança providas por Washington a seus aliados. Essa ideia está por trás do pleito de Trump sobre a elevação dos gastos de defesa da OTAN para o patamar de 2% do PIB.

Uma segunda razão se relaciona diretamente com a natureza da distribuição de poder contemporânea, fundamentalmente distinta daquela da Guerra Fria original. A multipolaridade em construção, de matriz equilibrada, como argumentaria John Mearsheimer, diverge frontalmente da estrutura bipolar vigente até 1989. Agora, países da OTAN, tal como seus antagonistas sino-russos, constituem polos de poder que disputam a conformação geopolítica, econômica e de segurança em seus espaços regionais.

Apesar da percepção de risco e de ameaça da Rússia, interesses como o de França e Turquia não apenas podem como se chocam com visões defendidas pela administração Trump, resultando, por sua vez, em maior dificuldade de coordenação intra-OTAN. A esse respeito, é necessário dissertar brevemente sobre a Guerra da Síria, um laboratório de relevo para entender o problema de coordenação da OTAN.

Lições da inflexão de Trump na Síria

Enquanto com o presidente Barack Obama se buscou coordenar esforços com aliados europeus em apoio a grupos rebeldes na Síria, em particular vinculados aos curdos, o governo Trump mudou abruptamente essa postura de apoio, alterando sua posição original de veto à liberdade de ação turca no norte sírio. Na administração democrata, a Operation Inherent Resolve foi estruturada com base em uma coalizão multilateral contra o Estado Islâmico. Para além das operações de interdição e de decapitação, clássicas do poder aéreo, destacou-se o emprego de forças de operações especiais americanas de demais países da OTAN (em especial britânicos e franceses) em apoio a grupos rebeldes sírios.

Embora tenha mantido esse padrão de atuação entre 2017 e 2018, o presidente Trump provocou debate e crise interna em seu gabinete – levando à renúncia do então secretário da Defesa, James Mattis – ao propor uma retirada unilateral do conflito, com repercussões negativas para seus aliados curdos. Tendo reduzido sua presença no conflito, o presidente Trump provocou outra mudança relevante na condução de sua estratégia síria ao endossar uma atuação mais robusta da Turquia no norte da Síria. Percebida como uma traição a aliados curdos por políticos e militares americanos, a controversa decisão do presidente Trump ajuda a explicar os dilemas contemporâneos da OTAN e sua inerente dificuldade de coordenação mesmo diante da ameaça russa.

Em posições diametralmente opostas, França e Turquia – dois membros da OTAN – espelham como a retomada da multipolaridade confere maior liberdade de ação para potências regionais na busca de ordenar seu ambiente estratégico. Enquanto a França guia sua ação no Oriente Médio de acordo com o fio condutor da guerra contra o terrorismo, o qual transborda para dentro de seu território como lembram os ataques em Paris e Nice, a Turquia percebe na anuência de Trump e na coordenação com a Rússia uma oportunidade de sentar à mesa de negociações do pós-conflito sírio. Também fica mais próxima de neutralizar a ameaça curda representada pelo YPG, entendido por Ancara como um braço do PKK.

Como exemplificado acima, tanto a postura jacksoniana de Trump como a incapacidade de negociar os custos de transação sobre a solução para o esgarçamento imperial dos Estados Unidos – exemplificados pela guerra da Síria – ajudam a entender a aparente contradição entre a escalada da percepção da Rússia como ameaça existencial na Europa e as dificuldades de coordenação estratégica da OTAN. Por essa razão, em vez de ler a OTAN com os olhos voltados para o passado bipolar, os analistas terão de avaliá-la cada vez mais sob a perspectiva de uma multipolaridade que é nova para a septuagenária instituição de segurança e defesa.

 

* Augusto W. M. Teixeira Júnior é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisador do NCT-INEU e do NEP-CEEEx.

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