Déficit explode com pagamento de juros e corte de impostos

por Solange Reis

O déficit primário americano fechou perto da casa do trilhão no ano fiscal de 2019, contabilizado no último dia de setembro. Segundo o relatório do Departamento do Tesouro, a diferença entre receitas e despesas foi de US$ 984 bilhões. Esse total equivale a 4,6% do PIB americano, um aumento expressivo em relação aos 3,8% do ano passado. Para efeito de comparação, o déficit primário do Brasil foi 1,7% em 2018.

Irresponsabilidade fiscal

As cifras são preocupantes no longo prazo, mas também para o presidente Donald Trump no quadro político pré-eleitoral. Este foi o quarto aumento consecutivo desde 2016, sendo o terceiro na presidência do republicano. A última vez que o país vivenciou um quadriênio de déficits seguidos foi no início da década de 1980, quando o desemprego passava de 11%.

As previsões indicam que o déficit deverá ultrapassar US$ 1 trilhão no ano fiscal de 2020. Esse limite foi estourado apenas quatro vezes na história dos Estados Unidos. Todas entre 2009 e 2012, período crítico da última crise financeira. Apesar de mundial, a crise teve origem na ampla desregulamentação do setor financeiro americano, juntamente com a queda da renda e o endividamento de boa parte da população do país.

Em 2013, o então empresário Trump disse que o presidente Barack Obama era o “mais extravagante esbanjador de déficit e dívida” da história americana. A dívida total na ocasião alcançava $16,7 trilhões. Enquanto candidato, Trump prometeu zerar a situação em oito anos. Apesar dos números positivos da economia, a promessa tornou-se mais um de seus planos sem qualquer conexão com a realidade. Pois a dívida passou de US$ 19 trilhões, no início do seu governo, para os atuais US$ 22 trilhões.

Vilões do déficit

Somente com pagamento de juros, foram gastos US$ 376 bilhões em 2019, quase tanto quanto com o Medicaid. Aproximadamente 65 milhões de pessoas de baixa renda são parcialmente atendidas por esse sistema de saúde, que é financiado por governos estaduais e federais.

O secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, culpou o Legislativo por não reduzir gastos desnecessários e defendeu o governo. “A agenda econômica do presidente Trump está funcionando: o país teve a menor taxa de desemprego em quase 50 anos, há mais empregos do que candidatos, e os americanos ganham aumentos salariais sustentáveis todo ano”, disse em comunicado de imprensa. 

Mas o fato é que os dois Poderes são responsáveis pela situação. Em 2017, o Congresso aprovou uma reforma tributária proposta pelo Executivo. O corte de impostos para grandes fortunas e empresas tem sido apontado como a principal causa do agravamento do desequilíbrio fiscal. Na soma de 2018 e 2019, o país arrecadou US$ 430 bilhões a menos em impostos corporativos do que previa-se quando a reforma foi aprovada. É verdade que houve crescimento de 12% da arrecadação com esses tributos em 2019, mas a melhora não cobriu a queda de 31% em 2018. Até 2027, o país deixará de arrecadar US$ 1,5 trilhão com os impostos das empresas.

Em contrapartida, o orçamento militar deverá bater novo recorde em 2020, passando dos atuais US$ 718 bilhões para mais de US$ 770 bilhões. Além de sustentar as longas guerras em curso, Trump e a alta cúpula militar desejam modernizar o poder nuclear do país para enfrentar “potências ameaçadoras”.

Efeitos de longo prazo

Para o Gabinete de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês), a situação fiscal é insustentável. É também injustificável, pois a economia tem apresentado bons sinais. Em tempos de crises econômicas, o déficit tende a subir com benefícios sociais para os desempregados e menos receita gerada por pessoas físicas e jurídicas. Mas a taxa de desemprego, que já era baixa, caiu de 4,9%, em janeiro de 2016, para 3,7%, em agosto de 2019.

Muitos analistas alertam que o aumento do déficit e da dívida prejudicam a credibilidade financeira do país. Apesar de pagar juros baixos, os títulos americanos atraem os investidores em função da estabilidade financeira e econômica. Caso o mercado perceba que as deficiências são crescentes e incontornáveis, os investimentos poderão ser redirecionados para longe. Outra possível consequência seria a dificuldade de reagir a crises econômicas graves, já que a capitalização para aumentar o estímulo doméstico se tornaria mais cara.

Com a eleição no horizonte próximo, é improvável que os republicanos pressionem por corte de gastos, como o fariam se o presidente fosse democrata. Como os democratas controlam a Câmara e o Partido Republicano está constrangido pelas eleições, é improvável que Trump proponha apertar os cintos daqui até o pleito. De qualquer forma, os sinais de turbulência econômica enfraquecem o principal trunfo para a sua reeleição. Péssima notícia para o republicano, que já enfrenta o espectro do impeachment.

Quem ganhar a eleição no ano que vem terá de enfrentar um quadro fiscal muito adverso, pois a dívida total deverá equivaler a cerca de 80% da economia nacional. Essa será a pior relação entre dívida e PIB desde a presidência de Harry Truman, que governou após a Segunda Guerra Mundial. 

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