Parece mas não é: Bolsonaro e Trump

por Carlos Gustavo Poggio Teixeira*

A eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil tem levado a diversas comparações com outros fenômenos semelhantes ao redor do globo, em particular com seu colega norte-americano Donald Trump. Na imprensa interacional não faltam referências ao presidente-eleito do tipo o “Trump dos trópicos”. De fato, há muitas similaridades entre os dois casos, dado que ambos são populistas de direita, identificados como às margens do sistema político de seus países, e cuja eleição havia sido considerada inimaginável por analistas políticos. Além disso, chama a atenção semelhanças nas condições políticas que deram origem a esse fenômeno nos Estados Unidos e no Brasil, como a crescente polarização política e a predominância de pautas não-econômicas. O próprio Bolsonaro já deixou claro que tem Trump como uma inspiração política. No entanto, é importante estarmos igualmente atentos às inúmeras diferenças que separam Trump de Bolsonaro. Destaco três áreas: pessoal, institucional e política.

Primeiro, ambos partem de perspectivas pessoais completamente distintas. Trump tem a dupla mentalidade de um homem de negócios e do entretenimento. Isso tem claramente se refletido na forma de administrar o país. Para Trump, todos os problemas, domésticos ou internacionais, podem ser resolvidos a partir de acordos bilaterais em negociações em que um lado sempre deve perder para o outro ganhar. Além disso, ele tem se mostrado um hábil manipulador midiático nos casos em que esses acordos não trazem grandes transformações, como por exemplo no encontro com Kim Jong Un ou na renegociação do NAFTA. Como fez na sua vida empresarial, Trump coloca sua marca para vender mesmo pequenos avanços como grandes conquistas. Já Bolsonaro parte de uma dupla perspectiva militar e política, essa última adquirida em mais de duas décadas no Congresso Nacional. Formado nos rígidos preceitos de disciplina e hierarquia da carreira militar, o capitão reformado teve dificuldade para fazer a transição para o ambiente horizontal e deliberativo que caracteriza a política legislativa, o que talvez ajude a explicar sua baixa produtividade como parlamentar. Por outro lado, ao contrário de Trump, Bolsonaro está longe de ser um novato na política e teve tempo suficiente para conhecer o funcionamento do Congresso por dentro. De que forma esses elementos irão se refletir no seu estilo de governo é uma questão que teremos condições de responder apenas após 1º de janeiro.

A segunda diferença importante é de ordem institucional. Trump é o 45º presidente da mais longeva república democrática do mundo, em um país sem histórico de interrupções institucionais. Nessas condições estruturais, as possibilidades de desestabilização do sistema político por um único indivíduo, ainda que seja o presidente, são muito pequenas. Além disso, a despeito de ter concorrido à presidência praticamente contra a vontade de seu partido, Trump possui o apoio de uma estrutura partidária bem consolidada e com aderência na sociedade, o que lhe dá considerável sustentação política. Bolsonaro assume a presidência de um país cujo mais recente ciclo democrático mal completou três décadas, com histórico de interrupções institucionais – particularmente pela via militar – e sem um partido minimamente consolidado a lhe dar sustentação. Isso sem falar das dificuldades de negociação no caótico sistema multipartidário brasileiro em comparação com o sistema bipartidário vigente nos Estados Unidos.

Por fim, uma importante diferença entre Trump e Bolsonaro é o tamanho do desafio político com que iniciam seus governos. Trump assumiu um país que contava com taxas de crescimento econômico bastante razoáveis, com desemprego em queda e sem ajustes urgentes a fazer. Grande parte da sua campanha se deu em cima de um problema mais simbólico do que concreto, que foi a alardeada associação entre imigração e violência. Ao tomar medidas igualmente simbólicas, como a proibição da entrada nos Estados Unidos de cidadãos de certos países de maioria muçulmana, Trump foi capaz de cristalizar o apoio da sua base eleitoral ao dar a impressão de estar “fazendo algo”. Em outras questões centrais de sua campanha, como a defesa do protecionismo econômico, Trump logrou cumprir suas promessas com medidas relativamente simples de serem implementadas no curto prazo, como o aumento de tarifas. Bolsonaro assume um país abalado por uma de suas mais graves crises, com crescimento econômico quase nulo, altos índices de desemprego, e urgentes ajustes macroeconômicos a fazer. Além disso, Bolsonaro centrou sua campanha em torno de dois temas concretos e relevantes: corrupção e segurança. Ambas são questões que demandam soluções altamente complexas, com pouca margem para apelos simbólicos ou medidas imediatas, e ele será cobrado pelos avanços palpáveis nessas questões. Quando deixamos de nos focar nas similaridades para examinar as diferenças, fica claro que o Trump dos trópicos terá muito mais trabalho que a versão original.

 

* Carlos Gustavo Poggio Teixeira é professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e atualmente é visitante na Universidade de Georgetown, onde realiza pesquisa sobre a ascensão de Donald Trump. É professor dos cursos de graduação em relações internacionais na FAAP e na PUC-SP, onde  coordena o NEPEU – Núcleo de Estudos sobre a Política Externa dos Estados Unidos, e pesquisador do INCT-INEU, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos.

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