Sobretaxas dos EUA à China deflagram escalada comercial

por Tatiana Teixeira

O presidente Donald Trump anunciou, em 15 de junho, a imposição de sobretaxas de 25% aos produtos chineses, em US$ 50 bilhões anuais, concretizando mais uma de suas promessas de campanha. A medida passa a valer a partir de 6 de julho. Além disso, espera-se, até 30 de junho, notícias sobre as restrições aos investimentos de companhias chinesas nos Estados Unidos. No mesmo anúncio, o empresário nova-iorquino disse que os EUA adotarão novas medidas, “caso a China decida retaliar, impondo, por exemplo, novas tarifas a bens e serviços americanos, ou a produtos agrícolas, erguendo barreiras não tarifárias, ou adotando medidas punitivas contra exportadores americanos, ou contra empresas americanas operando na China”.

“Minha grande amizade com o presidente Xi (Jinping) da China e a relação do nosso país com a China são ambas muito importantes para mim. Mas o comércio entre nossas nações tem sido muito injusto, há muito tempo. Essa situação não é mais sustentável”, justificou Trump, referindo-se a um déficit comercial de mais de US$ 350 bilhões com a China, registrado em 2017.

A ameaça de Trump foi reforçada no dia 19, quando o presidente prometeu impor mais 10% sobre os produtos chineses, a US$ 200 bilhões, com possibilidade de dobrar a aposta, caso Pequim se recuse a diminuir seu déficit comercial com os Estados Unidos e a mudar sua política industrial. Também seria uma retaliação ao anúncio de Pequim de aplicar tarifas, a US$ 50 bilhões, medida tomada como uma reação imediata ao primeiro (e anterior) movimento de Trump. “A relação comercial entre Estados Unidos e China precisa ser mais equilibrada. Nem a China nem outros países do mundo vão mais tirar vantagem comercial dos Estados Unidos”, alegou o presidente.

Hoje, os EUA são o maior importador mundial, e a China, o principal exportador. De acordo com números do governo americano, no ano passado, a China importou US$ 129,89 bilhões em bens americanos, e os EUA, US$ 505,47 bilhões em bens chineses.

Mais de mil produtos afetados

O representante comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), Robert Lighthizer, divulgou a lista dos 1.102 produtos que serão alvo da nova taxa de 25%. Entre eles, estão peças de motor de avião, motos e maquinário agrícola e industrial. A maior parte dos itens diz respeito a setores industriais beneficiados pela política de Pequim “Made in China 2025”, voltada para o avanço e para a liderança chinesa nas indústrias de alta tecnologia. Da versão inicial foram retirados alguns bens comprados diretamente pelos americanos, como televisores, smartphones, brinquedos e roupas, o que não impedirá que, em algum ponto dessa cadeia, o prejuízo seja repassado e chegue ao consumidor final. A lista “se concentra em produtos dos setores industriais que contribuem para, ou que se beneficiam, da política industrial ‘Made in China 2025’, que inclui indústrias, como a aeroespacial, da tecnologia da informação e da comunicação, robótica, maquinário industrial, novos materiais e automóveis”, explicou Lighthizer.

“(Essa lista) inclui bens relacionados ao plano estratégico chinês Made in China 2025 de dominar as emergentes indústrias de alta tecnologia e que vão guiar o futuro econômico da China, mas que prejudicarão o crescimento dos Estados Unidos e de muitos outros países”, completou o presidente Donald Trump.

A primeira rodada de tarifas sobre 818 produtos, da ordem de US$ 34 bilhões, entra em vigor em 6 de julho, conforme o USTR. Esses itens foram retirados de uma lista divulgada inicialmente em abril passado, depois de Trump ter confirmado no final de março sua intenção de sobretaxar os produtos chineses. Dela, 515 produtos foram descartados após a consulta pública a empresários, grupos e associações comerciais e outros representantes de diferentes setores da indústria. Empresas americanas que dependam dessas importações e trabalhem com produtos impossíveis de serem substituídos por outros fornecedores poderão pedir isenção das tarifas.

A outra rodada, de 284 produtos, a US$ 16 bilhões, passará por nova revisão, que inclui consultas on-line e audiências públicas. Tem-se aí mais uma janela de negociação com o governo chinês, que não tem sido fácil e que deve superar, primeiro, as divergências internas do gabinete Trump. Enquanto o secretário do Tesouro Americano, Steven Mnuchin, e o diretor do Conselho Econômico Nacional, Larry Kudlow, buscam um acordo mais equilibrado, o conselheiro econômico do presidente, Peter Navarro, e o USTR, Robert Lighthizer, reivindicam reformas estruturais mais profundas na política industrial da China.

Na corrida da inovação, o medo dos EUA é de ficarem para trás, superados pelo que o governo americano chama de “táticas predatórias” do governo chinês. “Temos de adotar fortes ações defensivas para proteger a liderança da América em tecnologia e inovação contra a ameaça sem precedentes imposta pelo roubo da nossa propriedade por parte da China, pela transferência forçada de tecnologia americana e por seus ciberataques às nossas redes de computadores”, completou o USTR.

Represália chinesa

A China não demorou a reagir aos dois anúncios feitos por Trump. No mais recente deles, acusou Washington de “chantagem” e prometeu retaliar uma possível lista adicional, recorrendo a medidas qualitativas e quantitativas. “Essa prática de medida extrema e de chantagem se desvia do consenso alcançado por ambos os lados em várias ocasiões”, afirmou o Ministério chinês do Comércio em um comunicado, denunciando que “os Estados Unidos iniciaram uma guerra comercial e violaram regulações de mercado”. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Geng Shuang, foi claro: “não queremos uma guerra comercial, mas não temos medo de uma”.

Logo depois do primeiro anúncio, Pequim já havia informado que imporia “imediatamente medidas tarifárias de mesma escala e força e que todos os acertos econômicos e comerciais de ambos os lados serão invalidados”. Em nota, o Ministério do Comércio chamou o governo Trump de “volúvel” e advertiu que “esse movimento não está apenas prejudicando interesses bilaterais, mas também minando a ordem comercial mundial”. Inicialmente, o governo chinês informou que adotará tarifas adicionais de 25%, a US$ 50 bilhões, sobre 545 produtos americanos, também divididos em duas rodadas. Na primeira, de US$ 34 bilhões, que entrará em vigor na mesma data que as tarifas impostas pelos EUA, estão incluídos produtos agrícolas, como soja, carros elétricos, uísque e frutos do mar. A outra rodada, de US$ 16 bilhões, com equipamentos médicos, produtos químicos e do setor de energia, entre outros, será anunciada em breve.

‘Made in China 2025’

Além da disparidade do déficit na balança comercial entre os dois países, a política industrial adotada pelo governo chinês em 2015 é a grande preocupação de Washington e está no centro dos recentes movimentos feitos pelo governo Trump. Inspirada no conceito alemão “Indústria 4.0” para aumentar os ganhos em produtividade e eficiência, a política chinesa tem como objetivo atingir a autossuficiência, buscando a substituição de tecnologia na produção de componentes e materiais básicos de indústrias, como a aeroespacial e de equipamentos de telecomunicações. O caminho seria pela transformação do país em uma potência de alta tecnologia, dominando setores como robótica, tecnologia da informação, chips para computadores, carros elétricos e aviação.

“Vamos implementar totalmente nosso plano para desenvolver emergentes indústrias estratégicas”, declarou o premiê Li Keqiang, em seu discurso anual no Congresso Nacional do Povo, no início de março deste ano. “Vamos acelerar pesquisa e desenvolvimento e comercialização de novos materiais, inteligência artificial, circuitos integrados, biofarmácia, comunicações móveis 5G e outras tecnologias e desenvolver clusters industriais nesses campos”, completou.

Entre as estratégias adotadas por Pequim, estão forte investimento do governo em pesquisa, amplas subvenções e acordos de transferência de tecnologia, nos quais empresas estrangeiras devem aceitar compartilhar propriedade intelectual com o parceiro chinês para poderem atuar no mercado local. Esta última é uma das maiores queixas dos Estados Unidos e centro nevrálgico da crise atual, junto com as acusações dos EUA de que a China estaria adotando práticas comerciais discriminatórias, oferecendo subsídios e cotas informais para empresas locais. O conselheiro da Casa Branca Peter Navarro descreveu essa política como “planos da China para dominar a indústria emergente do futuro”, enquanto o secretário americano do Comércio, Wilbur Ross, chamou de “ataque à genialidade americana”.

Olho por olho

Em 22 de janeiro, o presidente Trump aprovou uma tarifa de 30% sobre painéis solares, afetando principalmente a China, e de 20% sobre máquinas de lavar. Na sequência, em 8 de março, os EUA sobretaxaram o aço em 25%, e o alumínio, em 10%. Nesse momento, por conta das negociações da Área de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), México e Canadá receberam isenções temporárias. No final do mês, em resposta, a China anuncia tarifas de US$ 3 bilhões sobre produtos americanos, mesmo dia em que Trump revelou seu plano de impor tarifas em até US$ 50 bilhões, assim como a extensão de isenções no aço e no alumínio para União Europeia, Coreia do Sul e outros países – menos para China.

Logo depois, em 2 de abril, em retaliação às tarifas ao aço e ao alumínio, a China diz que vai taxar em até 25% 128 produtos americanos, entre eles vinho e carne suína. No dia seguinte, Washington formaliza as tarifas em US$ 50 bilhões sobre produtos chineses, incluindo televisores de tela plana, equipamentos médicos, peças de avião e baterias. No dia 4, a China propõe retaliação na mesma ordem de grandeza, a US$ 50 bilhões, tendo como alvo, entre outros, soja, carros e produtos químicos. Embora Pequim tenha prometido aumentar suas importações dos EUA, Trump considerou o gesto insuficiente. No final de maio, os EUA voltam a ameaçar impor tarifas de até 25% à China, a US$ 50 bilhões, e os chineses prometem reduzir tarifas em uma série de bens. Os EUA também consideram a medida insuficiente.

Reação contrária em casa

Nos Estados Unidos, os anúncios de Trump receberam muitas críticas, tanto do meio político quanto do empresariado. Para o presidente da Câmara Americana de Comércio, o CEO Thomas Donohue, “impor tarifas coloca o custo do comércio injusto da China diretamente nos ombros dos consumidores, fabricantes, agricultores e pecuaristas americanos. Não é a abordagem correta”. Na mesma linha, o presidente e CEO do Information Technology Industry Council (ITI), Dean Garfield, avalia que “tarifas são a resposta errada para as discriminatórias e prejudiciais práticas de comércio em curso por parte da China. Pedimos ao presidente Trump para reavaliar a abordagem, envolver-se em negociações de verdade com a China e trabalhar com os aliados para mudar as políticas chinesas”.

“Minha mensagem não mudou: temos de atingir nosso alvo, que são a China e suas enganosas e prejudiciais práticas de comércio”, declarou o presidente da Comissão de Finanças e Tributação (House Ways and Means Committee) da Câmara de Representantes, o republicano Kevin Brady (R-TX), acrescentando, porém, que “estou preocupado que essas novas tarifas vão prejudicar os fabricantes, agricultores, trabalhadores e consumidores americanos”.

Corroborando a fala de Brady, o presidente da Comissão de Finanças do Senado, o republicano Orrin Hatch (R-UT), explicou que, ao mesmo tempo em que espera medidas contra a China, “ações de comércio malconcebidas que enfraqueçam a economia americana, alienem nossos aliados e convidem à retaliação contra negócios, produtores e agricultores americanos minam a capacidade do país de confrontar, com sucesso, as políticas comerciais injustas da China”.

Já o senador republicano Marco Rubio (R-FL) considerou um “excelente passo”, enquanto o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer (D-NY), comentou que “foram bem no alvo”. Segundo Schumer, “a China é nosso verdadeiro inimigo comercial, e seu roubo de propriedade intelectual e sua recusa a deixar nossas empresas competirem de forma justa ameaçam milhões de futuros empregos americanos”.

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