Trump sobretaxa China em US$ 60 bi; Brasil e UE ficam isentos no aço

Em 22 de março, o presidente Donald Trump anunciou que pretende sobretaxar em até 25% as importações da China, o que pode ter um impacto de US$ 50 bilhões a US$ 60 bilhões anuais. Segundo ele, o objetivo é conter o roubo de propriedade intelectual das companhias americanas por parte do gigante asiático. De acordo com Washington, as medidas serão adotadas em resposta à política de Pequim de exigir das empresas americanas a transferência de tecnologia para parceiros chineses – o que os Estados Unidos também fazem, em especial, em áreas sensíveis como a nuclear. Entre outros problemas apontados pelo governo estariam os subsídios chineses concedidos a setores estratégicos, como o de semicondutores, e a permissividade de Pequim ao roubo de patentes.

O Escritório do Representande Comercial dos Estados Unidos (USTR) e o Departamento do Tesouro já receberam um memorando do presidente com orientações sobre os passos a serem dados nesse sentido. Em evento na Casa Branca, o magnata nova-iorquino afirmou que impor tarifas sobre a China “vai-nos tornar uma nação muito mais forte, muito mais rica” e disse que essa ação será “a primeira de muitas”.

Seção 301

Esse memorando é resultado de uma investigação da Seção 301 aberta em agosto passado sobre “atos, políticas e práticas” relacionados “à transferência de tecnologia, à propriedade intelectual e à inovação por parte do governo da China”. A investigação teria descoberto que o roubo de propriedade intelectual por parte da China está custando “bilhões de dólares à economia americana” – nas palavras de diferentes autoridades da área. Com base nessas informações, o presidente Trump agora responsabiliza a China pelo fechamento de mais de 60 mil fábricas no país e pela perda de seis milhões de vagas no mercado de trabalho.

Em 15 dias, Robert Lighthizer, representante comercial dos Estados Unidos, deve apresentar uma lista com cerca de 1.300 produtos e recomendar um mix de penalidades. Em um primeiro momento, a lista ficará aberta ao público para comentários. Depois desse período de análise, será divulgada a lista final dos produtos que serão sobretaxados por “estarem contribuindo para as políticas comerciais injustas da China” e por estarem se beneficiando, segundo o governo, de um acesso impróprio à tecnologia americana. Entre eles, há produtos dos setores aeroespacial e de tecnologia da informação.

A Seção 301 é parte da Lei de Comércio de 1974 e concede ao USTR “ampla autoridade” para responder às “práticas injustas de comércio” por parte de um país estrangeiro. Também permite que ele tome, no marco da legislação americana e até com atribuições da figura do presidente, quaisquer ações unilaterais nessa área.

‘Trancar a fera na jaula das regras da OMC’

Para o representante chinês na Organização Mundial do Comércio (OMC), Zhang Xiangchen, ações tomadas pelos Estados Unidos com base na Seção 301 seriam, fundamentalmente, contrárias à regra e ao espírito dessa instituição multilateral.

“Os Estados Unidos estão estabelecendo um precedente muito ruim, ao violar sem rodeios seu compromisso feito com o mundo. Os membros da OMC deveriam, em conjunto, evitar o ressurgimento das investigações da 301 e trancar essa fera de volta na jaula das regras da OMC”, declarou Xiangchen, referindo-se a um quadro, no caso da 301, em que as decisões são tomadas de forma unilateral, longe da mediação do órgão de solução de controvérsias da organização – órgão, aliás, que vem sendo esvaziado por Washington desde a chegada de Trump à Casa Branca.

País ‘amigo’

Em relação ao país “amigo”, por cujo presidente (Xi Jinping) disse ter um “tremendo respeito”, Trump garantiu que os EUA continuarão a conversar diplomaticamente para reduzir o desequilíbrio comercial, mas pediu “reciprocidade”, ou seja: “se nos taxarem, taxaremos de volta”.

“Eles estão nos ajudando muito com a Coreia do Norte. Mas temos um déficit comercial… Há muitas maneiras de olhar para isso, mas, não importa como você olhe, é o maior déficit comercial de qualquer país na história do mundo”, alegou o empresário nova-iorquino.

Há a expectativa de que o governo chinês comece a retaliar nos pontos mais caros a Trump: nas exportações agrícolas dos estados do chamado Farm Belt. É lá que está parte de sua base eleitoral e da produção americana de soja, sorgo e criação de porco. A China importa pelo menos um terço da soja produzida pelos EUA. Na eleição presidencial de 2016, Trump venceu em oito dos dez principais estados produtores de soja e de criação de porco, e em sete dos dez de sorgo.

Securitização da agenda comercial

Há pouco menos de três meses, Trump e sua equipe divulgavam a mais recente Estratégia de Segurança Nacional (NSS, na sigla em inglês), na qual a China (juntamente com a Rússia) aparece como a “potência revisionista” que compete com Washington em toda a parte. “Todos os anos, competidores como a China roubam propriedade intelectual dos EUA avaliada em centenas de bilhões de dólares”, aponta o documento. Nenhuma surpresa, portanto, com as medidas divulgadas pelo presidente, que segue coerente em sua programação de America First.

Assim como vem fazendo com a agenda migratória, Trump securitiza a agenda comercial, usando um expediente historicamente conhecido: cria-se um inimigo, carrega-se nas cores da ameaça e aí se tem um repertório de justificativas para qualquer tipo de medida retaliativa, nos âmbitos interno e externo, com (ou sem) aprovação dos atores envolvidos e das comunidades doméstica, ou internacional.

Política-calço

Para aliados, especialmente, a alegação da Segurança Nacional é de díficil aceitação. Sejam europeus, sejam asiáticos, sejam os vizinhos do norte: as medidas soam como protecionismo, puro e simples, movimento este que pode deflagrar uma onda global de retaliações e desestabilizar uma economia que mal se recuperou das turbulências do final da última década. Para analistas mais cautelosos, ou menos pessimistas, é mais jogo de cena, mais uma política-calço, do que uma política sólida, consistente e elaborada nos mínimos detalhes. Isso tem acontecido com frequência na área migratória.

Seria, portanto, uma estratégia pensada para ter vida curta, de modo a aumentar – de imediato – o poder de barganha de Trump em qualquer discussão: “primeiro eu saio (ou ameaço sair); depois eu negocio, nos meus termos”. Mais do que uma “preocupação com a Segurança Nacional”, este modo de fazer política estaria-se tornando o novo padrão americano, com alguns exemplos recentes em diferentes campos: Acordo sobre o Clima; Acordo para o Livre-Comércio da Américas (Nafta, na sigla em inglês), Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), ou acordo nuclear com o Irã.

Brasil, UE e Nafta isentos até maio

A decisão referente às importações chinesas veio na esteira de outro anúncio que abalou as relações com aliados de longa data: a taxação de 25% sobre as importações de aço, e de 10%, no caso do alumínio. E, também aqui, o medo de uma guerra comercial se espalhou nas principais capitais e praças financeiras. Segundo o Departamento do Comércio, essas importações afetam a Segurança Nacional por degradarem a base industrial americana e, por sua importância, possíveis isenções serão analisadas caso a caso. As tarifas entraram em vigor no último dia 23.

Em audiência à Comissão de Finanças do Senado no dia 21, Lighthizer anunciou que Brasil, União Europeia (principal parceiro comercial dos EUA), Argentina, Austrália e Coreia do Sul ficarão livres das novas tarifas até final de abril. Espera-se que, até lá, um novo acordo já tenha sido fechado. Canadá e México – parceiros no combalido Nafta – ficam liberados durante o período de negociações para a sobrevivência (ou não) do bloco. O USTR não explicou, porém, por quais critérios exatamente os países mencionados acima foram retirados da lista negra, já que, ao todo, respondem por mais da metade do aço comprado pelos EUA em 2017 – sobretudo, Canadá, Brasil, Coreia do Sul e México. Os mais afetados com a sobretaxa do aço serão Rússia, Taiwan e Turquia.

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