Trump está certo sobre a Síria: é hora de sair

por Jeffrey D. Sachs
Artigo traduzido do The Boston Globe*

 

O presidente Trump sugeriu, recentemente, que os Estados Unidos devem sair da Síria “muito em breve”. As principais vozes da elite da política externa – no Pentágono, no Departamento de Estado, no Congresso e na mídia – discordaram, pedindo que os Estados Unidos fiquem na Síria. Trump cedeu rapidamente. Trump estava certo (sim, uma raridade), enquanto a elite de segurança estava errada novamente. Já passou da hora de os Estados Unidos encerrarem seu engajamento militar destrutivo na Síria e em todo o Oriente Médio, embora o aparato de segurança parece que não vai deixar isso acontecer.

A máquina da política externa se opõe à saída dos Estados Unidos da Síria, com o argumento de que isso fortaleceria o Irã e a Rússia, aliados sírios, como deixou claro, em janeiro, o ex-secretário de Estado, Rex Tillerson, em sintonia com o secretário de Defesa, Jim Mattis. De forma geral, o aparato de segurança costuma tentar manter bases militares nos lugares onde os Estados Unidos intervieram. É por isso que existem centenas de bases militares americanas em mais de 60 países no mundo.

O aparato de segurança acredita que os Estados Unidos têm o direito e os meios para determinar quem governa no Oriente Médio, e com quais aliados. Acham que devemos lutar na Síria porque a elite da política externa não gosta de Bashar al-Assad e, especialmente, do fato de ele manter o Irã e a Rússia como aliados. Por essa razão, o senador Lindsey Graham declarou que deixar a Síria “é simplesmente a pior decisão que o presidente poderia tomar”.

Essa abordagem ingênua – derrubar os governos dos quais não gostamos e substituí-los por aqueles dos quais gostamos – é o nó do problema da política externa americana. Em consequência dessa abordagem, os Estados Unidos se viram enredados em guerras intermináveis para mudança de regime no Oriente Médio e no Norte da África, incluindo Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia. Trump falou uma vez sobre abandonar o Afeganistão, mas os Estados Unidos continuam lá também, já que o aparato de segurança assim o deseja.

As guerras dos Estados Unidos para mudança de regime violam o direito internacional, custam trilhões de dólares e minam a democracia americana, pois são conduzidas com sigilo e mentiras incessantes, quase sempre fracassando em seus objetivos. Ou destroem o governo, apenas para serem seguidas por violência e instabilidade (como no Afeganistão, no Iraque e na Líbia); ou não conseguem derrubar o governo, e, em vez disso, provocam um conflito sangrento contínuo (como na Síria).

É hora de o público americano entender a guerra da Síria. A grande imprensa a descreveu, de forma degradante, como uma guerra civil. Não tem sido nada disso. Desde o seu início em 2011, tem sido uma guerra impulsionada por Estados Unidos, Arábia Saudita, Israel, Turquia e outros, para derrubar Assad e forçar o Irã e a Rússia a sair da Síria.

De fato, a guerra não conseguiu realizar outra coisa senão destruir a Síria, desestabilizar a Europa e sangrar os Estados Unidos. Estima-se que cerca de 500 mil pessoas morreram na guerra e 10 milhões de pessoas foram deslocadas. Assad ainda está no poder, e o Irã e a Rússia ainda são seus aliados. Em suma, os esforços dos Estados Unidos foram um desastre.

A decisão dos Estados Unidos de tentar destituir Assad foi tomada na época da Primavera Árabe de 2011. Quando os protestos irromperam na Síria e o regime de Assad reprimiu impiedosamente os manifestantes, o presidente Obama e a secretária de Estado, Hillary Clinton, agiram para remover Assad. Eles devem ter acreditado que um empurrão rápido derrubaria o regime e, aparentemente, não pensaram muito bem sobre as chances de sucesso.

Como a guerra direta dos Estados Unidos contra a Síria teria sido uma violação da lei internacional, Obama liberou a CIA para operar secretamente com a Arábia Saudita e outros países. A CIA e a Arábia Saudita se uniram em uma operação chamada Operação Madeira de Figueira Brava (Timber Sycamore), para apoiar forças sírias anti-Assad e jihadistas de fora da Síria. Não houve, naturalmente, nenhuma votação no Congresso, nenhuma conversa aberta com o povo americano e nenhum voto na ONU.

Os esforços dos Estados Unidos e da Arábia Saudita foram efetivamente combatidos por Síria, Irã e Rússia. Em 2014, alguns jihadistas se separaram para formar o Estado Islâmico (EI) e declarar um califado, após o que os Estados Unidos começaram a combater o EI também. Os Estados Unidos apoiaram os combatentes curdos contra o EI, levando a furiosa Turquia anticurda a uma aliança implícita com a Rússia.

Depois de seis anos de guerra, destruição e fracasso na Síria, é hora de acabar com a sangria, terminando principalmente com o apoio dos Estados Unidos às forças anti-Assad. No entanto, o aparato de segurança continua obcecado com a presença do Irã e da Rússia na Síria.

Acabar com a guerra e deixar a diplomacia sob uma estrutura da ONU para solucionar as consequências de uma guerra liderada pelos Estados Unidos que nunca deveria ter ocorrido. Crucialmente, o povo americano também deve ficar vigilante para impedir que a elite da política externa comece mais uma guerra, desta vez com o Irã, o que causaria um desastre ainda maior.

 

Jeffrey D. Sachs é professor universitário e diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia, e autor de “A Era do Desenvolvimento Sustentável”.

Tradução por Solange Reis

* Artigo originalmente publicado em 07/04/2018, em https://www.bostonglobe.com/opinion/2018/04/05/trump-right-about-syria-time-leave/pG9aYO3yp1zFDIDy45A29O/story.html

 

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