Segurança e Defesa

Águas turbulentas: impactos da assinatura do Tratado Aukus

Presidente Joe Biden (centro); premiê australiano, Anthony Albanese (à esq.); e premiê britânico, Rishi Sunak, em encontro do Aukus, em San Diego, Califórnia, em 13 mar. 2023 (Crédito: DoD/Chad J. McNeeley/Wikimedia Commons)

Por Eduardo Mangueira*

O anúncio da decisão de promover a aquisição de submarinos nucleares pela Austrália por meio do pacto de segurança trilateral AUKUS — composto por Austrália, Estados Unidos e Reino Unido — é mais um exemplo da escalada militar no Indo-Pacífico. Como parte da estratégia estadunidense de contenção da China, que atualmente conta com a maior Marinha do mundo, torna-se necessária a análise das características dessa ação, bem como suas possíveis consequências para o Indo-Pacífico.

O acordo

Longe de uma simples e imediata compra de navios, trata-se de um processo que vai durar décadas, de maneira a empreender a formação contínua da Marinha australiana para operação e manutenção dos veículos. Os submarinos em questão são da classe SSN-AUKUS, de desenvolvimento conjunto pelos países do AUKUS. A denominação “submarino nuclear” se refere não à capacidade de disparo de ogivas nucleares, mas ao fato de ser uma embarcação movida por um reator nuclear interno. Isso permite maior autonomia e dificulta a detecção do submarino, ao possibilitar o alcance de maiores profundidades e ao aumentar sua capacidade de permanecer submerso.

US Rep. Ilhan Omar (D-MN) (L) talks with Speaker of the House Nancy Pelosi (D-CA) during a rally with fellow Democrats before voting on H.R. 1, or the People Act, on the East Steps of the US Capitol on March 08, 2019 in Washington, DC. (AFP photo) Submarino americano de propulsão nuclear Classe ‘Virginia’ (Crédito: Marinha dos EUA)

A começar neste ano, marinheiros australianos serão integrados à tripulação de submarinos britânicos e estadunidenses. Por volta de 2027, espera-se que as marinhas desses países se utilizem da infraestrutura portuária australiana, de maneira a prepará-la para receber submarinos próprios, que serão vendidos pelos Estados Unidos no início da década de 2030. No fim desse período, a Marinha britânica terá enviado um submarino próprio, e a Austrália projeta a construção de um produzido nacionalmente.

A Austrália se comprometeu a não produzir o urânio enriquecido a ser utilizado no reator atômico. Além disso, não faria o reprocessamento dos subprodutos das reações atômicas, que poderiam ser utilizados na confecção de armamentos. Não obstante, a resposta chinesa foi de preocupação quanto às implicações com relação à observância do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Segundo os chineses, esse acordo iria de encontro aos esforços de antiproliferação de materiais físseis que poderiam ser utilizados em armamentos, a partir do compartilhamento desses elementos entre países detentores de arsenal nuclear e nações não detentoras. A resposta estadunidense foi a alegação de que tal acordo foi feito com o acompanhamento da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o órgão internacional garantidor do regime de não proliferação nuclear.

Austrália e a expansão chinesa no Indo-Pacífico

A movimentação por parte da AUKUS se dá a partir de considerações de segurança. Entendendo a China como um rival regional, é notável o aumento de sua força militar, cujos gastos estão projetados para chegar ao total de US$ 224 bilhões neste ano. Além disso, os chineses têm maior presença na região, por vezes disputando  com países do Sudeste Asiático partes do território marítimo que consideram como suas  e praticando sua pesca agressiva nessas áreas. Para os Estados Unidos, utilizar-se da logística australiana se torna uma vantagem, em função da  proximidade do país com o mar do Sul da China. Essa posição geográfica favorece a estratégia estadunidense para o Indo-pacífico, que consiste em contenção da expansão econômica e militar chinesa, por meio de parcerias na região, principalmente pelo Diálogo de Segurança Quadrilateral, também conhecido como Quad.

Para as forças australianas, torna-se uma questão de administração de riscos. Em meio a falas de guerra com a China na mídia australiana, a aquisição dos SSN-AUKUS pode representar uma garantia de segurança quanto a uma possível ofensiva chinesa. Afinal, o ataque a um desses submarinos representaria, também, um ataque aos EUA e ao Reino Unido.

Essa questão é, no entanto, recíproca: um ataque chinês a Taiwan, por exemplo, levaria a Austrália à ação, em conformidade como interesse estadunidense de defesa da ilha, assim como a futuras sanções chinesas. Além disso, a total dependência dos demais participantes do AUKUS para o fornecimento de material físsil e para os materiais de possíveis reparos futuros pode se tornar um risco estratégico para a Austrália, na eventualidade da interrupção desse abastecimento. O risco entendido pelos chineses sobre a nuclearização australiana, subentendendo o respeito aos tratados, parece pequeno, uma vez que a Austrália tem um acesso muito restrito a esses materiais.

A Estratégia estadunidense para o Indo-Pacífico

O acordo se dá em meio a uma estratégia geral estadunidense para o Indo-Pacífico. Utilizando o Quad para ter aliados mais relevantes na região, o país espera exercer pressão  suficiente para manter a China confinada, vislumbrando deter a “ameaça” trazida pela expansão chinesa à ordem internacional concebida pelos Estados Unidos. A crescente presença militar chinesa em seu entorno e o projeto de investimentos em infraestrutura e interconexão em escala global conhecido como One Belt, One Road são corolários desse “risco” trazido pelo país.

Os países do Quad são tradicionais aliados estadunidenses, cada um deles em busca de uma maior projeção internacional. No entanto, os Estados Unidos encontram nesse acordo a oportunidade de manter a Austrália em uma posição de maior dependência, em meio à busca de autossuficiência frente à percebida “ameaça chinesa”. É notável que, diferentemente de Índia — com a questão fronteiriça da Linha de Controle Atual — e Japão — com as disputas em torno das ilhas Senkaku/Diaoyu —, a Austrália não se encontra em conflito com a China, mas alguns de seus especialistas esperam uma possível invasão chinesa a Taiwan, que seria respondida por Estados Unidos e Austrália.

Estratégia dos EUA para o Indo-Pacífico (Fonte: Drishti IAS)

Não obstante essas reflexões, a indivisibilidade existente entre questões políticas e econômicas no meio internacional nunca deve ser esquecida. A China se mantém como a maior parceira comercial tanto da Austrália quanto do Japão, e apenas recentemente foi suplantada pelos Estados Unidos na Índia. Levar a cabo uma estratégia de oposição ferrenha à China pode até representar um risco grande para as economias dos Estados Unidos (o maior parceiro comercial chinês), do Japão (o terceiro maior) e da Índia (o sexto maior). No entanto, o caso australiano é mais significativo. Como o país é o 13º parceiro comercial mais importante da China, a imposição de  sanções chinesas mais severas à Austrália levaria, então, a uma maior dependência de importações estadunidenses, uma vantagem para um país que busca firmar sua posição na região.

Os contornos que se delineiam para o Indo-Pacífico ressaltam, cada vez mais, a crescente importância da área como ponto focal para a política externa dos Estados Unidos. Embora ambos os lados neguem uma “mentalidade de Guerra Fria”, uma disputa de influências se torna marcada, com os Estados Unidos se colocando como garantidores da ordem atual e de um “Indo-Pacífico livre e aberto” frente a uma força, cuja “coerção e agressão abrange o globo, mas é mais aguda no Indo-Pacífico”.

De modo geral, a assinatura desse acordo traz uma posição vantajosa para os Estados Unidos, que se tornam cada vez mais uma presença indispensável para a segurança e projeção australianas na região, e consolidam a posição da Austrália como uma aliada no combate à China. Resta saber se há uma pretensão estadunidense de estabelecer relações de dependência similares com os demais integrantes do Quad, e como o país espera conter o avanço chinês no médio e no longo prazos. O aumento de tensões, todavia, é atual, e aparenta ser a mais nova constante da região.

 

* Eduardo Mangueira é pesquisador colaborador do OPEU e bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: eduardo.a.mangueira@gmail.com.

** Primeira revisão: Simone Gondim, jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mais de 20 anos de experiência profissional, entre redações, assessoria de imprensa e produção de conteúdo para Internet e redes sociais. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 29 abr. 2023. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Para mais informações e outras solicitações, favor entrar em contato com a assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti, tcarlotti@gmail.com.

 

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