UFC e Donald J. Trump

UFC Fight Night 30 (Crédito: dn4photography/Flickr)
Por Lucas Dias Diegues* [Informe OPEU] [Trump 2.0] [Política D0méstica] [Eleições 2024]
A influência brasileira e os primeiros desafios
O surgimento do Ultimate Fighting Championship (UFC) foi uma idealização de Rorion Gracie, filho do lendário Hélio Gracie, criador do Brazilian Jiu Jitsu, que, depois de passar pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cursando-a de 1973 a 1978, decidiu morar na Califórnia, inicialmente na casa de um amigo. O jovem, que aprendera a arte marcial de seu pai “desde as fraldas” ― palavras do próprio ―, decidiu abrir uma academia de Jiu-Jitsu, que, à época, era um esporte quase desconhecido nos EUA, com a promessa de que a primeira aula seria gratuita.
Com a clientela se avolumando, mestres de diversas artes marciais, muitos dos quais antigos mestres dos próprios alunos do brasileiro, decidiram promover desafios desportivos ao representante Gracie, para ver qual luta era mais eficiente. Inicialmente, os encontros ocorriam na academia, na qual Rorion Gracie dava aulas. O UFC, cuja primeira edição foi em 1993, surgiu da ideia de monetizar o que até então era somente um desafio marcial.
Em 1995, Art Davie, sócio do evento, e Rorion Gracie decidiram vender a marca para o Semaphore Entertainment Group (SEG) por US$ 2 milhões, em valores da época. Os novos donos mantiveram o modelo de promoção muito agressivo e rudimentar, ressaltando o aspecto de serem desafios marciais sem regras e “em que alguém poderia morrer”. Isso gerou uma visão muito negativa por parte da mídia, de parcelas do público e do Legislativo estadunidenses. O evento recebeu a descrição nada afável de “rinha de galos humana”, culminando na sua proibição em diversos estados dos EUA.
No fim dos anos 2000, Nova Jersey, que havia legalizado a modalidade recentemente, recebeu o UFC 28, protagonizado por Randy Couture e Kevin Randleman (falecido em 2016). O evento, o primeiro a ser sancionado por uma comissão atlética, foi realizado em Atlantic City. Mas, como a engenharia institucional estadunidense estabelece um imenso peso aos estados, o UFC ainda enfrentaria enormes dificuldades em vários outros pontos do país. Em 2001, o SEG via seus negócios desmoronando. O UFC passou a ser banido das televisões, e a receita com o evento caiu enormemente. Para salvar a empresa, entraram em cena Lorenzo Fertitta e Frank III, filhos de um empresário multibilionário dos cassinos, que foram convencidos pelo amigo Dana White a comprarem o evento.
(Arquivo) PROXIMIDADE: Acompanhado por Dana White, presidente do UFC, o então presidente Donald Trump é cumprimentado por autoridades estaduais e militares ao desembarcar do Air Force One, em 20 fev. 2020, na Base da Força Aérea de Peterson, em Colorado Spring, Colorado (Crédito: Casa Branca/Shealah Craighead/Flickr)
A mão estendida
Quando estavam desacreditados, ainda no processo de aquisição e sem saber como fazer o negócio se tornar lucrativo, Dana White recebeu a ligação de um famoso empresário do ramo imobiliário de Nova York. A conversa foi relatada por White em entrevista ao podcast The Pivot, gravada em 2022:
A marca estava na sarjeta. Mal, muito malvista mesmo. Ninguém queria saber da gente. A gente não podia estar na TV, as arenas estavam rejeitando a gente, não havia nem lugar para fazer os eventos. Foi nesse momento que o Donald Trump, literalmente, nos ligou e disse: ‘Ei, vocês querem fazer o evento no meu cassino? Nós vamos receber vocês no Trump Taj Mahal!’.
A Zuffa, empresa criada para administrar o UFC, fez o primeiro evento sob sua administração no Trump Taj Mahal. O UFC 30 contou com luta principal estrelada por Tito Ortiz (campeão meio-pesado e Hall da Fama do UFC) e Evan Tanner, que chegou a deter o cinturão peso-médio da organização.
O dia 23 de fevereiro de 2001 marcou o início de uma imensa gratidão de Dana White ao empresário Trump, que se estende até os dias atuais e não foi abalada nem quando Trump foi garoto-propaganda de um concorrente.
Na segunda metade de 2008, a marca de roupas Affliction decidiu promover eventos de MMA. No dia 19 de julho, o Affliction: Banned trouxe aos EUA o maior peso-pesado da história do MMA, o russo Fedor Emelianenko, que compartilhou o card com Tim Sylvia, campeão peso-pesado do UFC até 2007. Trump foi convidado para ser o rosto do evento para o público leigo. Além disso, conversas de bastidores dizem que ele era um sócio secreto, o que sempre foi negado pelo republicano.
A ajuda de White e seu impacto
Para entender o impacto da aliança entre Trump e Dana White, é importante compreender o tamanho do que é o UFC atualmente. Segundo o site oficial da companhia, “O UFC é transmitido para 165 países e territórios, via mais de 60 parceiros de transmissão, para mais de 1,1 bilhão de televisores mundo afora, em 40 diferentes línguas”. E o mais importante de tudo: “O UFC tem a maior concentração de millennials entre as grandes ligas desportivas (18-34 anos), 40% de sua base de fãs”. Entre os millennials, Trump subiu para 42%, em comparação a 36% em 2020. O UFC é um fenômeno de audiência em uma camada que representa 25% da população estadunidense e que compareceu em massa para votar, em um país em que o voto não é obrigatório.
Além disso, um dos mais notórios funcionários do evento é Joe Rogan, host do Joe Rogan Experience ― tema que será mais bem destrinchado à frente ―, o maior podcast do mundo, responsável por desenvolver o modelo replicado no Brasil. Monark e Igor 3k, pioneiros dos podcasts no Brasil, citam Rogan como a maior inspiração para a criação do Flow Podcast.
O jornalista Lucas Carrano, do canal de lutas Sexto Round, elencou três pontos essenciais da participação de Dana White e do UFC na campanha de Donald Trump.
O primeiro desses pontos é o empréstimo da credibilidade. Trump sempre foi muito bem-recebido nos eventos do UFC, tratado como um “grande amigo” do evento, mesmo após ser derrotado nas eleições de 2020. Isso também se estende aos canais de televisão, tanto nos EUA quanto em outras nações. A ESPN transmite o UFC nos EUA, e o grupo Disney, dono da ESPN e da ABC News, é opositor às políticas do Partido Republicano ― isso ficou mais claro na polêmica com o governador da Flórida, Ron DeSantis, envolvendo a questão “Don’t Say Gay Bill”, em 2022 ―, mas o tratamento dado ao presidente durante a transmissão do UFC é sempre excelente. Mesma coisa no Brasil: até pouco tempo atrás, quem detinha os direitos da transmissão do evento era o grupo Globo. Qualquer pessoa que acompanhasse os eventos via a mesma empresa que se posiciona de maneira extremamente feroz contra o trumpismo tratar o presidente da maneira mais amena e cortês possível no Combate, seu canal de lutas.
O segundo ponto é o papel das minorias étnicas no cenário dos EUA. Algumas das maiores celebridades latinas em solo estadunidense são justamente nomes do UFC, como Henry Cejudo, campeão olímpico de Wrestling e antigo campeão peso-mosca e peso-galo da organização, e Jorge Masvidal, apelidado de Jesus das Ruas e que tem mais de três milhões de seguidores apenas no Instagram. O primeiro fala diretamente ao público do Arizona, o segundo, ao da Flórida ― Cejudo nasceu na Califórnia, mas treina e compete pelo Arizona. Em 2024, lembra-se, Trump obteve 45% dos votos latinos, um aumento de 13 pontos percentuais em relação a 2020. Trump conseguiu, inclusive, que Colby Covington e Jorge Masvidal, desafetos históricos, que chegaram a trocar socos em um restaurante, se juntasseem para apoiá-lo em convenções na Flórida.
O terceiro ponto é acerca da enorme expertise em mídias sociais por parte do UFC. Justamente por terem sido malvistos pelas grandes mídias no início da empreitada, White e os irmãos Fertitta decidiram investir em redes sociais e Internet. O Canal Combate não transmite mais o UFC para o Brasil, justamente porque a empresa de lutas criou seu próprio site/aplicativo para transmitir os eventos, o UFC Fight Pass. Esse imenso know-how ajudou a moldar a comunicação de Donald Trump desde o primeiro mandato, e a associação com Joe Rogan permitiu acesso a uma gama de podcasts que entrevistaram o candidato, semanas antes das eleições, com um forte lobby do CEO do UFC para que isso ocorresse. Theo Von, Andrew Schultz, Nelk Boys e Adin Ross foram alguns dos amigos de White que receberam Trump nas últimas semanas de campanha, gerando, somente em canais oficiais, algo em torno de 40 milhões de visualizações. Se os números se estenderem aos cortes feitos por terceiros, com certeza se chegará a um número de visualizações incalculável.
O poder da Internet e o inimigo em comum
Mas essa, com toda a certeza, não foi a maior ajuda em termos de participação em podcasts. Como dito anteriormente, Joe Rogan comanda o maior podcast do mundo, com imensa distância para o segundo colocado. A participação de Trump ocorreu no episódio 2219, com mais de 70 milhões de visualizações somente no YouTube e no X – lembrando que o podcast é originalmente transmitido pelo Spotify, que não tem métrica de contagem de acessos. Além disso, Elon Musk e J.D. Vance participaram dos episódios 2221 e 2223. Apenas no canal oficial do Joe Rogan Experience no YouTube, as entrevistas completas de ambos, que somam quase seis horas de conteúdo, geraram aproximadamente 40 milhões de espectadores, mais uma vez, sem contar cortes, Spotify e, dessa vez, sem contar o X.

Crédito: Keith Middlebrook/Flickr
Um ponto relevante de ser mencionado é que Joe Rogan é um histórico apoiador do Partido Democrata. Em 2020, ele endossou Bernie Sanders nas primárias do partido. Ao fim do episódio 2219, Trump pergunta para Rogan: “Qual é a sua relação com Dana White?”. O host responde: “Eu amo esse cara, ele provavelmente é o motivo pelo qual você está aqui hoje”. E a conversa foi amistosa. Trump conseguiu se apresentar para além da caricatura. Rogan, que nunca gostou muito da figura de Trump, declarou apoio ao então candidato nos dias seguintes.
Observação importantíssima: Kamala Harris foi convidada para participar do podcast e acabou por cancelar a presença. Jennifer Palmieri, assessora da candidata democrata, justificou: “Alguns dos nossos membros progressistas reagiram, não a queriam no programa e estavam preocupados com a reação negativa”. Rogan, por sua vez, disse que a campanha de Harris tentou protegê-la de uma interação real, sem pautas e discursos pré-programados.
“Eles tiveram não sei quantas conversas com meus pais, mas várias conversas dando datas diferentes, horários diferentes, isso diferente, aquilo diferente, e sabíamos que ela estaria no Texas, então eu disse, ‘convite aberto’”, disse Rogan em seu programa. “Acho que eles tinham exigências sobre coisas que ela não queria falar, como a legalização da maconha, o que eu achei hilário”, complementou.
Harris e sua campanha preferiram não dialogar com rednecks que tomam Bud Light e assistem a esportes agressivos. O foco de Harris estava nas Big Three: CBS, ABC e NBC, empresas de TV mais tradicionais dos EUA, nas quais o tratamento seria muito mais favorável… E a audiência seria muito menor. Segundo a Newsweek, somente a participação de Trump no canal oficial do Joe Rogan Experience alcançou duas vezes mais pessoas do que os principais programas das três redes de TV somadas, nos primeiros sete dias.
Outro aspecto que uniu as figuras de Trump e Dana White ― levando o presidente do UFC a ser a única pessoa de fora da campanha a discursar no palanque de Trump após a apuração indicar sua vitória do republicano, e fazendo, também, com que ele fosse, ao lado de Elon Musk, o homem sentado ao lado de Trump no jantar promovido pelo GOP ― é a relação crítica de ambos com John McCain.
No início deste texto, há uma frase forte contra o UFC: o evento foi descrito como “rinha de galos humana” por uma parcela do Legislativo estadunidense. Essa frase, citada ipsis literis, pertence a John McCain, senador republicano pelo Arizona, e foi dita em 1996. McCain era um ávido fã de boxe. É dele a Lei Muhammad Ali, que regulamentou o esporte no país. Quando ele assistiu pela primeira vez a uma fita com imagens do UFC, ficou horrorizado, dizendo que “chutar um homem enquanto ele está no chão é antiamericano”. No seu período à frente do Comitê de Comércio, em 1997, ele fez de tudo para que as emissoras por assinatura não aceitassem o evento. Todas as sanções descritas anteriormente, todos os estados que proibiram o MMA, tudo isso se deveu à pressão de McCain.
White se mostrou grato a John McCain, reconhecendo, em entrevista à revista Sports Illustrated em 2008, que: “Eu considero John McCain o cara que começou o UFC. Se não fosse por ele, não estaríamos aqui agora”. Os esforços do candidato republicano à Presidência derrotado em 2008 acabaram por fazer o UFC buscar unificar suas regras e conseguir a aprovação de setores importantes para se consolidar como a potência que é hoje. McCain também foi um desafeto declarado de Trump e do MAGA (Make America Great Again), corrente que mudou radicalmente o Partido Republicano.
Historicamente,Trump comprou brigas de pessoas que não precisava comprar. Isso lhe garantiu lealdade em momentos-chave. Ele é um empresário muito hábil, capaz de costurar alianças fortes que o auxiliaram no alcance de objetivos estratégicos. Politicamente, está muito mais experiente do que em 2016, sua equipe é muito maior, e sua legião de fãs está consolidada. Derrotá-lo exigirá muito mais do que palavras de ordem e clamores identitários.
* Lucas Dias Diegues é graduando em ciência política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), muito interessado em política internacional e análise de conjuntura. Em 2022, foi pesquisador de relações Brasil-China junto ao Instituto Internacional de Macau, em parceria com o Real Gabinete Português de Leitura. Contato: lucas.diegues@edu.unirio.br.
** Primeira revisão: Simone Gondim. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 10 abr. 2025. Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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