Trump 2.0 e a imigração: fronteira e os impactos nas Américas

Tom Homan (à esq.) e Stephen Miller (Crédito: captura de tela de vídeo da CBS News)
Dossiê “100 dias de Trump 2.0”
Por Anna Paula Ramos* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Migração]
Fechar a fronteira e conter o que chamou de “invasão” migrante foram compromissos centrais da campanha de Donald Trump rumo ao seu segundo mandato. Logo após a vitória, o governo iniciou um esforço deliberado para concretizar esse discurso. Nomeou Tom Homan como “czar das fronteiras”, e Stephen Miller, como vice-chefe de Gabinete, duas figuras associadas a políticas migratórias controversas, como a separação de famílias, que marcaram a primeira gestão trumpista (2017-2021). Com essas duas figuras oferecendo suporte direto ao gabinete desde o início do segundo mandato, ambas com lealdade pessoal e alinhamento ideológico com Trump, a atual gestão tem demonstrado uma veemência inédita na condução da agenda migratória. Até 29 de abril, foram adotadas 181 medidas executivas relacionadas à imigração, número que supera as 94 ações nos primeiros 100 dias do governo Joe Biden (2021-2025) e representa um aumento de seis vezes em relação às 30 medidas tomadas no mesmo período do primeiro mandato de Trump.
A retórica do migrante como ameaça à soberania nacional, central na narrativa política de Donald Trump desde sua primeira campanha presidencial em 2016, voltou a se concentrar na fronteira sudoeste com o México. Essa região tem sido sistematicamente retratada por Trump como um ponto vulnerável de entrada de ameaças externas, o que justificaria, portanto, um controle mais rígido. Isso se expressa, em especial, na associação da figura do migrante a estereótipos negativos, como traficantes e estupradores, moldando uma fala que os caracteriza como inimigos da integridade nacional dos Estados Unidos.
Para sustentar esse posicionamento, o republicano reacendeu o discurso de “crise na fronteira”, usando como justificativa os números historicamente elevados de entradas não autorizadas durante a gestão de seu antecessor Joe Biden — com 1,6 milhão de apreensões em 2021; 2,2 milhões, em 2022; 2,06 milhões, em 2023; e 1,58 milhão, em 2024. Esse discurso serviu de base para a implementação de medidas de controle nas zonas fronteiriças articuladas em duas frentes complementares: o reforço da proteção territorial, com aumento da vigilância e da presença estatal nos pontos de entrada dos Estados Unidos; e a denominada externalização das fronteiras.
Mapa da fronteira EUA-México (Fonte: Michael Sandberg’s Data Visualization Blog)
O processo de externalização das fronteiras envolve a transferência parcial das funções de controle migratório para países terceiros, independentemente de estes compartilharem ou não fronteiras diretas com o país de destino. Essa prática tem sido cada vez mais adotada por países do Norte Global, que estabelecem acordos bilaterais ou regionais para conter os fluxos migratórios ainda nos países de origem ou de trânsito, sob a justificativa de redistribuir os encargos da gestão migratória para além dos limites territoriais tradicionais. Nesse contexto, o presente Informe tem como objetivo analisar as principais ações direcionadas às zonas fronteiriças no âmbito da política migratória do segundo mandato de Trump, bem como seus efeitos nas relações com países das Américas do Norte e Central, ao exigir que estes controlem os fluxos migratórios em suas próprias fronteiras para impedir que os migrantes alcancem os Estados Unidos.
As primeiras medidas de Trump 2.0 na fronteira com México
Nos primeiros 100 dias de governo, Trump colocou em prática uma série de medidas que reforçaram sua retórica de campanha centrada na segurança fronteiriça. Logo no início de sua gestão, Trump proclamou estado de emergência nacional na fronteira sudoeste, classificando a migração não autorizada como uma “invasão” que exigiria uma resposta federal rigorosa. A proclamação foi acompanhada da implementação da Ordem Executiva 14165, intitulada Protegendo Nossa Fronteira, que estabeleceu diretrizes rígidas voltadas para a restrição do ingresso de migrantes. Entre as diretrizes adotadas, destacam-se o (i) reforço da presença militar nas áreas de fronteira; (ii) a retomada da construção de barreiras físicas; e o (iii) enfraquecimento substancial do sistema de refúgio, limitando o acesso de solicitantes de refúgio aos canais legais de proteção internacional.
O envio de 1.500 soldados do Exército estadunidense para a fronteira com o México, em 22 de janeiro, marcou uma das primeiras ações do Executivo atual para reforçar o controle territorial. A iniciativa se insere em uma lógica de securitização das migrações, que instrumentaliza a figura do migrante como ameaça. O uso das Forças Armadas reforça a narrativa de guerra contra um inimigo externo e, em 11 de abril, essa estratégia foi ampliada com a transferência do controle terrestre de uma faixa da fronteira para o Exército. Essa cessão pode ter buscado contornar as limitações impostas pela Lei Posse Comitatus, que restringe o uso das Forças Armadas em atividades de policiamento interno.
Além do envio de tropas para a região, o governo Trump retomou, ainda que de forma pontual, a construção do muro fronteiriço, um dos principais símbolos de sua política migratória coercitiva desde o primeiro mandato. A fronteira entre os Estados Unidos e o México tem em torno de 3.144 quilômetros de extensão, dos quais mais de 1.000 já contavam com algum tipo de barreira física antes da posse de Trump, em 2017, além de obstáculos naturais, como o Rio Grande. Durante a campanha para seu primeiro mandato, Trump prometeu ampliar o muro ao longo de toda a extensão restante. No entanto, dos 727 quilômetros construídos durante esse período, a maior parte foi dedicada à substituição de estruturas já existentes. Apenas 129 quilômetros foram efetivamente novos, dos quais 53 formavam um muro secundário, destinado a reforçar o primário, e 76 constituíam um novo muro primário.
(Arquivo) O presidente Donald Trump durante viagem à fronteira EUA-México, perto de Calexico, na Califórnia, acompanhado da então secretária de Segurança Interna, Kirstjen M. Nielsen; do então comissário de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, Kevin K. McAleenan, e da então chefe da Patrulha de Fronteira dos EUA no Setor El Centro, Gloria Chavez, em 5 abr. 2019 (Crédito: Mani Albrecht/U.S. Customs and Border Protection Office of Public Affairs. Fonte: Wikimedia Commons)
No atual governo, o movimento mais significativo nesse sentido, até o momento, foi a formalização de um contrato no valor de US$ 70 milhões entre a agência federal de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) e uma empresa de construção privada. O objetivo é fechar cerca de 11 quilômetros considerados “aberturas críticas” no condado de Hidalgo, próximo à cidade de McAllen, no sul do Texas, o que sinaliza a permanência do muro como componente estratégico da agenda migratória. Além disso, em abril, o governo obteve uma isenção ambiental do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês), permitindo o avanço do projeto sem seguir certas regulamentações. Essa foi a primeira dispensa ambiental concedida no atual mandato, evidenciando o interesse em acelerar as obras e construir a barreira física por toda divisão territorial com o México até o início de janeiro de 2029.
Outro elemento de continuidade dos mandatos de Trump é o desmonte progressivo do sistema de refúgio. Pela legislação vigente, o refúgio deve ser solicitado por pessoas já em território estadunidense ou nos portos de entrada, desde que se enquadrem como refugiadas, com o direito de permanecer no país enquanto o pedido é analisado. Lembremos que medidas restritivas ao acesso ao refúgio começaram ainda no governo Barack Obama (2009-2017), com a adoção da política Metering, que limitava o número diário de solicitações. Ressalta-se que os Estados Unidos não ratificaram a Convenção Relativa ao Refúgio de 1951, enfraquecendo a proteção jurídica a essas pessoas e cobranças pelo Direito Internacional. Essa abordagem foi intensificada sob a gestão Trump, com a implementação dos Protocolos de Proteção do Migrante (MPP, na sigla em inglês), mais conhecido como o programa Permaneça no México, que obrigavam os solicitantes a aguardarem no México até que seus processos fossem julgados. Durante a gestão de Joe Biden (2021-2025), esse procedimento foi digitalizado com o uso do aplicativo CBP One, por meio do qual os requerentes deveriam agendar a entrevista exclusivamente pela plataforma. Embora permitisse o agendamento remoto, a medida gerou críticas por depender do acesso digital para se iniciar o processo e pela possibilidade de rastreamento físico em tempo real dos solicitantes.
Durante sua campanha à Presidência em 2024, Trump emitiu um aviso, por meio de um post na rede social X, de que encerraria o aplicativo caso fosse eleito, alegando, falsamente, que era um mecanismo utilizado para contrabandear migrantes para os Estados Unidos. Em 20 de janeiro, com a posse de Trump, o CBP One foi desativado. A CBP suspendeu o funcionamento do aplicativo e cancelou todos os agendamentos, encerrando temporariamente a única via formal de solicitação de refúgio. Até então, cerca de 270 mil pessoas acessavam a plataforma por dia, com 40 mil migrantes entrando mensalmente de forma autorizada. Estima-se que pelo menos 30 mil pessoas foram deixadas sem atendimento e em situação de limbo, já que não foi oferecida uma alternativa para que pudessem apresentar seus pedidos de refúgio aos tribunais estadunidenses.
Com isso, o governo Trump paralisou o acesso ao sistema estadunidense. Em vez de permitir o trâmite regular para a concessão de refúgio, que pode resultar na obtenção da residência permanente legal (Green card), o DHS passou a realizar apenas triagens limitadas com base na Convenção contra a Tortura. Essa avaliação concede uma proteção temporária e precária, que permite a remoção para terceiros países e não garante estabilidade migratória nos Estados Unidos.
Concessões e tensões: a reconfiguração das relações com a América do Norte
No início do segundo mandato de Donald Trump, a América do Norte voltou ao centro da política migratória dos Estados Unidos. Houve continuidade na ênfase sobre a gestão da fronteira terrestre sudoeste com o México, mas com a introdução de um novo foco: a fronteira com o Canadá. Como já havia ocorrido em seu primeiro mandato, a segurança das zonas fronteiriças foi instrumentalizada de forma integrada, ao interconectar migração, comércio e militarização. Trump ameaçou impor tarifas comerciais ao México e ao Canadá, caso não intensificassem o controle de suas fronteiras com os Estados Unidos – tanto para conter a passagem de migrantes não autorizados quanto para combater o tráfico de drogas, especialmente o fentanil.
Em resposta, o México anunciou novas medidas de contenção migratória. A presidenta Claudia Sheinbaum mobilizou 10 mil soldados da Guarda Nacional para a fronteira norte, em um gesto interpretado como uma concessão para evitar sanções tarifárias por parte dos Estados Unidos. A relação entre Trump e Sheinbaum vem sendo construída com cautela e marcada por negociações estratégicas. A presidenta mexicana não demonstra alinhamento direto com as medidas do republicano e, em seus discursos, enfatiza o papel central do México no controle migratório regional, ao acolher milhares de migrantes que, em vez de cruzarem a fronteira, permanecem em território mexicano.
Um exemplo disso é a postura ambígua adotada pela presidenta ante a exigência de Trump de retomar os MPP. Sheinbaum alega que se trata de uma decisão unilateral dos Estados Unidos e, embora tenha sinalizado disposição para acolher migrantes por razões humanitárias, resiste à formalização do acordo. Essa resistência pode estar relacionada à experiência anterior com o programa, implementado durante o primeiro mandato de Trump e o governo de seu antecessor e correligionário, Andrés Manuel López Obrador. À época, foram registradas múltiplas denúncias de violações de direitos humanos, além da formação de acampamentos informais, precários e superlotados de migrantes no lado mexicano da fronteira.
A crescente atenção à fronteira com o Canadá no segundo mandato de Trump representa uma mudança significativa em relação ao primeiro mandato e, em certa medida, às políticas históricas dos Estados Unidos, evidenciando que seu projeto de isolamento geográfico vai além da fronteira com o México. Trump chegou a se referir ao Canadá como o “51º estado” e sinalizou a disposição para abrir novas frentes de tensão na linha divisória entre os dois países. Na fronteira entre Vermont e Québec, a biblioteca pública Haskell Free Library and Opera House, construída propositadamente entre os dois países como símbolo de cooperação, tornou-se uma ilustração desse impasse. Em março, o governo estadunidense iniciou a exigência de que cidadãos canadenses passem por controle de imigração antes de entrarem no edifício, alegando combate ao tráfico de drogas.
O aumento das travessias não autorizadas na fronteira norte tem sido utilizado pela administração Trump como argumento para intensificar a pressão sobre o Canadá. Em 2024, mais de 23 mil migrantes foram detidos pela Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos nos limites territoriais com o Canadá. Esse número representa quase o dobro da soma total registrada nos três anos anteriores, que contabilizaram aproximadamente 10 mil apreensões em 2023, 2 mil em 2022 e 900 em 2021. Muitos desses migrantes procediam da Índia e do México, enfrentando temperaturas extremas e sendo influenciados por coiotes, que divulgam “rotas seguras” em plataformas digitais como o TikTok. Em resposta às ameaças de tarifas dos Estados Unidos, o primeiro-ministro canadense, Mark Carney, anunciou medidas de segurança, como drones, helicópteros e a criação de um “czar do fentanil”, ao mesmo tempo em que também retaliou os Estados Unidos com sanções comerciais.
Os efeitos de Trump na América Central
Embora não faça fronteira física com os Estados Unidos, a América Central é constantemente impactada pelo processo de externalização das fronteiras estadunidenses. Isso ocorre, em especial, pela região cumprir um duplo papel: é, simultaneamente, a origem de migrantes e rota estratégica entre a América do Sul e os Estados Unidos. Diante disso, essa região tem sido afetada pelo governo Trump em duas frentes principais. A primeira é a revogação de mecanismos de proteção humanitária, como o encerramento do programa CHNV (Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela), criado no governo Biden para permitir a entrada documentada de nacionais desses países por meio de patrocínio, e uma possível extinção do Status de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês).
A segunda dimensão se refere às tentativas de imposição de medidas que transferem a responsabilidade migratória para os países da região, como a exigência de que aceitem voos com deportados e assinem acordos de terceiros países seguros. O termo “terceiro país seguro” se refere a acordos firmados entre Estados, nos quais, geralmente, um é o destino pretendido pelos migrantes, enquanto o outro é considerado seguro para sua permanência. Dessa forma, migrantes em busca de refúgio que transitam por um país classificado como seguro a caminho, por exemplo, dos Estados Unidos, devem solicitar proteção nesse território intermediário, e não em solo estadunidense.
Dois países da América Central se destacaram nas relações com os Estados Unidos nesses primeiros 100 dias de Trump 2.0: El Salvador e Panamá.
Historicamente, El Salvador foi um dos principais emissores de migrantes para os Estados Unidos e, mais recentemente, em 2018, os salvadorenhos compunham uma das principais nacionalidades nas chamadas “caravanas de migrantes”. Atualmente, sob a liderança do presidente Nayib Bukele, considerado de extrema direita, o país se posiciona como aliado estratégico do governo Trump, ao aceitar não apenas cidadãos salvadorenhos deportados, mas também migrantes de outras nacionalidades, incluindo estadunidenses. Um dos principais símbolos dessa aliança é o acordo firmado para receber deportados no Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT), prisão salvadorenha denunciada por entidades de defesa dos direitos humanos por abusos e condições precárias. Financiado pelos Estados Unidos, o acordo prevê um custo anual de US$ 6 milhões e leva a mídia a rotular El Salvador como a “Guantánamo da América Central”.
A secretária do Departamento de Segurança Interna (DHS), Kristi Noem, visita o CECOT com o ministro salvadorenho da Justiça e Segurança Pública, Gustavo Villatoro, em Tecoluca, El Salvador, em 26 mar. 2025 (Crédito: Tia Dufour/DHS/Flickr)
Em contrapartida, a relação do governo republicano com o Panamá começou de forma tensa, em especial por conta de disputas comerciais envolvendo o Canal do Panamá, cuja administração chegou a ser publicamente reivindicada por Trump. Em paralelo a essas fricções econômicas, o Panamá ocupa uma posição estratégica na dinâmica migratória das Américas, por abrigar a Selva de Darién, uma extensa floresta tropical que conecta a América do Sul à América Central. Nos últimos anos, Darién se consolidou como uma das principais rotas terrestres rumo aos Estados Unidos, assim como uma das mais letais, devido ao controle territorial praticado por narcotraficantes. Somente em 2024, cerca de 300 mil migrantes cruzaram a região, com uma média estimada de 2.000 a 3.000 pessoas por dia. No mesmo ano, estima-se que 55 migrantes morreram tentando realizar a travessia.
Diante desses números, a Selva do Darién se tornou, também, um foco na estratégia de contenção migratória da administração Trump. Em janeiro, Tom Homan, o “czar das fronteiras”, afirmou que o governo buscaria fechar essa rota, mesmo se tratando de território estrangeiro, sob a justificativa de proteger a segurança nacional. Simultaneamente, o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, eleito em 2024 com a promessa explícita de “bloquear” Darién, intensificou os controles fronteiriços na região.
A convergência entre pressões externas dos Estados Unidos, bem como o encerramento do aplicativo CBP One, e políticas internas panamenhas resultaram em uma queda do trânsito migratório. Segundo autoridades do Panamá, em março de 2025, apenas 194 pessoas foram registradas tentando cruzar a selva. Como efeito colateral, observou-se o surgimento de um fluxo migratório reverso, com o retorno voluntário de migrantes, majoritariamente venezuelanos, para a América do Sul. A Colômbia, que faz fronteira com o Panamá, registrou 3.485 migrantes em deslocamento rumo ao Sul entre 1º de janeiro e 15 de março, número que pode indicar uma resposta inicial às medidas de contenção implementadas pelos Estados Unidos na região. No entanto, ainda é prematuro afirmar se esse movimento representa uma tendência consolidada de retorno aos países de origem ou de redirecionamento das rotas em direção a outros países da América Latina diante das políticas adotadas no segundo mandato de Trump.
Expectativas, estratégias e resultados: o impacto imediato dos primeiros 100 dias
Os primeiros efeitos das políticas de dissuasão do governo Trump se tornaram evidentes nos números de apreensões na fronteira com o México nos dois primeiros meses de sua gestão em 2025. Em fevereiro e março, a Patrulha de Fronteira registrou 11.709 e 11.017 apreensões, respectivamente. Em comparação, no mesmo período do ano anterior, apenas em março de 2024, foram registradas 189.359 apreensões, o que indica uma mudança drástica na conjuntura da fronteira.
Total de abordagens de migrantes pelo CBP na fronteira EUA-México, por país de origem (Crédito: CBP via WOLA)
Situação semelhante foi observada nos primeiros meses de Trump 1.0, em 2017, quando as apreensões caíram em relação aos números da gestão Obama, mas voltaram a crescer após seis meses, culminando em um pico de quase 1 milhão de encontros em 2019. A breve queda observada naquele período foi interpretada como um efeito momentâneo, resultado direto de uma estratégia adotada por muitos migrantes e coiotes de “esperar para ver” como as políticas seriam efetivamente implementadas. Ainda não é possível afirmar se os números de apreensões no segundo mandato de Trump seguirão o mesmo padrão. O que já se pode constatar é que as medidas atuais aprofundaram ainda mais a precariedade vivida pelos migrantes ao longo da travessia, intensificando o sentimento de insegurança e o medo, tanto diante dos riscos do percurso quanto da possibilidade de não conseguirem entrar nos Estados Unidos e solicitar proteção humanitária.
Em contrapartida, o governo Trump tem utilizado esses dados como prova da eficácia de sua abordagem. Nesse contexto, a administração republicana anunciou que a próxima proposta será reinstaurar o Título 42. Originalmente acionada por Trump em 2020, essa medida sanitária determinava o fechamento total das zonas fronteiriças sob o argumento de proteger os cidadãos estadunidenses da covid-19. Agora, a justificativa gira em torno da contenção de surtos de tuberculose e sarampo, que, segundo Trump, estariam sendo trazidos por migrantes ao território dos Estados Unidos.
A reativação do Título 42 carece, novamente, de fundamentos científicos sólidos que a justifiquem e repete a lógica do primeiro mandato, em que medidas supostamente voltadas para a proteção da saúde pública contrastavam com a postura negacionista do próprio governo em relação à pandemia da covid-19. Atualmente, as contradições se manifestam, por exemplo, na nomeação de figuras abertamente críticas à ciência, como Robert F. Kennedy Jr., nomeado para liderar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS, na sigla em inglês), na suspensão de repasses federais a escolas que exigem vacinação contra a covid-19 e na saída da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse cenário, especialistas alertam que o verdadeiro risco sanitário não está nos migrantes, mas nas baixas taxas de imunização da população residente, revelando que o Título 42 se configura mais como um instrumento político, voltado para o endurecimento do controle migratório sob uma roupagem sanitária, do que como uma medida de proteção da saúde pública.
Embora, nos primeiros 100 dias, os números indiquem uma redução nas apreensões de migrantes na fronteira sudoeste e haja alguma cooperação por parte dos países das Américas do Norte e Central com as diretrizes impostas por Trump, é prematuro afirmar que as medidas adotadas alcançarão os efeitos duradouros almejados pela atual gestão. A experiência recente mostra que políticas fundamentadas na dissuasão e na externalização das responsabilidades migratórias geram efeitos adversos, intensificando a exposição de migrantes e solicitantes de refúgio a contextos de maior vulnerabilidade e violação de direitos. Ainda que o futuro permaneça incerto, os impactos imediatos dessas medidas já recaem sobre milhares de pessoas em trânsito, que buscam condições mínimas de sobrevivência e não podem esperar por um amanhã.
* Anna Paula Ramos é mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, Unicamp, PUC-SP), bacharela em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Álvares Penteado (FECAP), membra do ProMigra – Projeto de Promoção dos Direitos de Migrantes da Faculdade de Direito da USP e consultora da Imigração na empresa iGo Immigration Services. Contato: anna.paula.ramos18@gmail.com.
* Primeira revisão: Victor Cabral. Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Recebido em 25 abr. 2025. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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