Tarifas de Trump e América Latina: uma análise de impactos e contextos geopolíticos após 100 dias

Montagem da Global Voices, com o presidente Donald Trump (imagem do Flickr, sob CC BY-SA 2.0) e o mapa da América Latina
Dossiê “100 Dias de Trump 2.0”
Por Leonardo Fernandes e Johny Santana de Araújo* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Tarifas] [América Latina]
A imposição de tarifas pelo governo de Donald Trump em 2 de abril de 2025 trouxe implicações importantes para o comércio global, com impactos variados entre as regiões. A América Latina, em particular, foi tratada de forma diferenciada, recebendo tarifas relativamente baixas em comparação com outras áreas. Este ensaio explora as razões por trás dessa abordagem, argumentando que a ausência de superávits comerciais significativos com os Estados Unidos e a crescente influência da China na região podem explicar, em parte, o tratamento menos severo dado à América Latina. Além disso, discutiremos como essa nova onda tarifária representa uma continuidade ou um aprofundamento das políticas protecionistas do primeiro mandato de Trump (2017-2021), considerando-se, também, os desdobramentos geopolíticos mais amplos.
Tarifas e comparação regional
As novas tarifas incluem uma taxa base de 10% sobre todas as importações para os Estados Unidos, com sobretaxas específicas direcionadas a países com maiores superávits comerciais ou classificados como “adversários econômicos”. Os dados a seguir resumem as tarifas aplicadas por região:
Tarifas impostas por Trump 2.0, por região
Região |
Tarifa Média |
Casos Específicos |
América Latina |
10%-18% |
Venezuela (15%), Nicarágua (18%) |
Ásia |
24%-54% |
China (54%), Vietnã (46%), Índia (26%) |
Europa |
20%-45% |
União Europeia (20%), Alemanha (45%) |
África |
10%-50% |
Lesoto (50%), Madagascar (47%) |
Oriente Médio |
10%-17% |
Israel (17%), Arábia Saudita (10%) |
Fonte: Elaboração própria, com base no Governo dos Estados Unidos. As tarifas médias por região apresentadas no quadro refletem dados vigentes até o início de abril de 2025. Ressalta-se, contudo, que o cenário tarifário dos Estados Unidos está sujeito a mudanças abruptas, com revisões frequentes e anúncios de novas medidas por parte do governo americano. Recomenda-se a consulta periódica às fontes oficiais para a atualização dos dados.
A América Latina foi amplamente sujeita à tarifa mínima de 10%, enquanto regiões como Ásia e Europa enfrentaram taxas muito mais altas. A magnitude dessa diferença levanta hipóteses sobre os critérios utilizados pelo governo norte-americano para determinar os níveis tarifários.
Continuidade ou aprofundamento das políticas tarifárias?
As novas tarifas podem ser vistas como uma extensão da estratégia protecionista do primeiro mandato de Trump, mas com maior intensidade e alcance. Durante seu governo inicial, Trump impôs tarifas sobre cerca de US$ 380 bilhões em importações. Em 2025, o volume de bens tarifados ultrapassa US$ 1,4 trilhão, evidenciando um aprofundamento da estratégia “America First”, voltada para proteger a indústria doméstica e reduzir déficits comerciais.
Trump declarou o dia 2 de abril como o “Dia da Libertação”, afirmando que os EUA estavam se livrando das “amarras do livre-comércio desleal”. A retórica nacionalista reforça a centralidade da economia doméstica na agenda do presidente, mesmo com riscos de retaliações comerciais e de isolamento econômico.
Relação comercial EUA-América Latina
Uma explicação plausível para as tarifas mais baixas impostas à América Latina é a ausência de superávits comerciais expressivos da região com os Estados Unidos. Países como Brasil, Argentina e Colômbia têm exportações modestas para o mercado norte-americano. As exportações brasileiras para os EUA, por exemplo, representam apenas cerca de 2% do PIB do país, concentrando-se, sobretudo, em produtos industriais, como petróleo bruto, semimanufaturados de ferro e aço, aeronaves e café. Além disso, setores estratégicos como energia e minerais foram amplamente isentos das tarifas, o que reduziu ainda mais os impactos diretos para a região.
Essa relação comercial limitada contrasta com regiões como Ásia e Europa. A China, por exemplo, mantém um superávit comercial significativo com os Estados Unidos, o que justifica, do ponto de vista da Casa Branca, a imposição de tarifas combinadas que chegam a 54%. Da mesma forma, a União Europeia enfrenta tarifas médias de 20% a 45%, o que nos indica sua relevância comercial e competitiva.
China na América Latina e o fator geopolítico
Outro fator que pode ajudar a explicar o tratamento mais brando dado à América Latina é a crescente influência da China na região. Desde sua entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, as transações comerciais entre a China e a América Latina se multiplicaram por 20, alcançando US$ 482 bilhões em 2022. Pequim se tornou o principal parceiro comercial de países como Brasil, Chile e Peru, desafiando a hegemonia econômica dos EUA. Além do comércio, a China tem ampliado sua presença com investimentos em infraestrutura e em energia: da construção de hidrelétricas no Equador à extração de petróleo na Venezuela, passando por portos, ferrovias e redes 5G em vários países. Essa expansão pode ter levado os EUA a adotarem uma postura mais cautelosa, para evitar o afastamento definitivo de parceiros históricos.
(Arquivo) O presidente da China, Xi Jinping, durante a Cúpula de Líderes da Mídia na sede da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), organização regional das Nações Unidas, em Santiago, Chile, em 22 nov. 2016 (Crédito: Carlos Vera/Cepal/Flickr)
Mas seria essa uma estratégia deliberada de preservação de laços regionais ou apenas uma consequência indireta da baixa relevância da América Latina no comércio bilateral? Essa pergunta permanece em aberto. Historicamente, a política externa norte-americana em relação à América Latina foi marcada por intervenções e estratégias de dominação, como exemplificado pela diplomacia do “Big Stick” (“Grande Porrete”, na tradução literal), de Theodore Roosevelt, que reforçava a ideia de controle por meio da força e da ameaça, ainda que sob o pretexto da ordem.
A armadilha de Tucídides e a disputa global
O cenário atual também pode ser interpretado à luz da “Armadilha de Tucídides”, conceito popularizado por Graham Allison em Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap? (Houghton Mifflin Harcourt, 2017). Quando uma potência emergente ameaça substituir a potência dominante, o risco de conflito – direto ou indireto – aumenta. Se a América Latina é percebida como um tabuleiro geopolítico de suma importância na rivalidade entre EUA e China, então as tarifas podem ser parte de um esforço estratégico mais amplo de contenção da influência chinesa. Evita-se, assim, rupturas bruscas com países que podem desempenhar papel relevante no equilíbrio de poder global.
As tarifas impostas pelo governo Trump 2.0 revelam as complexidades do comércio internacional e das disputas geoeconômicas do século XXI. No caso da América Latina, fatores como a ausência de grandes superávits comerciais com os EUA e a crescente presença chinesa na região ajudam a explicar por que o tratamento tarifário foi relativamente mais brando. No entanto, essa leniência deve ser analisada com cautela, pois pode refletir tanto decisões pragmáticas quanto estratégias geopolíticas mais profundas.
Mesmo com impactos limitados no curto prazo, as tarifas evidenciam a vulnerabilidade da América Latina às oscilações da política externa norte-americana. A região precisa avançar em direção à diversificação econômica, à integração regional e ao fortalecimento de suas cadeias de valor para reduzir sua dependência de mercados externos. Ao mesmo tempo, a intensificação da disputa entre China e EUA coloca os países latino-americanos diante do desafio de equilibrar interesses e preservar sua autonomia estratégica em um cenário global cada vez mais polarizado.
* Leonardo dos Santos Fernandes é mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), pesquisador do Grupo de Trabalho de História Militar (ANPUH-PI) e licenciado em História pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Atualmente, pesquisa relações sino-russas, Sul Global e ideias de mundo multipolar. Contato: leonardofernandes08@yahoo.com.
Johny Santana de Araújo é doutor em História Social (UFF), professor associado do Departamento de História da UFPI e membro permanente dos Programas de Pós-graduação em História do Brasil e Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Coordena o GT de História Militar da ANPUH-PI e desenvolve pesquisas em história militar, formação do Estado-nação, guerras e relações internacionais. Contato: johny@ufpi.edu.br.
** Primeira revisão: Lucas Amorim. Revisão e edição finais: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 26 abr. 2025. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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