Internacional

Os 100 primeiros dias de Trump 2.0 para Israel 

(Arquivo) Benjamin Netanyahu com Donald Trump no aeroporto Ben Gurion, em Israel, sem data (Crédito: Amos Ben Gershom GPO/Flickr do Ministério israelense das Relações Exteriores)

Dossiê “100 Dias de Trump 2.0” 

Por Clara Meleiro Westin* [Informe OPEU] [100 dias] [Trump 2.0] [Israel] 

Os 100 primeiros dias do segundo mandato de Donald Trump tomaram proporções inimagináveis para a dinâmica internacional. Em Israel, maior aliado, histórica e consistentemente, dos Estados Unidos e por quem Trump inaugurou uma política radical em seu primeiro governo, o novo presidente dos EUA foi recebido com apoio civil e político. Mas qual tem sido a postura do governo Trump neste primeiro relance de governo?  

Linha do tempo 

O primeiro mandato de Donald Trump (2017-2021) foi marcado por uma radicalidade da aproximação com Israel e pela ruptura com a causa palestina. Destaca-se, entre outros marcos: 1) a mediação norte-americana para a assinatura do Acordo de Abraão, em 2020; 2) a transferência da embaixada estadunidense em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém; 3) o fechamento da Missão Diplomática da Palestina em Washington, D.C.. Como presidente, Joe Biden (2021-2025) não reverteu essas atitudes. Assim, o binarismo democrata-republicano, quando estamos analisando a aliança EUA-Israel, aparenta ser insuficiente. Há diferenças, no entanto, ao se olhar mais detidamente. A administração Biden pontuava, em conversas com Israel, a ofensiva contra os palestinos em Gaza como um constrangimento, particularmente sob uma ótica humanitária, defendendo a entrada de ajuda humanitária e o limite ao número de casualidades em ataques contra o Hamas. Isso remete à própria tradição da aliança EUA-Israel, na qual a questão humanitária tende a ser um ponto recorrente em conversas. O primeiro governo Trump (2017-2021) rompeu drasticamente com essa postura e volta a rompê-la em sua segunda administração.  

A conjuntura regional se alterou quando, em janeiro de 2025, um acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas foi assinado, por mediação de EUA, Egito e Catar. Após uma interrupção nas negociações sobre o que seria a segunda fase do acordo, Israel retomou os ataques aéreos constantes e a presença terrestre em Gaza. Sem uma pressão direta dos EUA sob Trump, há indícios de novas negociações informais, porém a escalada de conflitos se mantém. Desde outubro de 2023, soma-se mais de 52 mil palestinos, 1.200 israelenses e 426 trabalhadores humanitários mortos.  

Sob Biden, a ajuda humanitária dos EUA para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês), previamente cortada no primeiro governo Trump, voltou a ser interrompida, na esteira de denúncias israelenses, sem provas, de que a organização estava envolvida com o grupo Hamas. Sob pressão internacional e doméstica e em meio a uma investigação interna, Trump 2.0 manteve essa posição, por meio da Ordem Executiva 14169, assinada no dia de sua posse, em 20 de janeiro. Ela previu uma pausa em toda ajuda humanitária internacional proveniente dos EUA em um período de 90 dias. No momento, a ajuda para a UNWRA está interrompida 

Gendered Impact of the Crisis in Gaza | Pictured: 24 Novembe… | Flickr(Arquivo) Palestinos começam a voltar para suas casas no leste de Khan Yunis, após bombardeios israelenses ocorridos apesar de cessar-fogo temporário, em 24 nov. de 2023 (Crédito: ONU Mulheres/Samar Abu Elouf/Flickr)

Historicamente, os EUA enviam cerca de US$ 3,8 bilhões em ajuda militar a Israel todos os anos. No governo Biden, sob o pretexto da escalada do conflito em Gaza, totalizou-se mais de US$ 18 bilhões em remessas enviadas entre outubro de 2023 e julho de 2024. Essa ajuda militar, institucionalizada por meio do programa de Financiamento Militar Estrangeiro dos Estados Unidos (FMF, no original), significa o uso desse montante para a compra de armamentos no mercado estadunidense. Para os EUA, é um investimento nacional extremamente lucrativo. Logo, independentemente do partido no poder na Casa Branca, os FMFs impulsionam a indústria local e, particularmente com Israel, espera-se sua sistemática manutenção. A tradição diplomática estadunidense para Israel condicionava o envio das remessas à distribuição de ajuda humanitária e à negociação para a diminuição da violência contra civis. Apesar de questionamentos relacionados à efetividade dessa imposição, esse discurso era frequente entre democratas e republicanos, levando a diversos embargos parciais de ajuda militar.  

Trump, em seu primeiro mandato, inaugurou excepcionalidade a essa ajuda, ao romper com as imposições humanitárias, retomando-as no segundo mandato.  

Por fim, a postura de Trump 2.0 também levanta novas bandeiras para os assentamentos ilegais na Cisjordânia e Gaza. Falas extremamente contraditórias, como Gaza como um potencial empreendimento imobiliário, bem como um vídeo publicado oficialmente, demonstra o compromisso de Trump com a agenda do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, seu apoio incondicional e a ruptura absoluta de uma imagem moderadora para uma solução de dois Estados, como fez anteriormente.  

Contradições de Trump 2.0 

No contexto internacional mais amplo, porém, a pauta econômica pode representar uma mudança na postura de Trump para Israel. Israel e EUA têm um acordo de livre-comércio firmado desde 1985, que corresponde à livre-exportação de 98% de produtos e, para Israel, os EUA são o maior parceiro comercial bilateral. No tarifaço de abril, porém, Israel recebeu uma taxação de 17%. Novas negociações foram abertas, e se estabeleceu uma pausa de 90 dias e taxação de 10%. A incerteza tarifária não é específica do caso de Israel e se soma a uma série de negociações em curso entre os EUA e seus parceiros comerciais. É interessante notar, contudo, a agressividade da pauta econômica sendo aplicada a um aliado tão próximo e histórico.  

Na área de ajuda militar, Trump 2.0 reassume incondicionalidade a Israel, ao se distanciar da pauta palestina e de potenciais embargos. Nos 100 primeiros dias deste segundo mandato, Trump aprovou o envio de US$ 12 bilhões em ajuda militar, rompendo o embargo às armas promovido por Biden até aquele momento, bem como a retirada de uma série de restrições também instituídas pelo democrata. 

Nesse sentido, há uma aparente contradição, quando Trump sinaliza que não reverterá, neste primeiro momento, a tarifa imposta de 17% sobre os produtos israelenses. E é possível fazer esse paralelo, pois, para além de discussões sobre ameaças à segurança na região do Oriente Médio, para Israel e para os EUA, a ajuda militar sistêmica para Israel tem um potencial econômico gigante para a indústria militar estadunidense. Assim, a cooperação técnica entre os EUA e Israel para desenvolvimento de alta tecnologias, ligados ou não à segurança, está entre as principais explicações, historicamente, para a aliança e o aumento exponencial das remessas para ajuda militar.  

Na dimensão regional, temos as relações de Israel contra inimigos regionais comuns dos EUA vis-à-vis a relação do governo Trump com esses atores. O Irã é a principal ameaça para o Estado israelense, e frear a produção nuclear iraniana é uma pauta de interesses de Israel. Nestes 100 dias de governo, Trump adotou três importantes posturas para o Irã, o que afeta diretamente a aliança com Israel. Em primeiro lugar, Trump 2.0 impôs uma tarifa básica de 10% sob produtos iranianos, taxa inferior a de seu grande aliado regional. Adicionalmente, os EUA retomaram o projeto de “pressão máxima” contra o Irã, ou seja, o aumento significativo de sanções econômicas contra o país, a fim de frear o projeto iraniano de desenvolver armas nucleares. Em contrapartida, apesar do endurecimento imediato das sanções econômicas, Trump voltou a dialogar com o Irã para um novo acordo sobre o programa nuclear deste país. Essa postura é relevante para a presente análise, pois, por um lado, negociar diplomaticamente o desenvolvimento da produção nuclear iraniana está alinhada aos interesses políticos israelenses. A taxação reduzida imposta ao Irã, por outro, suscitou controvérsias do aliado norte-americano.  

Questão palestina 

Por fim, é importante pontuar a dimensão doméstica em relação à aliança com Israel e à causa palestina. Sistematicamente, uma nova diretriz de silenciamento está atingindo ativistas pró-Palestina. Repressões em campi universitários ao redor do país, iniciados na gestão Biden, somaram-se a prisões e deportações de alunos e pesquisadores críticos do Estado de Israel ou do atual governo de Netanyahu, promovidas pelo governo Trump 2.0. No total, aproximadamente 2.300 pessoas foram presas em protestos pró-Palestina. A atual onda de silenciamento vem ao encontro da definição de antissemitismo adotada em 2019, por Trump, e elaborada pela Aliança Internacional de Memória do Holocausto. Nela, é previsto que críticas ao Estado ou ao governo israelense são passíveis de crime de antissemitismo. Como consequência, universidades estadunidenses têm expulsado e suspendido alunos envolvidos no ativismo pró-Palestina. Como legitimação desta pauta, também estão em vigor as Ordens Executivas 13899 e 14161, prevendo o cancelamento de vistos de estudantes estrangeiros que se manifestem a favor da Palestina. 

(Daily Collegian, 2025)Mais de 200 pessoas se reuniram do lado de fora do grêmio estudantil da Universidade de Massachusetts, Amherst (UMASS), para protestar durante o quarto dia da Semana do Apartheid Israelense da Students for Justice in Palestine (SJP), em 10 abr. 2025 (Crédito: Daniel Estrin/Daily Collegian)

O que se pode observar das agendas apresentadas, neste primeiro estágio do novo governo Trump, é a manutenção de posturas radicais pró-Israel, nos planos internacional e doméstico, e, ao mesmo tempo, comportamentos agressivos mediante sua agenda econômica de tarifação. Nesse sentido, a tarifa imposta para a produção de Israel e a continuação das negociações comerciais se apresentam como o maior obstáculo hoje para uma aliança incondicional, tal como posta no primeiro mandato do republicano. É notável a postura de pragmatismo comercial dos EUA com Israel, pois, como colocado anteriormente, a incondicionalidade da aliança envolvia, no primeiro governo, a facilitação de programas comerciais conjuntos.  

Apesar disso, ao considerarmos a presente incerteza das relações entre Trump e seus aliados no plano internacional – por exemplo, União Europeia, Inglaterra, México e Canadá –, Israel se mantém como um parceiro sólido nos EUA sob a liderança de Trump. A aliança EUA-Israel é extremamente benéfica para os EUA política, social, econômica e militarmente. As tarifas impostas a Israel podem representar um obstáculo para afirmarmos, categoricamente, a retomada da plena aproximação entre EUA e Israel, tal como foi visto no primeiro mandato do republicano. Porém, a normalização da ajuda militar bilateral, o apoio à violência em Gaza, o engajamento em tratar da agenda nuclear do Irã e o silenciamento sistêmico de críticos à aliança ou a Israel indicam a manutenção da aliança excepcional. Assim, pode-se argumentar que há uma retomada da política de aproximação radical com Israel, representando mais continuidades do que rupturas em relação ao primeiro governo de Donald Trump. 

 

* Clara Meleiro Westin é mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI). Seus temas de interesse incluem política externa dos Estados Unidos e Oriente Médio. Contato: clarameleiro@gmail.com. 

** Revisão e edição: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 30 abr. 2025. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU. 

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